Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 02 de maio de 2016 a 08 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 654Telescópio
O sonho
do dragão
Quando dorme, o réptil australiano Pogona vitticeps, popularmente chamado de dragão barbudo, passa por fases de atividade cerebral que eram consideradas exclusivas de pássaros e mamíferos, incluindo o sono REM, que no caso dos mamíferos marca a ocorrência dos sonhos mais intensos e vívidos, e o sono de ondas lentas, ou sono profundo. A descoberta de que pelo menos uma espécie de réptil também passa por fases REM e ondas lentas, publicada na edição mais recente da revista Science, desafia a compreensão mais comum da evolução do sono.
De acordo com nota distribuída pelo periódico, a explicação mais aceita, até agora, propõe que as fases REM e ondas lentas teriam surgido duas vezes na história da vida, evoluindo de modo independente em pássaros e mamíferos. Mas se elas acontecem também em répteis, fica aberta a possibilidade de terem surgido uma única vez, num ancestral comum desses três grupos.
Os autores do estudo com o dragão barbudo, do Instituto Max Planck de Pesquisa Cerebral, na Alemanha, escrevem que o padrão de REM e ondas lentas do lagarto repete-se continuamente ao longo de seis a dez horas, com periodicidade de 80 segundos. Em comparação, nos seres humanos essa periodicidade é de 90 minutos. “Embora similares ao sono dos mamíferos, o sono de ondas lentas e o sono REM dos lagartos parecem uma versão simplificada do rico repertório mamífero”, diz o artigo.
Plantas
pedem socorro
Pesquisadores baseados na Holanda e na Alemanha descobriram que a trepadeira Solanum dulcamara, às vezes chamada no Brasil de dulcamara ou doce-amarga, que contém alcaloides tóxicos, libera um néctar adocicado, diferente da seiva comum, quando mordida por insetos herbívoros. Esse néctar atrai formigas que, na maioria das vezes, atacam violentamente os herbívoros. A pesquisa está publicada no periódico Nature Plants, do grupo Nature.
As gotículas de néctar são liberadas a partir das feridas abertas nas folhas mordidas pelos insetos. Em experimentos realizados em estufas, formigas atraídas pelo néctar atacaram larvas de besouros, mas não besouros adultos, e lesmas. Os autores chamam atenção para o fato de que esses “sangramentos” de néctar não estão associados a um órgão ou estrutura específico da planta, e nem se restringem a uma localização em especial.
Plantas
relembram
Artigo publicado no periódico PNAS sugere que as plantas que florescem na primavera usam príons – proteínas deformadas, capazes de se reproduzir – para preservar memórias. As plantas que produzem flores periodicamente precisam manter algum tipo de lembrança das condições ambientais passadas para regular seus ciclos de desenvolvimento.
O estudo, de autoria de pesquisadores dos EUA, Reino Unido e Israel, identificou cerca de 500 proteínas na Arabidopsis thaliana que contêm domínios – trechos da molécula capazes de existir e operar de modo independente da cadeia completa – que podem dar origem a príons. “Proteínas príon fornecem um modo especial de memória bioquímica, por meio de mudanças que se autoperpetuam na conformação e na função proteica”, escrevem os autores. Dos domínios identificados, pelo menos um, chamado Luminodependens, mostrou atividade típica de príon quando testado em leveduras. Esse domínio é importante porque atua no processo de floração. “Nossos resultados sugerem que interruptores do tipo príon são conservados evolucionariamente, e podem atuar em diversos processos biológicos normais”, diz o artigo.
Linguagem
no cérebro
A elaboração de um mapa que localiza as regiões do cérebro que reagem ao significado de conceitos semânticos é descrita na edição mais recente da revista Nature. Esse “atlas narrativo” foi criado submetendo um grupo de voluntários a ressonância magnética funcional do cérebro, enquanto ouviam histórias que giravam em torno de grupos semânticos diversos, como “comida” ou “números”. A ressonância acompanhou o fluxo sanguíneo para cada parte do cérebro à medida que as histórias progrediam, detectando que partes do órgão reagiam com maior intensidade a cada palavra.
Um algoritmo foi usado para modelar os resultados, revelando um padrão comum às diversas leituras individuais. O resultado mostrou que o processamento semântico se espalha por mais de 100 regiões do cérebro, e que há associações tanto anatomicamente próximas – uma região estimulada pelas palavras “mãe” e “gravidez” é contígua a outra estimulada também por “mãe”, mas ainda por “casa” – quanto distantes: a palavra da língua inglesa “top” – que pode significar alto, elevado, e também é o nome de uma peça de roupa – ativou áreas ligadas a números, mas também outras, mais distantes, que respondem a termos de vestuário e de arquitetura. Também foram encontradas conexões funcionais: uma palavra visualmente descritiva, como “listrado”, ativou uma área bem próxima ao córtex visual. No geral, as representações se distribuíram por ambos os hemisférios cerebrais.
“Nossos resultados sugerem que a maioria das áreas dentro do sistema semântico representa informação sobre domínios semânticos específicos, ou grupos de conceitos relacionados, e nosso atlas mostra quais domínios são representados em cada área”, escrevem os autores, vinculados ao laboratório do pesquisador Jack Gallant, da Universidade da Califórnia, Berkeley. “Este estudo demonstra que métodos de uso intensivo de dados – comuns em estudos de neuroanatomia e conectividade funcional em humanos – oferecem meios poderosos e eficientes para mapear representações funcionais no cérebro”.
Humanos
na dieta
Ossos de homininos – o grupo de espécies de onde emergiu o ser humano atual – roídos por predadores carnívoros foram encontrados por pesquisadores numa caverna no Marrocos. Os restos têm cerca de meio milhão de anos, e o artigo que descreve a descoberta foi publicado no periódico PLoS ONE.
Os autores do trabalho, de instituições da França, Itália e Alemanha, analisaram um pedaço de fêmur, possivelmente de Homo rhodesiensis, espécie tida como provável ancestral do Homo sapiens, e descobriram marcas de dentes consistentes com a mordedura de hienas. Não está claro se o hominino foi atacado e morto pelos animais, antes de ser devorado, ou se seus restos foram consumidos após a morte ter ocorrido por outras causas. “Tenha sido como presa ou carniça, este fêmur mastigado indica que humanos eram um recurso para os carnívoros” da época, diz o artigo.
Vacina personalizada
contra câncer
Vacinas personalizadas para o paciente, criadas de acordo com as mutações individuais responsáveis pelo tumor específico, foram um dos principais tópicos de discussão na reunião anual da Associação Nacional do Câncer dos Estados Unidos, realizada em New Orleans em meados de abril. De acordo com nota publicada no site da revista Nature, os primeiros resultados de testes clínicos – em seres humanos – da técnica se mostraram promissores, com a ativação da resposta imune.
O campo também vem recebendo investimentos de capital de risco. Há o temor, no entanto, de que a indústria farmacêutica não será capaz de produzir vacinas com esse grau de personalização em tempo hábil, e quantidade suficiente, para que a terapia seja viável para adoção em larga escala.
Há ainda críticos que afirmam que o foco nas vacinas altamente personalizadas pode estar desviando recursos de pesquisas em busca de vacinas de mais amplo espectro contra o câncer, que poderiam trazer benefícios para mais pessoas, e mais depressa. Ouvido pela Nature, Drew Pardoll, imunologista oncológico de Johns Hopkins, referiu-se ao entusiasmo com as vacinas personalizadas como “do nível do que eu chamaria de exuberância irracional”.
Simulando o
jovem universo
Um software que integra dados cosmológicos e de física de partículas, para simular as condições que existiam nos primeiros minutos do Universo, poderá ajudar pesquisadores a refinar seus modelos teóricos, confrontando-os com os resultados de futuras observações, de acordo com artigo publicado no periódico Physical Review D. O código, chamado BURST, foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório Nacional de Los Alamos e da Universidade da Califórnia, San Diego.
Em nota divulgada pelo Laboratório de Los Alamos, um dos criadores do BURST, Evan Grohs, diz que o programa pode ser usado para testar as ideias a respeito da natureza e das interações dos neutrinos nos primórdios do Universo. “Comparando nossos cálculos com observações cosmológicas, como a abundância de deutério, podemos usar nosso BURST para testar teorias”, disse ele, citado na nota. “Teorias que podem ser difíceis de testar em laboratório na Terra, então nosso trabalho oferece uma janela em uma área da Física que, de outro modo, seria inacessível”.