Edição nº 654

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 02 de maio de 2016 a 08 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 654

Para Laymert, país já vive
Estado de Exceção

Docente diz que supressão de garantias constitucionais
corrobora a tese de que há um golpe em curso

O pesquisador e professor da Unicamp Laymert Garcia dos Santos tem diploma de graduação em jornalismo, mas há décadas se dedica ao estudo da sociologia, principalmente da sociologia das tecnologias da informação. Na crise política atual, Garcia dos Santos tem emergido como uma das vozes mais firmes em defesa do mandato da presidente Dilma Rousseff, e um dos mais contundentes argumentadores da tese de que há um golpe em curso no país. O artigo “O Intolerável”, publicado em seu site pessoal (https://www.laymert.com.br/o-intoleravel/) teve ampla divulgação no meio digital.

“No meu entendimento, já estamos num Estado de Exceção”, disse ele, em entrevista ao Jornal da Unicamp. “Se se suspendem as garantias constitucionais a ponto de se autorizar o grampo, e a divulgação do grampo, da presidente da República, isso significa que a Constituição não está valendo para ela. E se não está valendo para a presidente da República, para quem vai valer?” Ele também não acredita que a crise possa ser superada com a eventual formação de um novo governo pelo vice-presidente Michel Temer: “Não é assim, tira a Dilma, o Temer entra, compõe o governo e sai tudo funcionando, de rodinha. Essa é uma visão absolutamente simplista do Brasil”.

A despeito dessa avaliação sombria do cenário atual, o pesquisador revela entusiasmo com as novas mídias emergentes – “graças a Deus que a gente tem internet para construir um discurso alternativo”. Leia, abaixo, os principais trechos da conversa de Garcia dos Santos com a reportagem:

 

Jornal da Unicamp – O que o senhor diria ao cidadão brasileiro que se vê perplexo diante da colisão de narrativas, de que a presidente Dilma está sendo vítima de um golpe, contra a de que o que existe é um processo constitucional? 

Laymert Garcia dos Santos – A gente tem duas narrativas que são contraditórias, e que podem ser resumidas assim: “impeachment é golpe”, e “impeachment não é golpe”. Há ainda um outro termo, que estaria entre os dois, que seria, “impeachment não é golpe, porque está previsto na Constituição, mas este impeachment é golpe”: porque não existe nenhuma acusação contra a presidente, exceto a chamada pedalada fiscal, que foi executada por muitos outros governantes antes dela, e ao mesmo tempo continua a ser praticada por governadores, prefeitos, e isso nunca foi considerado crime.

Então, nesse sentido, acho que a palavra golpe cabe, e a pessoa que oscila entre um discurso e outro deveria prestar atenção nesses deslizamentos semânticos e, ao mesmo tempo, atentar para o que as palavras significam. Parece que é uma questão acadêmica, mas na verdade são duas posições antagônicas numa espécie de guerra.

 

JU – Guerra não é uma palavra forte demais para o contexto atual? 

Laymert Garcia dos Santos – Eu não descartaria a palavra guerra, porque na medida em que a posição do “impeachment não é golpe” é uma posição que, se não há crime, não se sustenta juridicamente, então isso significa que essa posição só pode ser defendida porque não foi aceita a eleição de 2014. O resultado da eleição de 2014. E aí nesse sentido é uma guerra, sim, porque essa crise que estamos vivendo agora foi aberta em 2014, com o não reconhecimento de que a eleição foi legítima.

 

JU – Mas se o que ocorre hoje é fruto de insatisfação com 2014, por que o estouro só agora? 

Laymert Garcia dos Santos – Acho que agora é só o desdobramento de 2014, esse desdobramento foi progressivo, foi incessante. Venho acompanhando essa questão desde 2013, na verdade. Porque, no meu entendimento, as coisas começaram com as manifestações de 2013. Foi lá que a gente viu, pela primeira vez, manifestantes na rua com uma pauta progressista, só que expressa numa linguagem conservadora.

Era uma pauta por ampliação de direitos, portanto uma pauta democrática. Mas o modo como se exprimia era conservador, e foi a primeira vez que a gente viu surgir uma reivindicação conservadora na rua. Isso em 2013. Já em 2014, acho que o impeachment da Dilma começou na abertura da Copa do Mundo, quando convidados do camarote do banco patrocinador começaram a gritar para o mundo – porque a abertura da Copa era transmitida para o mundo inteiro – xingamentos de baixo calão contra a presidente.

Foi a primeira vez que vi um presidente da República ser ultrajado dessa forma, e partindo de onde? Partindo do camarote de patrocinadores da Copa do Mundo. A partir daí começou o escracho da Dilma. E isso foi extremamente sério, porque sinalizou que essa posição, no meu ponto de vista, partia de um grande descontentamento da superelite. Era a superelite decretando guerra.

 

JU – Mas a superelite vinha convivendo muito bem com quase uma década de governo do PT. Por que romper naquele momento? 

Laymert Garcia dos Santos – Porque a elite financeira ficou descontente com a queda dos juros no primeiro mandato. Dilma baixou a taxa de juros, o que descontentou extremamente o mercado financeiro, além de ter tomado outras medidas. Isso no aspecto interno. Mas eu acho que o que está acontecendo não tem razões só internas, tem razões externas.

 

JU – Que seriam...? 

Laymert Garcia dos Santos – As razões externas são as razões de interesse na desestabilização de um certo projeto de desenvolvimento, de um projeto de país. Essa desestabilização aparece, no meu entender, num golpe, que não é mais nos moldes dos anos 60, 70, porque até nem faria sentido – os militares hoje são legalistas. Mas é uma desestabilização cujo modelo vem sendo aplicado já em outros lugares, em outras regiões do mundo e na América Latina.

Eu não acredito, por exemplo, que a corrupção seja o verdadeiro problema. Não pode ser. Ela é só a máscara, o pretexto, porque se você tem um combate seletivo à corrupção, você não tem combate à corrupção. Na verdade você só vai combater um determinado tipo de corrupção, e a seleção significa que o que vale aqui, não vale lá. E o combate seletivo à corrupção é o que estamos vendo. Levou um tempo para isso ficar explicitado, para ficar claro que a Lava Jato era seletiva, mas agora já está mais do que evidente. 

 

(Continua nas páginas 6 e 7)