Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 09 de maio de 2016 a 15 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 655Telescópio
Fervura
em Marte
Algumas características temporárias do relevo marciano, como faixas escuras e deslizamentos observados em encostas, podem ser causadas por água fervente, diz artigo publicado na edição mais recente do periódico Nature Geoscience.
Em setembro do ano passado, a mesma revista havia trazido trabalho, baseado em observações da sonda orbital Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da Nasa, sugerindo que faixas escuras observadas em encostas do planeta poderiam sinalizar fluxos intermitentes de água. Especulou-se que água, contendo grandes concentrações de sais dissolvidos, poderia ser estável o suficiente, nas condições marcianas, para escorrer ladeira abaixo, causando as marcas.
O artigo mais recente descreve um experimento realizado em laboratório, onde cientistas da Europa e dos Estados Unidos analisaram o comportamento de um bloco de gelo colocado sobre uma ladeira arenosa, numa câmara que recria condições de pressão atmosférica compatíveis com as existentes em Marte.
Nesse ambiente de baixa pressão, a água ferve, lançando para o alto grãos de areia que, ao cair, formam pequenas pilhas. Essas pilhas, então, tornam-se instáveis e deslizam pela encosta. Esse processo dá origem a pequenos canais que se assemelham aos observados na superfície marciana. “É de especial interesse que apenas pequenas quantidades de água de derretimento são necessárias para transportar os sedimentos”, escrevem os autores, sugerindo que esse mecanismo pode representar uma alternativa, ou um complemento, aos fluxos de água salgada teorizados anteriormente.
Origens
da Europa
Uma análise do genoma dos restos mortais de 51 seres humanos anatomicamente modernos que viveram na Europa entre 45 mil e 7 mil anos atrás permitiu que pesquisadores elaborassem a mais detalhada análise das linhagens que colaboraram para a formação da população europeia atual.
A equipe internacional de cientistas determinou que, embora a chegada dos humanos modernos ao continente tenha ocorrido há cerca de 45 mil anos, essa população pioneira não deixou vestígios no DNA dos europeus atuais, que no entanto preservam marcas de uma onda migratória de 37 mil anos atrás. “Todos os indivíduos de cerca de 37 mil a cerca de 14 mil anos atrás descendiam de uma mesma população fundadora, que forma parte da ancestralidade dos europeus do presente”, diz o artigo, publicado na revista Nature.
Essa população fundadora teria vivido no noroeste da Europa, e era parte da chamada cultura aurignaciana da Idade da Pedra, à qual se atribui um papel importante no desenvolvimento da arte, incluindo as primeiras obras que buscavam representar a figura humana, incluindo a Vênus de Hohle Fels, esculpida numa presa de mamute.
A predominância genética dessa população original começou a ser diluída há 14 mil anos, com a chegada de um novo fluxo migratório vindo do Oriente Próximo.
Ameaça
hidrelétrica
O controle do fluxo de água dos rios por barragens hidrelétricas pode ameaçar a cadeia alimentar à jusante, ao eliminar populações de insetos aquáticos, alerta estudo realizado nos Estados Unidos e publicado no periódico Bioscience.
A equipe de autores, encabeçada por pesquisadores da US Geological Survey (USGS), debruçou-se especificamente sobre os efeitos da prática de regular a liberação de água pela barragem de acordo com o consumo de energia, fazendo o rio correr com maior vazão em horários de pico de demanda.
Usando amostras colhidas por cidadãos voluntários ao longo do Rio Colorado, e por um levantamento da diversidade de insetos em rios barrados do Oeste do país, os cientistas concluem que o controle artificial da vazão do rio é incompatível com os hábitos de reprodução de certas espécies de inseto importantes para a cadeia alimentar.
Anticorpo
contra o HIV
Dois artigos publicados na Science apontam resultados promissores com o uso de um anticorpo de neutralização ampla contra o HIV. Em um dos estudos, o anticorpo testado, 3BNC117, foi aplicado em ensaio clínico a 15 pacientes. A maioria teve redução na carga viral que perdurou por várias semanas, com resultados individuais, de acordo com nota divulgada pela revista, indo do “pequeno” ao “dramático”.
O segundo estudo, envolvendo experimentos em camundongos, aponta que o 3BNC117 acelera a depuração das células infectadas pelo HIV. O mesmo trabalho detectou uma mutação do anticorpo que o torna ineficaz nesse processo de limpeza celular.
Três
Terras
Pesquisadores dos EUA, Índia e Europa anunciam, na edição mais recente da Nature, a descoberta de um sistema solar com três planetas de dimensões semelhantes às da Terra, sendo que dois deles orbitam sua estrela a uma distância próxima ao limite da chamada “zona habitável” – a região do espaço em que um planeta recebe energia estelar suficiente para manter água em estado líquido em sua superfície, característica tida como necessária para que possa suportar vida. Esses planetas estão perto da borda da zona mas, ainda assim, fora dela.
A órbita do terceiro planeta, escrevem os autores, ainda comporta muitas incertezas, mas é provável que ele receba muito menos energia de sua estrela do que a Terra recebe do Sol.
A estrela que abriga os planetas se localiza a 12 parsecs (39 anos-luz) da Terra, e é considerada uma “anã fria”, categoria que inclui estrelas com temperatura efetiva de menos de 2.400 ºC (o Sol tem uma temperatura efetiva de cerca de 5.500 ºC). As observações que levaram à descoberta foram feitas pelo telescópio belga TRAPPIST, baseado no deserto de Atacama, no Chile, e que é parte do complexo ESO, o Observatório Europeu do Sul.
A psicologia do
mau motorista
Motoristas que repetidamente dirigem embriagados ou violam limites de velocidade com frequência têm um perfil psicológico e uma reação ao estresse peculiar, e não veem a si mesmos como pessoas que correm riscos exagerados ou desnecessários, diz um estudo canadense publicado no periódico PLoS ONE.
Os autores do trabalho elaboraram perfis de quatro grupos de motoristas, sendo 36 indivíduos que haviam sido detidos por dirigir embriagados repetidas vezes, 28 punidos por direção perigosa, mas sem a influência do álcool, 27 pegos dirigindo de modo perigoso com e sem abuso de bebida e um grupo de controle, composto por 47 motoristas com histórico considerado de baixo risco.
Em comum, os três grupos de motoristas envolvidos em atos de direção perigosa mostraram um aumento menor de cortisol – um hormônico comumente relacionado ao estresse – em resposta a situações de tensão. Além disso, os grupos que praticam comportamentos de risco mostraram menos consideração pelos outros. Os autores sugerem que técnicas de prevenção mais voltadas para os interesses pessoais dos motoristas – em vez de apelos à lei ou a princípios morais – podem ser mais eficazes para esse tipo de motorista.
Cientistas canadenses
falam sobre censura
Reportagem publicada no website da revista Nature (https://www.nature.com/news/nine-years-of-censorship-1.19842) analisa o fim da política de censura na comunicação científica, imposta pelo governo conservador que administrou o Canadá entre 2006 e 2015. Nesse período, pesquisadores vinculados a órgãos públicos tinham de solicitar permissão a seus superiores hierárquicos antes de falar com jornalistas. Essa política foi revertida com a chegada da atual administração liberal ao poder.
Pesquisadores ouvidos pelo periódico referem-se ao fim das limitações como um “peso” retirado de seus ombros. “Era um malabarismo incrível tentar levar a informação mais inócua para a mídia ou o público”, disse Diane Lake, que trabalhava como assessora de imprensa de um órgão de pesquisa federal. “Era como se uma cortina de ferro tivesse se fechado sobre a comunicação das pesquisas aos canadenses”.
Métodos
contra o câncer
Os métodos atualmente usados para avaliar a eficácia de possíveis novas drogas contra o câncer – os chamados ensaios de proliferação – são inadequados e deveriam ser substituídos por um procedimento que leve em conta os efeitos da droga ao longo do tempo, argumenta artigo publicado no periódico Nature Methods.
O trabalho, de autoria de pesquisadores da Universidade Vanderbilt, nos EUA, descreve o procedimento fundamental dos ensaios de proliferação celular da seguinte forma: “uma droga é adicionada a uma população celular dentro de um espectro de concentrações, e o efeito sobre a população é quantificado segundo a métrica escolhida. A métrica padrão ‘de facto’ é o número de células viáveis 72 horas após a adição da droga”.
Os autores argumentam que, por depender de medição feita num ponto fixo do tempo, esse processo é “estático” e não leva em conta especificidades da proliferação celular, incluindo possibilidades como a de um “rebote” proliferativo das células cancerosas sobreviventes, após uma intervenção aparentemente bem-sucedida.
Chamando atenção para a baixíssima eficiência dos métodos atuais de prospecção de drogas contra o câncer – menos de 90% das moléculas que chegam a ser testadas em seres humanos dão origem a terapias – a equipe de Vanderbilt propõe uma nova métrica, chamada Proliferação Induzida por Droga (DIP, na sigla em inglês), definida como a taxa de proliferação das células, sob diferentes concentrações da droga, ao longo de um intervalo de tempo. Os detalhes do cálculo da DIP são descritos no artigo “An unbiased metric of antiproliferative drug effect in vitro” (doi:10.1038/nmeth.3852).