Edição nº 669

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 19 de setembro de 2016 a 25 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 669

Conquistas com obstáculos

Tese promove resgate das origens do esporte paralímpico
brasileiro, cujo início foi marcado pela total falta de apoio aos atletas

Quando os Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro foram abertos no último dia 7 de setembro, esta reportagem ainda estava sendo elaborada. Assim, não é possível fazer um registro sobre o desempenho dos atletas brasileiros na competição. Entretanto, o Brasil entrou nas arenas e quadras ostentando a condição de sétima força mundial no esporte paralímpico e a aspiração de chegar ao final dos Jogos na quinta posição no ranking de medalhas. “Não é uma meta fácil de ser alcançada, mas existe a possibilidade”, avaliou a educadora física Michelle Aline Barreto, que defendeu tese de doutorado na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp abordando as origens do esporte paralímpico nacional.

Orientada pelo professor José Júlio Gavião de Almeida, a pesquisadora encontrou significativas dificuldades para resgatar as raízes do esporte paralímpico no Brasil. De acordo com ela, existem poucos estudos e documentos sobre o assunto. Para contornar o problema, Michelle decidiu entrevistar os primeiros medalhistas paralímpicos brasileiros, como forma de registrar, por meio de seus depoimentos, aspectos da trajetória que levou o país a se destacar no cenário internacional.

De modo geral, conta a autora da tese de doutorado, os relatos dos entrevistados revelaram que o esporte paralímpico no Brasil foi estruturado sem o apoio governamental, ainda que algumas entidades tenham atuado para desenvolver esse segmento esportivo. “Nossos primeiros atletas treinavam com poucos recursos materiais e não recebiam remuneração. Muitos deles só conseguiram se destacar por causa da determinação pessoal e porque contaram com o apoio de familiares e de instituições especializadas no atendimento à pessoa com deficiência”, apontou Michelle.

Ao todo seriam entrevistados 27 atletas medalhistas do período analisado, mas a pesquisadora conseguiu colher o depoimento de 23 deles, pois quatro já haviam falecido quando o estudo foi realizado. Ela estabeleceu como recorte temporal da pesquisa o período entre 1976, ano em que o Brasil conquistou a sua primeira medalha paralímpica, e 1992, ano em que ocorreu a última competição antes da criação do Comitê Paralímpico Brasileiro, em 1995. Entre os que concederam relatos à pesquisa, quatro ainda atuam como treinadores ou gestores no âmbito do esporte paralímpico.

Segundo Michelle, as falas dos medalhistas relevam de forma eloquente as agruras que tiveram que enfrentar ao longo de suas carreiras. “A falta de apoio institucional levava a uma série de dificuldades, como a ausência de equipamentos devidamente adaptados. Isso sem falar que muitos deles tiveram que ser mantidos financeiramente pelas famílias e amigos para que pudessem desempenhar suas atividades esportivas, dado que não recebiam remuneração como atletas. Essa realidade perdurou por muitos anos, e somente começou a mudar a partir da criação do Comitê Paralímpico Brasileiro”, relatou a educadora física.

Mas se a gestão e a estrutura colocada à disposição do esporte paralímpico brasileiro mudou muito desde o final dos anos 1970, o reconhecimento aos pioneiros do segmento segue quase inexistente. “A maioria dos medalhistas que entrevistei se queixou muito do esquecimento e da falta de reconhecimento à contribuição que deram ao esporte paralímpico. Um dos ex-atletas com quem falei trabalha hoje numa empresa em Uberaba (MG). Eu o localizei por meio da internet. Liguei no setor de recursos humanos e expliquei porque precisava entrar em contato com ele. Foi somente aí que os colegas de trabalho e os diretores da empresa ficaram sabendo que ele era um medalhista paralímpico. Depois, soube que a empresa prestaria uma homenagem a ele”, contou Michelle.

Localizar os medalhistas paralímpicos, aliás, foi tarefa das mais difíceis, conforme a autora da tese de doutorado. Nem mesmo o Comitê Paralímpico dispõe de dados sobre esses pioneiros. “Esse é outro aspecto revelador do descaso com que as autoridades paralímpicas tratam os ex-atletas”, considerou Michelle. Ela conseguiu chegar à maioria dos entrevistados através das redes sociais, o Facebook principalmente. “Rodei boa parte do Brasil para entrevistar presencialmente essas pessoas. Foi uma experiência muito enriquecedora para mim”, disse.

Das entrevistas com os primeiros medalhistas paralímpicos brasileiros não emergiram somente histórias de dificuldade e superação. Alguns depoimentos também revelaram situações, digamos, pitorescas, que hoje não poderiam se repetir. É o caso da história contada pelo primeiro medalhista paralímpico do Brasil, Luiz Carlos da Costa.

Ele faturou a medalha de prata ao lado de Robson Sampaio, com quem fez dupla no lawn bowl, modalidade que se parece com a conhecida bocha e que já não faz mais parte da relação de esportes dos Jogos Paralímpicos.

O curioso é que os dois foram aos Jogos de Toronto (Canadá), em 1976, para competir pelo basquete sobre cadeira de rodas. Lá, conheceram o lawn bowl, gostaram do esporte e simplesmente resolveram trocar de modalidade. “Naquela época, isso era possível. Um atleta podia mudar para outro esporte, mesmo que não estivesse inscrito inicialmente para disputá-lo”, explicou Michelle.

Encantados pelo lawn bowl, Luis Carlos e Robson fizeram alguns treinos e foram a campo para encarar a competição. O resultado foi a conquista do segundo lugar e da primeira medalha paralímpica do Brasil. “Além de resgatar os primórdios do movimento paralímpico no país, minha expectativa é que a minha tese contribua para que as autoridades confiram o devido reconhecimento àqueles que ajudaram a consolidar o segmento no Brasil”, pontuou a educadora física.

Logo após conceder a entrevista, Michele viajou ao Rio para acompanhar os Jogos Paralímpicos. Na avaliação dela, o Brasil tinha boas chances de conquista de medalhas em várias modalidades, entre elas natação e atletismo. “A meta do Comitê Paralímpico é fazer com que o país avance da sétima para a quinta colocação no quadro de medalhas. Não é uma tarefa fácil, mas acho que ela pode ser alcançada. Determinação e coragem, como minha tese demonstrou, nossos atletas têm de sobra”.

FEF
A Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do esporte paralímpico no Brasil. Paralelamente à criação do Comitê Paralímpico Brasileiro, foi instituído na FEF o Departamento de Estudos da Atividade Física Adaptada (DEAFA). Como o esporte paralímpico era uma experiência nova, os pesquisadores da Faculdade ajudaram a consolidá-lo. Nas últimas duas décadas, o conhecimento gerado pelas pesquisas realizadas na Universidade tem contribuído para o avanço de diversas modalidades.

Não por outra razão, 80% das pessoas que trabalham atualmente no Comitê Paralímpico Brasileiro passaram pelas salas de aula e laboratórios da FEF, seja como alunos de graduação, seja como alunos de pós-graduação. Durante os Jogos Paralímpicos, uma delegação com algumas dezenas de docentes, estudantes e pesquisadores da FEF esteve no Rio não somente para oferecer suporte a atletas e federações, mas também para dar sequência aos estudos que, futuramente, podem fazer com que o Brasil se destaque ainda mais no cenário do esporte paralímpico mundial.

Publicação

Tese: “Esporte paralímpico brasileiro: vozes, histórias e memórias de atletas medalhistas (1976 a 1992)”
Autora: Michelle Aline Barreto
Orientador: José Júlio Gavião de Almeida
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)