Edição nº 640

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 05 de outubro de 2015 a 18 de outubro de 2015 – ANO 2015 – Nº 640



Poética das águas


A artista e professora Ivanir Cozeniosque e algumas de suas obras: lago como inspiraçãoPara alguns moradores, um lago perto de casa não quer dizer nada, além de um espaço verde que pouco será utilizado. Para outros, pode ser aproveitado como área de lazer, para fazer boas caminhadas. Para Ivanir Cozeniosque, um lago perto de casa, na região de Cotia, na Grande São Paulo, é uma fonte inesgotável de ideias. Há cinco anos, a artista visual e professora do Instituto de Artes (IA) da Unicamp mantém um ritual. Sempre que possível, depois do café da manhã, máquina fotográfica em punho, cinco minutos de caminhada, lá está ela no lugar que passou a ser matéria-prima para mais de 15 mil imagens que a artista registrou, manipulou, inventou e que, como um rio, desembocam em exposições individuais e coletivas.

A escultora e gravurista Ivanir, com formação em arquitetura e, por que não, fotógrafa, é dessas pessoas que têm uma fixação. Em outros tempos já tinha se encantado com as formas orgânicas. De montanhas de areias, modelava vazios que preenchia com gesso. Fez infinitas esculturas que nortearam sua tese de doutorado.  Toda essa obstinação virou lago. Passou a ser o que ela chama de “a poética das águas”. Sua produção artística agora se dá em torno desse lago especificamente. “É onde moro. Tem a água, a natureza, aves silvestres, a mata, o céu. Um lugar tão diferente de tudo no nosso cotidiano porque não é uma sala de aula, nem uma avenida, muito menos uma loja; mas um lugar onde os reinos vegetal, animal e mineral coexistem. Ali, me integro”.

O trabalho começou com fotografias das bordas, ou extremidades do lago. “Em vez de captar a materialidade das coisas eu captava o imaterial refletido na água e o movimento da água, a ondulação, o vento, uma água mais calma ou mais turbulenta, alterando a visualidade do que vem da borda”. Nas imagens do movimento das águas congelado pela fotografia, a artista enxergou encavos da xilogravura. E nesse instante lembrou-se até mesmo da cor da tinta preta tipográfica que usava para a impressão na gravura.

“Uso a fotografia, mas é o olhar de uma memória gráfica que está emergindo nessas imagens. Acredito que o artista tem uma memória visual, o olhar treinado captando aquilo que é importante no teu trabalho, no seu universo poético”.

Ivanir foi percebendo que tudo no lago gerava elementos visuais e possibilidades que ela nunca tinha imaginado, nem na escultura, nem na gravura. As pesquisas fotográficas passaram por processos de composição e impressão. Foram se desdobrando as fotos em sequência que compõem o livro de artista de sua última exposição, que remete a folhas de papel sendo rodadas no cilindro de uma impressora para fine arts.

Das bordas Ivanir passou a observar uma série de resíduos que havia no lago. Coisas insignificantes, até estranhas, mas cheias de “possibilidades inventivas” como ela relata. “Penas, gravetos, folhas, pétalas, casca de ovo, galhos. Achava aquilo tudo desconcertante pelo acúmulo de elementos de tão diferentes formas, cores, tudo misturado pela água e pelo vento e comecei a registrar todos os resíduos do lago. Daí surgiu a série ‘Resíduos: água e tempo’. Porque os resíduos vão se transformar, como é o ciclo de um ecossistema. Ele se retrorealimenta”.

As imagens do ensaio ganharam uma tonalidade sépia. Para a artista trata-se de lembrar a pintura rupestre, algo que está impresso no tempo, envelhecido na terra. Foi então que a artista decidiu organizar miniaturas das fotos expostas no chão da galeria sobre uma grande área coberta de areia e gesso peneirados. “Todas juntas, impregnadas naquela superfície”.

Tudo que foi criado tem um dedo de tecnologia que Ivanir tanto desconhece. “Vou no que é mais simples: a captura da imagem pelo clicar da câmera; o uso de uma boa lente que me dá o zoom necessário de toda a superfície da água do lago e seu entorno; e um programa de computador com poucos recursos, no qual pesquiso caminhos com a imagem e suas relações com a memória gráfica e processos advindos de linguagens anteriormente utilizadas. Faço transposições que eu chamo ‘poéticas e criativas’ entre a realidade e o meu universo artístico”.

 

SERVIÇO

Exposição: “Bordas: Poéticas das Águas”

Artista: Ivanir Cozeniosque

Quando: de 8 a 30 de outubro

Local: Centro Cultural da Casa do Lago da Unicamp