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Baixar versão em PDF Campinas, 23 de março de 2015 a 29 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 620A sustentabilidade como parte do negócio
Dissertação mostra como investimento na questão ambiental pode se transformar em estratégia empresarialAs empresas deveriam passar a ver a questão da sustentabilidade como parte de seu negócio, perseguindo-a como fonte de inovação e receita, e não como um transtorno imposto pelo poder público ou um conjunto de ações filantrópicas descoladas dos objetivos principais da firma. É o que defende a pesquisadora Glauce Almeida Figueira em sua dissertação de mestrado “A sustentabilidade na estratégia empresarial: estudo de caso do Grupo Siemens AG”, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Como diz o título, o trabalho teve como foco principal a atuação da multinacional alemã Siemens.
A opção pela companhia, explica a pesquisadora, deu-se por uma série de fatores: “É uma empresa que trabalha com infraestrutura, e a ideia era estudar uma companhia que tivesse um impacto muito grande na cadeia produtiva, e a Siemens tem um grande impacto tanto nos fornecedores quanto nas empresas para quem ela fornece”, disse Glauce. “E ela realmente teve uma mudança de abordagem a partir de 2008, 2009, com o foco da estratégia dela ligada à sustentabilidade”.
Além disso, prossegue a pesquisadora, “ela é uma empresa que trabalha com energia, então lida bastante com as energias renováveis. Meu orientador, o professor Bastiaan Philip Reydon, achou interessante trabalhar com uma empresa mundial, onde uma mudança de estratégia gera um impacto muito grande. Não tratei da atuação dela apenas no Brasil, mas da estratégia mundial”.
A dissertação relata como, a partir de 2008, a Siemens organizou um portfólio ambiental, definido por um executivo como “uma vitrine para produtos da empresa mais eficientes em termos energéticos e de recursos do que a média do mercado — produtos com os quais é possível fazer uma diferença real”.
Desenvolvimento e meio ambiente
A dissertação discute os diferentes modos que a teoria econômica encontrou para tratar da relação entre desenvolvimento e meio ambiente, e dá especial destaque, tanto para as ideias de Nicholas Georgescu-Roegen e Herman Daly, mais céticos em relação à capacidade da tecnologia de reparar os danos ao meio ambiente e às virtudes do crescimento ilimitado da produção, como às de Robert M. Solow, para quem a inovação tecnológica sempre seria capaz de resolver crises de escassez de recursos naturais.
“Nos dias de hoje, obviamente ainda não se questiona dentro de uma companhia se ela deve ou não crescer. O crescimento da empresa, sua inserção no processo de globalização, as diversas formas de acumulação de capital ou o desenvolvimento de vantagens competitivas ainda são as correntes de pensamentos principais da estratégia empresarial”, diz o texto.
Mas a autora destaca que “mesmo não questionando o crescimento econômico ilimitado, as ideias de Solow (...) podem ser consideradas positivas e importantes, em relação à visão de que a inovação deve ser utilizada com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável”.
Por fim, a autora adota um conceito de sustentabilidade baseado num tripé formado pelos aspectos econômico, social e ambiental. “É a ideia de que se deve ser socialmente justo nas suas atividades, economicamente viável e ambientalmente amigável”, explicou ela. “Então, a partir desse conceito, que é chamado de ‘triple bottom line’, sempre pensando no tripé do social, econômico e ambiental, é que eu faço a análise da empresa”.
Desempenho
Glauce conclui que a Siemens está indo bem nas dimensões econômica e ambiental, mas fica devendo na social.
“O que quer dizer uma dimensão econômica do desenvolvimento sustentável? Que as atividades têm que ter um caráter econômico, tem que ser viáveis economicamente”, disse ela. “Há empresas que fazem a parte ambiental, mas fazem mais como uma questão de imagem. O ambiental não faz parte do negócio, não é realmente uma forma de lucratividade, ela faz isso para ter uma imagem boa junto aos clientes”.
Na Siemens, porém, “estão pegando os desafios, e o enfrentamento dos desafios advindos da sustentabilidade, e transformando em negócio. A receita do portfólio ambiental vem aumentando ano a ano”, relata a pesquisadora. “Em 2013, já representava 43% da receita total de grupo. É algo encarado como negócio, e não uma coisa dissociada da estratégia da empresa”.
De acordo com ela, essa é uma abordagem mais eficaz para o meio ambiente, do que a adotada por empresas que apenas mantêm fundações ou ações esporádicas na área de sustentabilidade. “Isso tem seu mérito? Tem, claro. Só que, na primeira crise que a empresa passa, a sustentabilidade é a primeira área que é cortada, porque é uma coisa feita quase que superficial, não é um negócio que está dando dinheiro”.
Já a dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável exige a análise de todo o processo produtivo, para avaliar o impacto no meio ambiente. “Não adianta, por exemplo, você falar que está reciclando, mas o material usado ser tóxico, ou extraído de uma maneira errada”, exemplificou Glauce. “É preciso fazer a revisão desse processo todo, e a ideia do ambiental da empresa é se antecipar à regulamentação: quer dizer, fazer por si mesma, sem esperar uma lei que obrigue. Com isso, até os custos da empresa são reduzidos, e quando entra a regulamentação, a companhia às vezes até vende consultoria para outras”.
Essa antecipação do processo regulatório é algo que Siemens consegue fazer, afirma a dissertação. “Aí eu digo que ela faz o que se chama estratégia de liderança acima da conformidade, quer dizer, ela antecipa certificações para competir melhor. Porque, para os clientes, ela está se diferenciando. Na dimensão ambiental, ela também trabalha com as marcas ecológicas e na estratégia corporativa: as fusões e aquisições da Siemens também têm esse direcionamento para a questão ambiental”.
Questão social
Quanto à motivação da empresa em perseguir essa agenda, Glauce diz que algumas companhias começam a deixar de ver a questão da sustentabilidade como uma ameaça – algo que só vem a onerar o negócio, através de multas ou punições do poder público – e passam a ver isso como oportunidade de negócio. “Se essa é uma questão importante e a gente não tem como fugir disso, então como isso pode virar uma forma de se diferenciar? Como isso pode, na verdade, ser uma coisa positiva, ser uma oportunidade de criação de novos mercados, e aí a gente entra como pioneiros nesses novos mercados? A ideia é que a Siemens é uma empresa que está enxergando isso”.
Mas a Siemens falha em ser uma empresa realmente sustentável por conta de problemas na face social, afirma a pesquisadora. “Essa dimensão requer que as práticas da empresa sejam socialmente justas – não adianta nada você reduzir o impacto ambiental e usar trabalho escravo”, exemplifica. “Você tem que ter o desenvolvimento social e melhorar o bem estar do ser humano”.
“Existe esforço social na Siemens, mas ele não é associado ao negócio”, disse Glauce. “Eles têm uma fundação, fazem projetos educacionais, mas é tudo à parte, dissociado, não há realmente iniciativas ligadas a melhoramento social na Siemens. E o grande problema da Siemens é a questão da corrupção”.
A pesquisadora lembra que, no Brasil, a empresa apareceu envolvida no “trensalão”, o escândalo de formação de cartel na venda de trens para o Estado de São Paulo. “Mas a questão não se limita ao Brasil”, disse ela. “Trata-se de uma empresa de 167 anos, que sempre negociou muito com o poder público, em todas as partes do mundo. Ela estruturou um departamento gigantesco para lidar com esse problema, para ter um canal de denúncias dentro da empresa. Muitas coisas que aconteceram em vários países, inclusive no Brasil, nasceram de autodenúncias”, destaca Glauce. “Mas ela ainda tem esse problema, e é um problema que eu coloco: a questão pressupõe uma mudança na cultura corporativa da empresa. E é uma questão séria, porque a corrupção tem um impacto social muito grande, de desvio de verba que prejudica a sociedade”.
Capitalismo
“Tem muita gente na área de sustentabilidade que critica o capitalismo”, reconhece a pesquisadora. “Isso é muito simples de ser feito: dizer, ‘esse é um modelo econômico que não serve, porque é baseado em crescimento infinito num planeta finito’. Pronto, fechou o pensamento, acabou, vamos implodir o capitalismo e aí a gente consegue resolver o problema do planeta”. Mas essa facilidade teórica, disse ela, esbarra em graves questões práticas. “Na prática, não é tão simples”.
“A ideia aqui é ver se, dentro do próprio capitalismo, poderia haver uma evolução para o menor impacto. O ser humano sempre causou impacto no mundo, então como ele vai conseguir conciliar a diminuição disso”, declarou. “Você sempre vai produzir e vai consumir, mas vai conseguir produzir com energia renovável? Vai fazer a partir da energia solar? Qual o impacto disso comparado ao impacto de usar combustíveis fósseis?”
A ideia da tese, portanto não é “implodir o capitalismo”, mas buscar, dentro dele, tendências positivas. “As empresas, e eu mostro em vários momentos, não estão sendo altruístas ao buscar a sustentabilidade. Mesmo a Siemens tem vários momentos em que vai e volta, porque há outras necessidades, tem os acionistas, ela está no mercado. Mas, de qualquer maneira, você vê que existem empresas apostando em tendências ligadas ao desenvolvimento sustentável e à sustentabilidade, e não é uma coisa realmente movida por multa, por exigências, é uma coisa que está saindo do próprio raciocínio de competição da empresa, uma competição por inovação”.
Publicação
Dissertação: “A sustentabilidade na estratégia empresarial: estudo de caso do Grupo Siemens AG”
Autora: Glauce Almeida Figueira
Orientador: Bastiaan Philip Reydon
Unidade: Instituto de Economia (IE)