Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 30 de novembro de 2015 a 13 de dezembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 645Estudos analisam a desigualdade e a expansão da classe média
Pesquisas que fundamentam tese e dissertação do Instituto de Economia fazem apanhado histórico de diferentes fases da conjuntura econômica do paísUm problema Estrutural
A evolução da desigualdade social no Brasil, no período de 1950 a 2010, é o tema da dissertação de mestrado de Rodrigo Luis Comini Curi, orientada pelo professor Waldir José de Quadros e apresentada no Instituto de Economia (IE). O autor analisa as mudanças na estrutura e na mobilidade social nestas seis décadas para demonstrar que a desigualdade é um problema estrutural, que remonta ao período colonial, e não apenas fruto de conjunturas econômicas e sociais. “Nos momentos em que o crescimento econômico gerou condições para a universalização de um padrão de vida de qualidade para a população, o Estado se posicionou de forma plutocrática [em favor dos mais ricos] e autoritária, com pouca atenção às questões sociais”, observa o economista entre suas conclusões.
Considerando a desigualdade não apenas em relação a rendimentos, mas também a fatores como o acesso a serviços de qualidade, a propriedade da riqueza, os monopólios de ascensão social e o papel do Estado na sociedade, Rodrigo Curi divide sua análise em três períodos: 1950 a 1980, em que o país cresceu economicamente e consolidou e desenvolveu sua estrutura industrial, mas ao mesmo tempo em que se ampliaram as desigualdades, bem como o desamparo à base social rural e à urbana que se formava; os anos 80 e 90, de fim do crescimento econômico e da desestruturação do Estado pela política neoliberal, acarretando grave crise social; e de 2002 a 2010 (governo Lula), de recuperação do crescimento (mas calcado no consumo de massa) e de melhorias sociais (porém insuficientes).
Interessado em entender porque a desigualdade social no Brasil era uma característica tão marcante e que perdurava ao longo do tempo, Curi recebeu de seu orientador um artigo por ele assinado, recorrendo a uma estratificação social que foge da convencional baseada na renda. “O professor Waldir Quadros mostra no artigo que a cúpula da sociedade vive há trinta anos na letargia, sem que se permita espaços de acesso para as classes inferiores. Ele me fez voltar aos anos 1950, quando o país até então predominantemente agrário começou a consolidar sua estrutura industrial, com uma urbanização acelerada. No entanto, esta modernização da economia só fez a desigualdade crescer, pois não veio acompanhada de um projeto de inclusão social.”
O autor do estudo lembra que eram cerca de 41 milhões de pessoas vivendo no campo, vilarejos e pequenas cidades, contra 10 milhões nas grandes cidades em formação. “Na lógica rural havia o monopólio da terra por um pequeno contingente de grandes proprietários, no topo da pirâmide e, no extremo inverso, a imensa maioria de trabalhadores em terras alheias: pequenos assalariados (temporários ou permanentes), posseiros e parceiros. Na ausência de direitos para os trabalhadores e com a expansão da fronteira agrícola, veio a reprodução deste monopólio. Na década de 60, os 10% mais ricos se apropriavam de 39,6% da renda, e os 5% mais ricos, de 11,9%, uma concentração significativa.”
Na opinião do economista, sem a reforma agrária tão sonhada na época, o que se praticou no meio rural foi a expulsão dos trabalhadores. O fluxo migratório que foi de 7 milhões de pessoas nos anos 50, passou para 12,8 milhões nos 60 e atingiu 15,8 milhões nos 70; em três décadas, o nível de urbanização saltou de 36,16% em 1950 para 67,59% em 1980, não apenas inchando as metrópoles, mas multiplicando as grandes e médias cidades pelo país. “Os migrantes acabaram gerando uma urbanização forçada e o mercado de trabalho que se formou foi concorrencial e selvagem: milhões chegaram sem emprego e sem experiência, tornando-se mão de obra barata e lucrativa para as empresas. É nesse sentido que se dá a lógica exclusão: não houve atenção do Estado para lidar com esta população – somente para modernizar a economia.”
Rodrigo Curi afirma que esta lógica se fortalece com a ditadura militar e a repressão aos movimentos sociais antes aglutinados em busca de um desenvolvimento progressista. “O grande crescimento econômico nos anos 70 permitiria gerar as estruturas necessárias para inclusão desta população, mas simplesmente não houve interesse. É correto que se promoveu uma dinamização expressiva na estrutura social, uma diminuição da pobreza, grande geração de emprego e maior possibilidade de ascensão – o trabalhador tinha esperança de colocar os filhos em condições melhores. Porém, também foi ampliado o leque social, considerando os diferentes grupos e estilos de vida da sociedade, e ainda na presença de uma massa com padrão miserável.”
Na visão de Curi, se havia uma expectativa de que a modernização da economia e a industrialização resolveriam a questão da exclusão e da pobreza no Brasil, ela minguou a partir da década de 80, quando se perdeu o único elemento gerador da dinamização social, que era o crescimento econômico. “Não foram criados mecanismos internos que pudessem sustentar o crescimento, que se deu muito baseado no financiamento externo, sem uma política de inovação e de mecanismos de financiamento interno capazes de modernizar a indústria de forma independente. Ao contrário do modelo desenvolvimentista, o Estado perdeu sua capacidade de intervenção no meio econômico, embora a estrutura industrial, grosso modo, tenha se mantido, o que contribuiu para não piorar a questão do desemprego.”
REGRESSÃO SOCIAL
O autor da dissertação salienta que, sem a criação de uma infraestrutura social mais justa e igualitária mesmo com intenso progresso material nos anos de expansão acelerada, a crise nas décadas seguintes só poderia levar a uma regressão social violenta. “Era inevitável. Nos anos 90 vem a mudança de orientação política, nos moldes do Consenso de Washington e da visão neoliberal, com o desmantelamento do Estado (orientado a ser apenas o facilitador das trocas de mercado) e da estrutura produtiva (com a privatização de grandes estatais e a vinda de investimento direto estrangeiro).”
A política neoliberal, prossegue o economista, impôs nas empresas uma lógica de produção vinda de fora, com a racionalização e precarização do trabalho, e a perda de direitos sociais importantes conquistados anteriormente. “Ao fim do crescimento econômico somou-se o fim da mobilidade social e o aumento das desigualdades no país. Após a implementação do Plano Real, a proporção do número de pobres manteve-se praticamente estável, de 24,7% em 1995 para 22,6% em 1999 – nível próximo ao de meados dos 80 (23,7% em 1986). O controle inflacionário se fazia necessário, pois é um custo expressivo para os pobres. Porém o modo como foi concebido, com uma inserção externa calcada principalmente no mercado, acabou por deteriorar as condições de trabalho populacional e a dependência de um contexto externo favorável para o crescimento econômico e geração de empregos, fato que contrasta com a posição central do Estado no desenvolvimento econômico das décadas entre 1950 e 1970”.
OS REMEDIADOS
No último capítulo da dissertação, Rodrigo Curi aborda o período do governo Lula (2002-210), comprometido com políticas voltadas para a melhoria do padrão de vida dos mais pobres e beneficiado por um momento de recuperação do crescimento econômico – decorrência principalmente do comércio exterior de commodities. “Houve melhorias sociais muito importantes no sentido de cumprir com a dívida de duas décadas de crise, através da orientação voltada ao combate das necessidades mais urgentes como a fome, bem como a programas de transferência de renda, crédito e valorização do salário mínimo. Dinamizou-se o consumo e, com a volta do crescimento, a questão do emprego também melhorou.”
A dissertação traz dados sobre a estratificação social entre 2003 e 2009, que apontam a saída de 35 milhões de pessoas da condição de miséria e de outras 36 milhões que galgaram camadas superiores. “Se apresentou neste momento uma expansão significativa do que chamamos de baixa classe média, denominada por alguns autores de ‘nova classe média’ (termo, na nossa visão, inadequado), que foi muito valorizada na propaganda política para criar a imagem de um ‘país de classe média’. Na verdade, são pessoas que têm acesso aos bens de consumo com base no endividamento, mas não têm acesso a educação de qualidade e ao plano de saúde para a família; moram em habitações precárias de bairros com carência de saneamento básico e de segurança – na expressão do professor Quadros, não são mais que remediados.”
Na opinião de Curi, assim como nos governos anteriores, não houve foco nos problemas estruturais e na abertura de acessos para que as camadas baixas atingissem um padrão de vida civilizado. “As melhorias sociais são importantes, mas insuficientes e limitadas, não se sustentam ao longo do tempo. Para isso é preciso, por exemplo, uma estrutura industrial para manter a geração de empregos e um Estado mais ativo e menos compromissado com o superávit primário e, principalmente, com o controle inflacionário, permitindo-se assim ter maior espaço para realizar gastos sociais.”
Rodrigo Curi conclui o trabalho afirmando que, diante destes cenários, a desigualdade vai se reproduzindo, havendo a necessidade de ser tratada como um problema político, impossível de ser eliminado apenas com crescimento econômico. “Creio que a dissertação contribui com a noção de que a questão merece um enfoque político e amplo, buscando um debate entre o Estado e a população, principalmente do núcleo de mudança (baixa classe média e massa trabalhadora), para que juntos possam criar um projeto unificado de nação.”
Publicação
Dissertação: “Um estudo sobre a evolução da estrutura social e da desigualdade no Brasil (1950-2010)”
Autor: Rodrigo Luis Comini Curi
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Instituto de Economia (IE)