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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 26 de outubro de 2015 a 08 de novembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 642A natureza como aliada
Bom aproveitamento do sol, dos ventos e dos materiais reduz em até 25% a demanda por energia para o resfriamento de residênciasNa pré-história, quando o homem transformou a caverna em moradia, ele buscava se proteger de animais ferozes e também das intempéries. Na antiguidade, os romanos construíram suas cidades de modo a aproveitar a luz solar, aumentando dessa forma o conforto dos moradores. Nos dois casos, a base das soluções encontradas foi a adequação do ser humano à natureza. O preceito está na base da arquitetura bioclimática, área do conhecimento abordada na dissertação de mestrado do engenheiro militar Marcus Vinicius de Paiva Rodrigues, defendida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. O estudo constatou, a partir dos métodos prescritivo e de simulação computacional, que estratégias simples e de baixo custo podem reduzir entre 20% e 25% a demanda anual de energia para o resfriamento de edificações residenciais.
A pesquisa de Rodrigues foi feita com base em um estudo de caso envolvendo edifícios residenciais construídos pelo Exército Brasileiro, destinados à ocupação de sargentos, subtenentes, tenentes e capitães. “A escolha desse modelo de moradia se deve ao fato de ele ser o que classificamos de projeto-tipo, ou seja, um padrão de construção adotado pelo Exército nas mais diversas regiões do Brasil. Há edifícios como esses construídos ou em construção em diferentes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Campo Grande, Manaus e Curitiba”, elenca o autor da dissertação. No estudo em questão, foram analisadas habitações localizadas na capital fluminense.
O engenheiro militar explica que o principal objetivo da sua pesquisa foi promover a avaliação energética das residências, por meio de conceitos da arquitetura bioclimática. Para isso, Rodrigues empregou dois métodos, o prescritivo e de simulação computacional, ambos previstos pela Norma Brasileira de Edificações, publicada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Os dois métodos têm ampla aplicabilidade para a fase de projeto, etapa contemplada no estudo”, explica o autor da dissertação.
O método prescritivo, conforme o engenheiro militar, é composto por diversas equações que fazem a ponderação de variáveis relacionadas com a escolha do projeto, tais como tipos de materiais e posicionamento dos edifícios, levando em consideração a zona bioclimática do Brasil onde as habitações estão localizadas. Ao todo, conforme a divisão atual, o país soma oito zonas bioclimáticas. Ao final do cruzamento dos dados e das interpretações destes, é obtido um equivalente numérico que é comparado com uma escala que vai de 0 a 5, gerando dessa forma a classificação dos níveis de eficiência energética da edificação.
Esta classificação, que vai de “E” a “A”, é estabelecida pelo Programa Brasileiro de Conservação de Energia Elétrica (Procel), num sistema similar àquele aplicado aos eletrodomésticos. Ou seja, assim como as geladeiras, as residências também recebem um selo de eficiência energética. Já a simulação computacional, destaca o autor da dissertação, é considerada uma poderosa ferramenta para estimar como as escolhas feitas para o projeto impactarão no desempenho energético do edifício real. “A simulação permite a inserção de muitos dados da edificação e da relação dinâmica entre as suas características e as condições climáticas. A partir da análise dos dados obtidos, foi possível constatar que, em termos de classificação energética, a adoção de estratégias simples e de baixo custo na fase de projeto é capaz de conduzir uma edificação da classificação ‘D’ para a classificação ‘A’, que representa o índice máximo de eficiência energética”.
No que se refere ao consumo de energia, complementa o pesquisador, a simulação mostrou que é possível reduzir, em média, de 20% a 25% a demanda anual de energia para esfriamento de ambiente [leia-se uso de sistema de climatização], assegurando o conforto climático aos moradores. Segundo Rodrigues, a pesquisa, que foi orientada pelo professor Carlos Alberto Mariotoni, trouxe contribuições importantes para o desenvolvimento da arquitetura bioclimática no Brasil.
Um ponto relevante, considera, foi apontar como está o estado da arte dessa área do conhecimento em países desenvolvidos como Estados Unidos, França, Reino Unido etc, de modo a permitir que o país vislumbre que caminhos pode trilhar. “Outro aspecto que merece destaque é o fato de o estudo ter comprovado que alterações de projetos baseadas em conceitos da arquitetura bioclimática, como o aproveitamento eficiente do sol, dos ventos e dos materiais de construção, são capazes de melhorar significativamente a classificação energética de uma edificação”, complementa.
O engenheiro militar informa, ainda, que a pesquisa já está trazendo consequências práticas. Rodrigues está elaborando um Guia Técnico de Arquitetura de Baixo Consumo Energético, que será incorporado, na forma de apêndice, à Diretriz de Sustentabilidade em Obras Militares, que ele próprio está desenvolvendo para o Exército Brasileiro. “Além disso, os resultados do estudo também estão contribuindo para o aperfeiçoamento do projeto-tipo de edificação residencial do Exército”, pontua o autor da dissertação.
PRÁTICAS ANTIGAS
A arquitetura bioclimática é uma ciência relativamente nova, mas os seus conceitos remetem a tempos bastante remotos. Mantém estreita correlação com a chamada arquitetura vernacular, aquela transmitida de geração para geração. Seus princípios estão calcados em técnicas tradicionais, que expressam com clareza a função que a habitação tinha de proteção contra os rigores do clima. No século 20, no entanto, os preceitos da arquitetura bioclimática foram sendo progressivamente desconsiderados.
Isso ocorreu, em boa medida, por causa dos padrões estéticos copiados entre regiões cujas condições climáticas e ambientais são bastante diversas ou mesmo antagônicas. “Ademais, a lógica da produção de projetos em larga escala, aliada às possibilidades tecnológicas desenvolvidas ou disseminadas ao longo do período, como o uso de condicionadores de ar, fez com que os princípios da arquitetura bioclimática fossem subjugados, visto que a tecnologia poderia suprir as demandas de adaptação ao clima”, esclarece o autor da dissertação.
Com as mudanças climáticas em curso no planeta e com as crescentes restrições ao consumo de energia, no entanto, Rodrigues avalia que os conceitos da arquitetura bioclimática deverão merecer mais atenção por parte da sociedade. “Os conceitos da arquitetura bioclimática têm grande potencial de aplicabilidade no cenário de mudanças climáticas que estamos vivenciando. Em meu intercâmbio acadêmico na University of Southampton, no Reino Unido, tive contato com softwares que os britânicos utilizam para predizer cenários climáticos futuros, com base nos dados fornecidos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Simulei um cenário climático de 2020 para a cidade do Rio de Janeiro, e os resultados mostraram que a demanda anual de energia para o resfriamento do edifício-padrão estudado, mantidas as condições iniciais do projeto, aumentaria em aproximadamente 40%”, revela.
A simulação também constatou que mesmo com as alterações de projetos que elevariam as edificações ao padrão máximo de eficiência energética, estas, quando submetidas ao clima estimado para 2020, apresentariam resultados piores que as edificações inalteradas nos dias de hoje. “Em outras palavras, isso significa que mesmo feitas as alterações que hoje melhorariam substancialmente as condições termoenergéticas dessas habitações, em 2020 elas apresentariam resultados inferiores aos das condições iniciais de ineficiência”, alerta o engenheiro militar. Essa discrepância pode ser explicada em parte, conforme o engenheiro militar, pelo uso de banco de dados climáticos antigos (1961-1990).
Questionado sobre em qual estágio se encontra a arquitetura bioclimática atualmente no Brasil, Rodrigues responde que os conceitos dessa área do conhecimento estão bem difundidos no meio acadêmico. Existem diversos estudos em nível de graduação e pós-graduação, além de inúmeros artigos científicos sobre o tema. “Entretanto, a transição para o setor empresarial/industrial ainda esbarra em dificuldades, que aponto na minha pesquisa. Entre elas eu destaco a falta de regulamentação mandatória para que projetos contemplem as diversas disciplinas que envolvem a sustentabilidade das edificações, a falta de conscientização da sociedade e a incipiência de mecanismos de incentivo e de financiamento de projetos voltados para a eficiência energética”.
Publicação
Dissertação: “Avaliação da eficiência energética de edificações residenciais em fase de projeto: Análise de desempenho térmico pelo método prescritivo e por simulação computacional aplicado a estudo de caso de projeto-tipo do Exército Brasileiro”
Autor: Marcus Vinicius de Paiva Rodrigues
Orientador: Carlos Alberto Mariotoni
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)