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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 16 de março de 2015 a 22 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 619No mínimo, maior desempenho
Estudo investiga desenvolvimento de filmes usados em sensores e telecomunicaçõesCada vez que você usa um telefone celular, liga o rádio, a televisão ou se conecta à internet por uma rede wi-fi, minúsculos filtros eletrônicos entram em ação para separar, da cacofonia de ondas eletromagnéticas invisíveis em que estamos imersos, a frequência correta. Num mundo cada vez mais conectado, a demanda por esses equipamentos – e as exigências quanto à sua miniaturização e desempenho – só faz aumentar.
“Um aperfeiçoamento contínuo da performance dos dispositivos é necessário para atender a essas exigências”, escreve, em sua tese de doutorado, a pesquisadora da Unicamp Milena de Albuquerque Moreira. “Numa visão macro, mudar o design do dispositivo pode resultar numa melhoria de seu desempenho. Numa visão micro, as propriedades físicas dos materiais dos dispositivos têm uma forte influência em seu desempenho final”.
Foi na questão dos materiais que Milena se debruçou em sua tese, “Synthesis of Thin Piezoelectric AlN Films in View of Sensors and Telecom Applications” (“Síntese de Filmes Piezoelétricos Finos de AlN com Vistas a Aplicações em Sensores e Telecomunicações”, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp.
A pesquisadora analisou a fabricação de filmes com milésimos ou milionésimos de milímetro de espessura, dotados de propriedades piezoelétricas – a capacidade de transformar energia mecânica, como ondas sonoras, em corrente elétrica, e vice-versa. Por esse motivo, são muito usados nos chamados dispositivos eletroacústicos – uma classe que inclui microfones e alto-falantes, mas não só.
Balança
Materiais piezolétricos são utilizados há tempos em diversos tipos de equipamentos: as antigas agulhas de toca-discos eram piezoelétricas, como são os cristais no interior dos relógios de quartzo. As propriedades desses materiais fazem com que sejam úteis na construção de filtros de frequência, explicou Milena. “Um dispositivo eletroacústico é, basicamente, um ressonador de frequência. Isso implica que o dispositivo funcionará apenas na frequência de ressonância para a qual foi projetado e construído”.
“De uma maneira bem simplificada, podemos dizer que um dispositivo eletroacústico é projetado para funcionar a uma frequência específica, chamada frequência de ressonância”, disse ela. “Quando esta frequência é utilizada, todo o dispositivo é ‘ativado’ e o material piezoelétrico converte a energia mecânica, a onda acústica, em energia elétrica”.
Um uso básico de dispositivo eletroacústico como sensor é no papel de “balança”. “O que ocorre é uma mudança na corrente elétrica, proporcionada pela alteração do peso. Em estado de ‘repouso’, a frequência de ressonância do material é ‘f1’, gerando uma corrente elétrica ‘i1’”, exemplificou. “Em estado de ‘carga’, a frequência de ressonância é ‘f2’, gerando uma corrente elétrica ‘i2’”. A diferença entre f2 e f1, ou entre i2 e i1, é diretamente proporcional à alteração de peso na membrana do material ressonador, que é a camada piezoelétrica.
Dando como exemplo a detecção de substâncias no sangue, ela explica que “ao injetar o material viscoso na área sensibilizada do dispositivo eletroacústico, o peso da camada piezoelétrica é alterado”, o que gera a corrente elétrica que sinaliza a detecção da substância buscada.
Material
Milena trabalhou com nitreto de alumínio (AlN) “dopado” com escândio (Sc), um elemento químico metálico, às vezes agrupado com as terras raras e descoberto apenas no século 19. O escândio é comumente usado em liga com o alumínio, para reforçá-lo, em estruturas de alta performance, como peças de avião e quadros de bicicleta. Na produção de materiais eletrônicos, “dopagem” significa a introdução de pequenas quantidades de uma impureza num substrato, para alterar suas propriedades elétricas.
O nitreto de alumínio já é amplamente usado em filtros de frequência de telefones celulares. Em sua tese, Milena opina que o material, em estado puro, já está atingindo seu limite de performance para esse tipo de dispositivo. “Certamente, o desempenho desses dispositivos pode melhorar com mudanças de design”, escreve ela. “No entanto, em termos de material, os filmes de AlN não podem ser aperfeiçoados substancialmente”.
Nesse contexto, prossegue ela, “com a dopagem do filme de AlN com metaloides ou metais de transição, esse cenário pode ser mudado. Por conta disso, a melhoria das propriedades piezoelétricas dos filmes de AlN por meio da dopagem tem recebido muita atenção nos últimos anos (...) Acredito que um novo leque de possibilidades se abre pela dopagem dos filmes de AlN”.
“Existem estudos teóricos que indicam um aumento do coeficiente piezoelétrico do nitreto de alumínio, ao dopar este material com escândio”, disse a pesquisadora. “O coeficiente piezoelétrico de um material indica a capacidade de converter energia mecânica em elétrica, e vice-versa. Um maior coeficiente piezoelétrico significa uma melhor capacidade do material na conversão de energias”.
Em sua tese, que contém seis artigos científicos, Milena analisa dois processos de deposição de filmes finos de AlN dopado com escândio sobre uma superfície de silício. “São processos de deposição diferentes, para obter filmes com características distintas. No artigo I, descrevo um processo para deposição de filmes com colunas perpendiculares à superfície. No artigo V, descrevo um processo para deposição de filmes inclinados, quando as colunas não são mais perpendiculares à superfície”.
Os filmes formados de colunas perpendiculares à base foram produzidos por um método de baixa pressão e alta temperatura. “Além disso, o substrato utilizado permitia uma boa ‘combinação’ na estrutura dos materiais, o que também favorece o crescimento de filmes orientados”, disse ela. “No caso dos filmes inclinados, utilizamos alta pressão, deposições à temperatura ambiente e substratos com diferente estrutura dos filmes de AlN”.
Aplicações
O uso da camada piezoelétrica perpendicular ao substrato é mais recomendado em aplicações em meio não viscoso, como o ar. Mas, em meio viscoso, a camada inclinada é mais recomendável, por conta das características de propagação das ondas nos diferentes meios.
Ela explica que o uso em meio líquido ou viscoso pode ser interessante em exames de sangue para a detecção de drogas e outros contaminantes. “Basicamente, a camada de material piezoelétrico é ‘sensibilizada’ com um material que possa ‘agarrar’ a substância que se deseja analisar”, explicou. “Não sei se os equipamentos comerciais existentes já estão a utilizar dispositivos assim no processo de detecção, mas sei que existe muita pesquisa a respeito”.
Milena disse que não pretende buscar uma patente para os processos ou para o material desenvolvido em seu doutorado. “Tentamos desenvolver um novo material durante meu doutorado, ainda melhor que o nitreto de alumínio escândio, mas eu precisaria de mais tempo para pesquisa. O plano inicial era submeter uma patente para este novo material, mas infelizmente não tive tempo”.
Ela declarou, no entanto, que a indústria de alta frequência tem grande interesse em processos de melhoria dos materiais usados em seus produtos. “Em todos os congressos que estive apresentando trabalhos com nitreto de alumínio e nitreto de alumínio escândio, empresas estiveram presente nas apresentações orais e nos pôsteres. Sempre fazendo muitas perguntas, sempre interessadas nos detalhes dos processos”.
Publicação
Tese: “Synthesis of Thin Piezoelectric AlN Films in View of Sensors and Telecom Applications”
Autora: Milena de Albuquerque Moreira
Orientador: Ioshiaki Doi
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)