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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 18 de maio de 2015 a 24 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 625Uma nova aplicação para o nióbio
Pesquisa constata que óxido do metal potencializa as características do biovidro usado no tratamento de lesões ósseasO Brasil possui 98% das reservas mundiais de nióbio, metal usado principalmente na composição de ligas metálicas com altas propriedades mecânicas destinadas à produção de automóveis, oleodutos e turbinas de avião, entre outros. Por outro lado, o nióbio na forma de óxido é um semicondutor com inúmeras aplicações em dispositivos óticos e em catálise heterogênea, como fase ativa. Todas estas destinações são nobres, mas poderiam ser ainda mais refinadas. É o que comprovou pesquisa inédita desenvolvida para a tese de doutorado do químico João Henrique Lopes, defendida no Instituto de Química (IQ) da Unicamp, sob a orientação do professor Celso Aparecido Bertran. Ao adicionar pequenas quantidades de óxido de nióbio (Nb2O5) a um biovidro comercial, usado no tratamento de lesões ósseas, o pesquisador obteve um material com características superiores às do produto original, considerado “padrão-ouro” na área. “Os ensaios in vivo e in vitro demonstraram que a presença do óxido de nióbio potencializou as propriedades osteoestimuladora do biovidro. Assim, além de biocompatível, ele passou a ser também bioativo, favorecendo a regeneração do tecido ósseo”, revela o autor do trabalho.
De acordo com João Henrique, embora seja fartamente conhecido pela ciência e pela indústria metalúrgica, o nióbio tem sido pouco investigado em relação às suas características como biomaterial. A ideia de acrescentar o Nb2O5 ao biovidro, segundo ele, nasceu da constatação de que o nióbio possui semelhanças químicas com um dos componentes do produto comercial, o fósforo. “Havia, portanto, uma pista química de que seria possível fazer uma composição”, relata. O professor Bertran explica, porém, que o desafio não estava simplesmente em promover uma “mistura” de materiais.
Antes, era preciso planejar o processo, para obter um novo material dentro das propriedades desejadas. “Esse é um diferencial importante do nosso laboratório. Nós estudamos detidamente questões como a mudança de composição e de estrutura dos biomateriais antes de iniciarmos os testes propriamente ditos. Para isso, nós precisamos da contribuição de outras áreas do conhecimento além da química, como a biologia, a genética e a medicina. No projeto desenvolvido pelo João Henrique, por exemplo, contamos com a colaboração do professor José Angelo Camilli, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, e da professora Eliana Duek, da PUC de Sorocaba”, relata.
O planejamento, conforme o docente, foi feito em etapas. Primeiro, os pesquisadores estudaram que elementos do biovidro, cujo nome comercial é 45S5, poderiam ser substituídos pelo óxido de nióbio. Depois, analisaram qual a melhor quantidade do Nb2O5 a ser adicionada à composição – entre 1% e 5%, no caso. Em seguida, observaram quais os efeitos causados na estrutura e propriedades físico-químicas do biovidro. O passo seguinte foi analisar, in vitro, qual o grau de toxicidade e a viabilidade celular do novo biomaterial. O objetivo, nessa fase, foi identificar se o óxido de nióbio estimularia ou comprometeria o crescimento celular. Por último, os cientistas fizeram ensaios in vivo, enxertando o biovidro “enriquecido” com Nb2O5 no fêmur lesionado de ratos.
O que a equipe constatou foi que a presença do óxido de nióbio não apenas não trouxe prejuízo à biocompatitividade do 45S5, como conferiu ao produto uma propriedade adicional, a bioatividade. “Nas imagens que fizemos foi possível notar claramente uma maior indução da formação óssea na região subperiostal do implante. Em outras palavras, a presença do nióbio alterou as características do biovidro, conferindo a ele uma maior capacidade de estabelecer uma relação direta com tecido, estimulando a sua regeneração”, reforça João Henrique.
Essa abordagem, de acordo com o professor Bertran, ainda não havia sido descrita pela literatura. Graças à originalidade do estudo, os pesquisadores obtiveram o registro do pedido da patente do novo biomaterial que, esperam, possa ser utilizado futuramente pela medicina em terapias que envolvam a recuperação de tecidos ósseos lesionados por enfermidades ou acidentes. “Antes disso, entretanto, ainda precisaremos fazer novas pesquisas. Um dos nossos desafios é entender como esse novo biomaterial age no nível genético. Nós sabemos que o óxido de nióbio estimula a regeneração do tecido, mas ainda não temos ideia de como esse processo ocorre”, esclarece o docente.
Ao ampliarem o conhecimento sobre o mecanismo de ação do Nb2O5 em associação com o biovidro, os pesquisadores têm a expectativa de promover intervenções que possam potencializar as suas propriedades positivas ou corrigir os eventuais efeitos deletérios. “Depois disso, será preciso fazer novos ensaios in vivo, para somente então partirmos para os testes clínicos, sempre de acordo com os protocolos estabelecidos pela bioética. Temos ainda um longo caminho a percorrer, mas estamos otimistas quanto à possibilidade do novo biomaterial vir a ser transformado em um produto comercial no futuro, de modo a agregar valor ao nióbio, uma matéria-prima quase que exclusivamente brasileira, e trazer benefícios para a sociedade”, infere o professor Bertran.
Em relação à aplicação do biovidro com óxido de nióbio por parte da medicina ou da odontologia, João Henrique destaca que o biomaterial é bastante versátil. Ele pode ser utilizado, por hipótese, na forma de grânulos para preencher falhas ósseas. Dependendo da dimensão desses grânulos, diz o autor da tese, ocorre a reabsorção completa do material por parte do organismo. Dito de forma simplificada, ele simplesmente desaparece depois de alguns meses. “O material também permite a fixação de implantes. Quando não é totalmente reabsorvido, ele ajuda a suportar a prótese”, diz.
No caso do uso do material por parte da medicina regenerativa, os ganhos poderão ser significativos, acrescenta o autor da tese. “Quando ocorre perda óssea, provocada por um acidente ou enfermidade, é sempre complicado fazer a substituição do tecido lesionado. Muitas vezes, o procedimento requer a retirada de osso do próprio corpo da pessoa ou da doação de tecido por terceiros. Uma possibilidade que antevemos é o emprego do biomaterial pela área de engenharia de tecidos. Nesse caso, a ideia é construir estruturas porosas, que chamamos de andaimes, que seriam colonizadas pelas células ósseas do próprio paciente. Posteriormente, os andaimes seriam implantados na região onde ocorreu a perda óssea, induzindo a formação de um novo tecido no local. Isso reduziria muito o tempo de recuperação do paciente, diminuindo consequentemente o impacto sobre os custos do sistema de saúde pública”, detalha o autor da tese.
OUTRAS ABORDAGENS
A equipe coordenada pelo professor Bertran não é grande [são quatro alunos de mestrado, dois de doutorado, um pós-doc e uma pesquisadora sênior], mas é dada a encarar importantes desafios. Um estudo que está sendo iniciado pelos pesquisadores tem o objetivo de utilizar biovidros para promover a liberação controlada de fármacos no local da lesão óssea. Além disso, o laboratório tem um projeto de pesquisa em colaboração com a Petrobras que mantém, por mais incrível que pareça, relação com o processo de mineralização dos tecidos ósseos. “Soa estranho, mas é verdade. Nossas investigações em torno dos biomateriais podem ajudar a Petrobras a extrair petróleo”, assegura o docente.
Ele explica melhor esse tipo de relação. De acordo com o professor Bertran, os ossos têm células denominadas osteoblastos, que são responsáveis pela síntese dos componentes orgânicos da matriz óssea. Os osteoblastos secretam uma proteína que sofre um processo de mineralização, formando a estrutura mineralizada dos ossos, que por sua vez dá sustentação ao osso. Algo parecido acontece no interior dos dutos utilizados para a extração do petróleo. Alguns minerais presentes na água salgada depositada junto com o óleo vão encrustando nas paredes da tubulação, entupindo-a.
Nesse caso, o mecanismo de nucleação e crescimento dos minerais segue as mesmas leis do tecido ósseo. “Como nós entendemos desse assunto, a Petrobras nos procurou para que oferecêssemos uma solução para o problema. Estamos trabalhando no desenvolvimento de um método que possa impedir esse crescimento. A ideia é investigarmos inibidores de nucleação e crescimento de minerais que possam ser aplicados nos dutos e que atendam a três requisitos: impeçam o crescimento dos cristais, não interfiram na qualidade do petróleo e possam ser usados em pequenas quantidades, para não impactar o custo de produção”, adianta o professor Bertran.
Publicação
Tese: “Biovidros derivados do 45S5: os efeitos do Nb2O5 ou modificação de superfície com Ca2+ sobre a estrutura e bioatividade”
Autor: João Henrique Lopes
Orientador: Celso Aparecido Bertran
Unidade: Instituto de Química (IQ)