Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 15 de junho de 2015 a 21 de junho de 2015 – ANO 2015 – Nº 628Fósforo e nitrogênio causam desequilíbrio em mata urbana
Altas concentrações na Santa Genebra, em Campinas, se assemelham a índices de regiões industriais da ChinaUma pesquisa da Unicamp conduzida pela bióloga Ângela Cruz Guirao constatou altas concentrações de fósforo (P) e nitrogênio (N) na Mata de Santa Genebra, situada na região oeste de Campinas, no distrito de Barão Geraldo. Conforme o estudo, as taxas encontradas na unidade de conservação de uso sustentável do município se assemelham a índices de regiões industriais da China, país que apresenta os mais altos valores do mundo, devido à poluição atmosférica provocada pela industrialização.
Elevadas taxas destes nutrientes geram diversos impactos no ecossistema da Mata, considerada como o maior fragmento florestal de Campinas, com 251 hectares de área, relaciona Ângela Guirao. A pesquisadora da Unicamp alerta para o risco de um desequilíbrio ambiental, com o aumento de espécies vegetais exóticas invasoras e até mesmo o desaparecimento da floresta original.
“O aparecimento de espécies exóticas na Mata de Santa Genebra é sintomático deste desequilíbrio. Espécies como leucena, mamona, bambu e gramíneas já estão presentes ali, ocupando o espaço de espécies nativas. Pode ocorrer uma substituição acentuada da fisionomia vegetal existente na Mata, e isso é muito preocupante”, adverte Ângela Guirao.
A bióloga aponta para a forte ação do homem no entorno da Mata, o que pode, de acordo com ela, explicar as elevadas taxas dos nutrientes N e P. Além de estar rodeada por uma ocupação urbana, a Mata de Santa Genebra apresenta, nos seus arredores, o cultivo industrial de cana-de-açúcar pela Usina Açucareira Ester; a poluição dos veículos das rodovias Dom Pedro I e Professor Zeferino Vaz; e da Refinaria de Paulínia (Replan).
“Se pretendemos ter uma floresta conservada e com a vegetação natural preservada é fundamental considerar não somente o manejo interno, mas o do seu entorno. É algo que precisa ser levado em conta no plano de manejo da mata, na zona de amortecimento, nas restrições e uso daquele entorno. Isso deve ser pensado, inclusive, para a conservação de outros fragmentos do município”, recomenda a bióloga, que é graduada pela PUC-Campinas, com mestrado em geografia pela Unicamp. Ângela Guirao atua como bióloga da Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura de Campinas.
A pesquisa de campo na Mata foi realizada no período de 2013 a 2014. Além da presença do P e N, foram avaliadas as quantidades de outros nutrientes na floresta, como cálcio, magnésio e enxofre. “Estes nutrientes são substâncias importantes para vários ciclos da natureza, sejam os ciclos ligados a animais, sejam ligados a vegetais. A circulação de tais nutrientes, que chegam pela água ou atmosfera, é influenciada pelo ambiente geográfico. São substâncias químicas que se relacionam com o biológico e geográfico”, explica Ângela Guirao.
A sua pesquisa integrou tese de doutorado defendida recentemente junto ao Instituto de Geociências (IG) na área de concentração de análise ambiental e dinâmica territorial. A tese foi orientada pelo professor José Teixeira Filho, que atua tanto no Programa de Pós-Graduação do IG, quanto na Faculdade de Engenheira Agrícola (Feagri) como docente e diretor da Unidade.
GEOPROCESSAMENTO
Ângela Guirao informa que o estudo analisou, por meio de uma nova metodologia, o ciclo da água (processo hidrológico) e o ciclo biogeoquímico (biológico, geográfico e químico) no fragmento florestal. Para analisar estes ciclos na unidade de conservação ela dividiu a Mata de Santa Genebra em duas bacias hidrográficas: uma pertencente ao Rio das Pedras, que contribui para o Ribeirão Anhumas, afluente do Rio Atibaia; e outra, ao Ribeirão Quilombo, que deságua no Rio Piracicaba.
Conforme o orientador da pesquisa, a relevância do método consistiu no uso de ferramentas de geoprocessamento para compreender os ciclos hidrológicos e biogeoquímicos. Tais ferramentas, explica José Teixeira Filho, permitem a mudança da escala dos pontos de monitoramento hidrológico e biogeoquímico para as bacias hidrográficas. Com os dados coletados e simulações baseadas no Índice de Área Foliar foi possível, por exemplo, a partir de uma imagem de satélite, expandir as informações daquele determinado campo para toda a bacia.
“A Ângela usou uma imagem de satélite e, para cada pixel daquela imagem, conseguiu identificar o valor da área foliar. O experimento montado teve o objetivo de caracterizar alguns detalhes particulares da vegetação da mata e depois possibilitar, a partir de ferramentas de geoprocessamento, que se mude a escala espacial. No final, ela desenvolveu cartas que tem a condição de apontar como isso ocorre ao longo da mata, mesmo a floresta tendo uma heterogeneidade importante”, relata.
Para o docente, a modelagem hidrológica, em função do Índice de Área Foliar, mostrou-se uma ferramenta adequada para a mudança de escala dos dados obtidos para as bacias hidrográficas. Tal técnica permitiu uma análise e entendimento dos processos biogeoquímico e hidrológico na escala temporal e espacial, podendo, inclusive, ser aplicada em outras bacias para a compreensão do funcionamento das florestas.
“Em muitas metodologias são apontados apenas valores gerais, médios. A pesquisa em questão se destaca porque o seu método não mede apenas valores médios. Temos condição de saber, em cada posição da bacia, como está o balanço hídrico e biogeoquímico. A Ângela produziu uma cartografia do balanço hídrico e cartografia do balanço geoquímico. Este método poderia, inclusive, ser empregado em outros trabalhos, tanto na parte do manejo florestal, como na parte agrícola, principalmente, na chamada área da agricultura de precisão”, acrescenta o orientador.
A metodologia, de natureza quantitativa e qualitativa, também consistiu na caracterização da vegetação da mata por meio de levantamento bibliográfico, avaliação do acúmulo e da taxa de decomposição da serrapilheira – camada formada pela deposição e acúmulo de matéria orgânica no solo.
Além disso, houve o monitoramento hidrológico, como a chuva incidente, a chuva interna da cobertura vegetal, a interceptação de chuva da cobertura vegetal, a chuva da serrapilheira e a interceptação de chuva da serrapilheira, bem como o escoamento superficial. Por fim, o monitoramento biogeoquímico, verificando a transferência de nutrientes via serrapilheira ao solo e fluxo de N e P via chuva incidente, chuva interna da cobertura vegetal e da serrapilheira, e escoamento superficial.
CONCENTRAÇÕES
As concentrações de fósforo e nitrogênio foram medidas em quilo por hectare ao ano (kg.ha-¹ano-¹) na floresta. A maior transferência de nitrogênio na mata ocorreu, durante o experimento, via nutrientes da serrapilheira (entre 192 e 194 kg.ha-1ano-1); seguida pela deposição atmosférica seca da cobertura das árvores (entre 44 e 47) e, por fim, pela transferência via chuva que atravessa a serrapilheira (26,3 e 26,6).
O fósforo teve a maior transferência na floresta pela chuva que atravessa a serrapilheira (entre 12,7 e 14,1); seguido pela deposição atmosférica seca da cobertura vegetal (10,8 e 10,9) e pela transferência via nutrientes da serrapilheira (8,7 e 8,8).
Publicações
GUIRAO, A. C. ; TEIXEIRA FILHO, J. . Preservação de um fragmento de florestal urbano - Estudo de Caso: A ARIE Mata de Santa Genebra, Campinas-SP. GEOUSP: espaço e tempo, v. 29, p. 147-158, 2011.
GUIRAO, A. C. ; TEIXEIRA FILHO, J. . A utilização do SIG na caracterização fisiográfica de duas bacias hidrográficas de floresta urbana, Campinas-SP/ Brasil. In: XIII Conferencia Iberoamericana en Sistemas de Información Geográfica, 2011, Toluca.
GUIRAO, A. C. ; TEIXEIRA FILHO, J. . Alternativas de uso e manejo das terras no entorno de duas bacias hídricas de floresta urbana. In: XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, 2011, Dourados. XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, 2011.
GUIRAO, A. C. ; TEIXEIRA FILHO, J. . Concentração de fósforo total em duas bacias hidrográficas de floresta urbana, Campinas SP. In: XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2011, Maceió. Anais do XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos,, 2011.
GUIRAO, A. C. ; TEIXEIRA FILHO, J. . Interceptação das chuvas em uma floresta urbana: A ARIE Mata de Santa Genebra, Campinas (SP). In: XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2013, Bento Gonçalves- RS. XX SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS - 2013/ ISSN, 2013.
Tese: “Processos hidrológicos e biogeoquímicos em bacias hidrográficas de floresta estacional semidecidual”
Autora: Ângela Cruz Guirao
Orientador: José Teixeira Filho
Unidade: Instituto de Geociências (IG)