Edição nº 620

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de março de 2015 a 29 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 620

Pesquisa explora potencial
pedagógico de jogos digitais

Alunos criam seus próprios games, desenvolvendo habilidades

Bruno Henrique de Paula, autor do estudo: “A pesquisa concentrou-se principalmente em mostrar como os jogos digitais podem auxiliar na construção de uma nova visão da educação”Nos últimos anos tem sido grande o interesse pelo uso dos jogos digitais na educação. Entretanto, essa incorporação, não trivial, tem mostrado que é preciso conhecer as especificidades destes artefatos para explorar ao máximo seus potenciais educacionais.

A integração entre jogos e educação, tradicionalmente realizada com o emprego de jogos educativos – produzidos especialmente para uso pedagógico, ou comerciais – desenvolvidos para o entretenimento, começa a ser feita através de uma nova abordagem, cuja proposta é a de que os educandos criem seus próprios jogos de forma a construir conhecimentos e desenvolver habilidades importantes para o enfrentamento do complexo mundo contemporâneo.

Esta vertente constituiu o escopo do trabalho de mestrado realizado por Bruno Henrique de Paula, apresentado ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp e orientado pelo professor José Armando Valente. O projeto desenvolvido pretende apresentar uma reflexão sobre as características específicas dos jogos digitais, os caminhos que permitem a integração entre eles e a educação, bem como suas possibilidades e dificuldades, dedicando especial atenção aos seus usos pedagógicos.

O estudo pode constituir referencial teórico capaz de auxiliar educadores no emprego desses recursos. O autor esclarece: “A pesquisa concentrou-se principalmente em mostrar como os jogos digitais podem auxiliar na construção de uma nova visão da educação, que credencie os alunos a participarem de uma sociedade complexa, cujo dimensionamento exige o conhecimento e a junção de múltiplos fatores intervenientes. Trabalhei especificamente com a abordagem em que os alunos criam nas escolas seus próprios videogames, com a ajuda dos professores e, nesse processo, participam da construção do conhecimento”.

A parte empírica da pesquisa foi realizada junto ao London Knowledge Lab, laboratório interdisciplinar vinculado ao Institute of Education, Inglaterra, sob a supervisão do professor Andrew Burn. Nesse período, além de analisar o cenário inglês, o pesquisador pôde também acompanhar o trabalho realizado em duas escolas primárias da cidade de Londres.

O estudo mostrou que a estratégia proposta é viável e possui um grande potencial pedagógico e, por se constituir uma atividade aberta, acomoda diversas formas de ensinar e de aprender, além de propiciar o desenvolvimento de diferentes conhecimentos, sejam técnicos, como princípios de programação, sejam culturais, como reflexões referentes ao entendimento da cultura contemporânea, além de aumentar a capacidade de autoexpressão dos educandos. E, ainda, como herdeiros dos mundos da tecnologia e da cultura, os jogos podem promover uma aproximação entre diferentes disciplinas, de diferentes áreas, fundamental hoje para entender como os conhecimentos desenvolvidos nas escolas são importantes fora dela.

 

O alcance

O pesquisador, que cursou Informática no Colégio Técnico de Campinas, Cotuca, da Unicamp, e graduou-se em midialogia na mesma Universidade, acredita que o trabalho mostra como os videogames e a educação podem ser integrados e como a criação de jogos pelos próprios estudantes nas escolas constitui uma estratégia viável e poderosa.

Ele espera também que o estudo possa mostrar como este campo é fértil para geração de futuras pesquisas, particularmente no Brasil, onde a utilização proposta é ainda pouco desenvolvida. Esta constatação levou-o à Inglaterra, que se encontra em estágio bem mais avançado nesse campo, onde teve condições de desenvolver o tema da programação dos jogos pelos próprios alunos.

Mesmo porque lá, desde 2014, o aprendizado da ciência de computação foi introduzido como disciplina curricular obrigatória durante todo o ensino básico inglês. A medida decorreu da constatação de que havia no país um déficit muito grande para a área de tecnologia da informação e inovação.  A iniciativa pretende que os jovens cresçam inseridos nesse meio, eliminando o receio de que possam ser acometidos se esse aprendizado vier um pouco mais tarde.

Determinou-o ainda a preocupação com o desenvolvimento do raciocínio lógico, chamado de pensamento computacional, considerado importante na complexa sociedade atual. Para tanto, o aluno das escolas inglesas será levado a aprender a lidar, através de linguagens adequadas a cada idade, com os computadores de diferentes maneiras, desde a compreensão de seu funcionamento até a sua programação.

Por outro lado, o pensamento computacional pode ser benéfico mesmo quando não se está usando o computador e, por isso, o seu ensino vem sendo feito através da chamada ciência da computação desplugada. Ou seja, trabalha-se com o ensino de ciência da computação de forma mais lúdica, sem depender do computador, montando, por exemplo, uma brincadeira para mostrar como organizar instruções para que o computador seja capaz de entendê-las.

Mais que isso, esse tipo de raciocínio é visto como uma possibilidade para levar o aluno a compreender que o mundo contemporâneo é constituído de diversos componentes autônomos que quando agem em conjunto compõem um sistema. A ideia central é a de entender o mundo como um sistema.

Um bom exemplo disso é a crise da água no Estado de São Paulo, que não pode ser compreendida como fruto de apenas um fator, como a falta de chuvas, mas também deve ser analisada a partir de decisões políticas e econômicas, como a definição do montante investido na substituição de estruturas danificadas, construção ou ampliação de reservatórios, entre outras.

O pesquisador considera que “o pensamento computacional ajuda a entender as questões sistêmicas e que a compreensão do mundo envolve uma série de fatores conjunturais, e não apenas elementos isolados. E a computação tem papel significativo nisso”. Ele destaca que esse conhecimento pode ser útil em múltiplas áreas da atividade humana como nas ciências exatas, nas áreas técnicas e nas ciências econômicas e sociais, permitindo associações lógicas nesses e entre esses diferentes campos.

Entretanto, o pesquisador faz questão de frisar que os jogos digitais não constituem uma solução mágica para a educação. Considera fundamental no seu emprego o papel do professor, do orientador, do educador, pois eles não o substituem. O trabalho deixa claro que para aprender não basta jogar. “O jogo pode fazer com que o aluno fique mais interessado por uma disciplina ou tema em estudo, pode até mesmo fazer com que ele compreenda melhor certos conceitos, mas é fundamental que ele faça a transposição do que viu no jogo para a realidade”.

Ele em si não expressa a realidade e nem tem compromisso com ela, a exemplo de um filme ou de uma obra literária, e por isso o seu uso na educação demanda um agente que ajude o aprendiz a se conectar entre o que viu no jogo com a vida real.

Sobre a vantagem de o aluno construir o seu próprio jogo ele se apoia no Construcionismo, teoria proposta pelo pesquisador americano Seymour Papert, que considera o aprendizado mais eficiente quando o aluno produz um artefato do seu interesse. E os jovens têm particular interesse nos jogos.

Os jogos digitais possibilitam ainda que diferentes disciplinas possam ser trabalhadas no mesmo projeto. A sua construção constitui uma tarefa essencialmente interdisciplinar, pois utiliza a programação, que faz parte da ciência da computação; a escrita na elaboração do roteiro e da narrativa, em que o aluno necessita da redação; a elaboração de gráficos, cenários, o emprego de sons e música, ligados às artes; além do tema que pode envolver qualquer disciplina do currículo.

A propósito, o autor lembra: “Uma das razões que me levaram a trabalhar com o grupo de pesquisa do professor Burn, no Institute of Education da Universidade de Londres, hoje vinculado à University College London, foi a de que ele é um dos poucos que trabalha com a questão da literatura na criação de jogos digitais. Eles são mais comumente utilizados nas áreas de ciências, para ensinar matemática, física, química, biologia”.

Em 2008, Bruno fez iniciação científica na área de jogos digitais e no ano seguinte ingressou em estúdio de jogos de entretenimento, onde permaneceu até 2012. Sempre se interessou pela utilização de jogos na educação, embora considerasse, em decorrência de suas vivências, que os jogos produzidos especificamente para a educação em geral pouco divertiam ou ensinavam. Essas experiências o levaram a procurar entender porque esses jogos, ditos educativos, em geral se transformam em uma atividade que nem entretém, nem educa.

Ele descobriu então que o envolvimento com a criação introduz o estudante em experiência mais prazerosa e proveitosa do que a vivenciada passivamente. Mas destaca enfaticamente: “Outro motivo que me levou ao estudo é o de ver os jogos como forma de expressão, uma forma de dizer algo para o mundo. Acredito que quanto mais pessoas puderem se expressar através dessa forma melhor e mais plural passa a ser a visão do mundo. Além do que, eles constituem uma mídia universal, em que estão envolvidos crianças, jovens e adultos”.

 

O estudo

No início da dissertação o autor apresenta um levantamento teórico e procura conceituar o que são jogos digitais, delineia seus elementos constituintes e as relações entre eles e os jogadores. Depois estabelece a relação entre jogos e educação, seu papel na sociedade, na aprendizagem, na relação com o estabelecimento de diferentes letramentos e analisa o seu uso pelos educandos.

No decorrer da pesquisa, envolvendo jogos realizados pelos próprios alunos, ele constatou que no Brasil são poucos e recentes os grupos que trabalham nessa direção, o que tornaria o trabalho aqui mais difícil por falta de massa crítica e condições institucionais. Decidiu-se então pela Inglaterra onde essas experiências estão mais consolidadas e a universidade está mais próxima da escola. Esta expectativa consolidou-se quando, ao ir às escolas para acompanhar aulas, se deu conta de que os professores estavam habituados a receber pesquisadores.

Bruno considera que para a concretização do seu trabalho foi fundamental o apoio da Fapesp, através do programa Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), uma iniciativa que visa atender bolsistas dessa instituição em todos os níveis, desde a iniciação científica até o pós-doutorado. Destaca ainda o suporte dado por seu orientador, professor Valente, que viabilizou sua aceitação pela instituição inglesa e as ações dos professores Andrew Burn, Richard Noss e Diane Carr, que o receberam como pesquisador visitante.

Concluindo, ele destaca que o trabalho tenta apontar para a necessidade de considerar a questão do pensamento computacional face à sua repercussão na ciência e na tecnologia, cruciais para que o Brasil possa vir a ter destaque internacional na área.

Paralelamente, enfatiza sobremaneira a questão dos jogos como uma forma expressiva, “pois acho que os nossos jovens devem ser capazes de entender os jogos como uma forma de expressão, que representa a realidade de forma subjetiva e, portanto, devem ser ajudados a construir a ponte que leva a ela”.

Neste contexto, o jogo se constitui como uma forma de comunicação com o mundo, passando mensagens, ideias e valores, e que como tal deve ser tratada.

 

Publicação

Dissertação: “Jogos digitais como artefatos pedagógicos: o desenvolvimento de jogos digitais como estratégia educacional”

Autor: Bruno Henrique de Paula

Orientador: José Armando Valente

Unidade: Instituto de Artes (IA)

Financiamento: Fapesp