Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 15 de agosto de 2016 a 21 de agosto de 2016 – ANO 2016 – Nº 665De grão em grão
O Brasil produzia demais. No início do século 20, o café era não só o principal produto de exportação, mas o verdadeiro motor para o desenvolvimento do país. Mas o Brasil produzia com qualidade de menos. E, por esta razão, após a crise de 1929 e a superprodução de café brasileiro, não havia muito o que fazer a não ser investir em ciência e tecnologia. O entendimento do governo de Getúlio Vargas era de que somente melhorando a qualidade do produto seria possível competir com o café colombiano, por exemplo, tido até os dias de hoje como superior ao produzido no Brasil. A investigação desse período histórico foi feita pelo pesquisador Jefferson de Lara Sanches Júnior e passa pela criação da primeira estação experimental do governo federal específica para o estudo do café do Brasil, instalada na cidade de Botucatu (SP), em 1934. A estação existiu até a década de 1970, quando foi transformada em campus da Unesp. A pesquisa de mestrado de Jefferson, desenvolvida no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e orientada pela professora Cristina de Campos, deu origem ao livro “A Encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil” lançado recentemente.
Algumas estações experimentais, que eram institutos de pesquisa e extensão vinculados à Federação, já existiam no país desde o começo do século, porém em localidades consideradas de menor relevância no contexto político da República Velha, em Estados do Nordeste ou Rio de Janeiro. Predominava, na Primeira República, a ideia de descentralização política, que dava poder aos Estados frente ao governo federal, sobretudo Minas Gerais e São Paulo com a política que ficou conhecida como a do “café com leite”. “A centralização política volta com Getúlio Vargas e vai se refletir nas esferas econômica e de ciência e tecnologia para a agricultura. O governo federal passa a centralizar todos os esforços para criar uma política para a cafeicultura”, assinala o autor.
Segundo Jefferson, a Estação Experimental de Botucatu também seria criada para oferecer uma contrapartida aos paulistas derrotados em 1932 na chamada Revolução Constitucionalista. “Embora tenha sido criada em 1934, a gênese da estação é anterior e tratava-se de uma ideia dos paulistas”, afirma Jefferson.
A cafeicultura se mantinha em pé nos momentos de crise graças a intervenções macroeconômicas que regulavam o mercado. Houve as “cotas de sacrifício” que destinavam nada menos que 40% da produção à queima. “Entre 1932 e 1944 foram queimadas 75 milhões de sacas de café, que correspondem a até quatro anos de safra”, complementa. E mesmo anos depois da criação da estação de Botucatu, a verdadeira saída para o café foi a compra de cotas pelos Estados Unidos no contexto da Segunda Guerra, dentro da política para a conquista de aliados entre os países latino-americanos e a diminuição de impostos que taxavam o produto em 1937. A criação da estação experimental se configurou em um apelo à ciência e tecnologia em um breve espaço de tempo.
“O que me chamou a atenção, quando comecei a pesquisar os documentos da estação, foi que havia muito entusiasmo das pessoas envolvidas. Vê-se que eles acreditavam que aquela seria uma das soluções para a cafeicultura, mas em 1943/1944 há uma mudança. A partir da década de 1940 ocorre um esforço maior da diversificação da nossa pauta agrícola”. Enquanto durou a proposta de melhorar a qualidade do produto brasileiro por meio da ciência e da tecnologia, o pessoal da estação de Botucatu fez várias tentativas para aprimorar a bebida nacional. “Devemos lembrar que a década de 1930 marca o início de um esforço destinado à consolidação de uma política de industrialização no Brasil e, portanto, a agricultura passa a ser olhada como setor que fornece insumos para a indústria. As estações até tinham a função de proporcionar uma maior diversificação da agricultura e que o café deixasse um pouco de ser o centro das atenções, mas isso não seria feito de uma hora para outra. Por alguns anos, o café ainda manteria seu protagonismo”.
O título do livro, “A encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil”, é derivado de frase dita pelo então Ministro da Agricultura, Odilon Braga, no momento de sua criação, e retratava as intenções e a grandeza contida na proposta desse instituto de pesquisa para a cafeicultura nacional. Novas técnicas, metodologias e caminhos para a produção de um café de melhor qualidade foram testados pela estação de Botucatu. Caravanas de pesquisadores foram até a América Central, em países como a Colômbia ou a Costa Rica, para estudar os métodos de produção. “Um deles foi a técnica do sombreamento. Entendia-se que o café que crescia na sombra de outras árvores produziria mais frutos para serem colhidos no ponto de cereja, que era considerado o de melhor maturação. Com o tempo ficou comprovado que a sombra não só não ajudava como acabava favorecendo o aparecimento de pragas como a broca”. Outras pesquisas desenvolvidas em Botucatu eram relacionadas à hibridização de espécies, testes de curvas de nível, testes com fertilizantes e podas.
Ocupação
A pesquisa realizada por Jefferson também concluiu que a instalação da estação experimental de Botucatu foi um reflexo da ocupação do Estado de São Paulo na época e da expansão da cafeicultura. “O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) nasceu ainda no Império e tinha como finalidade atender o Oeste histórico do Estado, que margeia Minas Gerais. Botucatu se insere em outro contexto, cuja fronteira agrícola iria mais para o oeste geográfico com direção ao norte do Paraná. Era uma cidade de ‘boca de sertão’ onde terminava a ocupação do homem branco. Ou seja, Botucatu era o ponto de partida para povoar todo o restante do Estado de São Paulo”. A região a ser explorada compreendia cidades como Bauru, Marília, Ourinhos ou Assis. “A estação deveria oferecer assessoria técnica às regiões que produziam muito, mas com pouca qualidade, em contrapartida à região da Mogiana, que produzia cafés de melhor qualidade”.
A ideia é reforçada pela instalação no período de usinas para beneficiar o café de forma mais eficiente e também laboratórios de amostragem do que estava sendo produzido. Enfim, um polo científico para a cafeicultura que entrou em declínio antes mesmo de se consolidar. “Para que investir em ciência e tecnologia se medidas econômicas terminaram por resolver o problema que seria resolvido pela estação experimental? ”.
A questão levou o autor do livro a concluir que o investimento em ciência e tecnologia foi “a boia lançada para a cafeicultura segurar em um momento de crise. Foi o que sobrou quando não houve habilidade para resolver os problemas por outros caminhos. Isso demonstra justamente essa ideia refratária e bastante restrita da ciência e tecnologia, pensada de forma superficial e reducionista enquanto deveria ser vista de forma mais estruturante, emblemática e abrangente”.
Serviço
Título: “A Encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil”
Autor: Jefferson Lara Sanches Junior
Páginas: 202
Editora: UFABC (à venda no site da editora)
Apoio: Fapesp
Preço: R$ 39,90