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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 19 de setembro de 2016 a 25 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 669Unicamp produz células solares de perovskita
Resultado é obtido pela primeira vez no país;material é alternativa mais barata ao silício
Pela primeira vez no Brasil, pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp produziram células solares de perovskita em laboratório. O material, que vem sendo pesquisado pela ciência desde a década de 1960, mas que apenas recentemente teve a aplicação voltada para a geração de energia elétrica a partir da luz solar, surge como alternativa potencialmente mais barata e eficiente ao silício, empregado atualmente em sistemas fotovoltaicos. O resultado foi obtido durante a pesquisa para a dissertação de mestrado do químico Rodrigo Szostak, que contou com a orientação da professora Ana Flávia Nogueira.
A preparação das células solares de perovskita no país tem dois aspectos importantes, como explica Szostak. Primeiro, porque o estudo contribui para que o país se torne autônomo nesse campo da ciência. “Fizemos tudo aqui no LNES [Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar], com a estrutura da qual já dispúnhamos e sem a colaboração de grupos estrangeiros”, afirma o pesquisador. Segundo, porque os testes indicaram uma eficiência de 13% por parte das células de perovskita. O índice é semelhante ao alcançado pelas células solares de silício vendidas comercialmente, cuja eficiência gira em torno de 15%.
O autor da dissertação explica que o grau de eficiência das células solares é medido de acordo com a energia que chega do Sol. Se, por hipótese, um sistema conseguisse captar todo o espectro solar, a sua eficiência seria de 100%. “Mas isso é impossível devido principalmente à perda da radiação com energia menor que a de absorção do material. Assim, a maior eficiência possível para uma célula solar simples é 33,7%, valor calculado pelo limite denominado Shockley-Queisser. As perovskitas talvez contribuam para, no futuro, nos aproximarmos deste valor com um custo reduzido em relação a outras tecnologias”, infere Szostak.
A expectativa do pesquisador é justificada, principalmente porque os estudos em torno da perovskita ainda estão em fase inicial no mundo todo. As primeiras pesquisas sobre o uso do material em células solares datam de 2009, portanto há menos de uma década. Na ocasião, um dos cientistas que investigavam as propriedades das perovskitas preparou uma célula solar com baixa eficiência. Três anos depois, um colega dele, da Inglaterra, promoveu modificações nos dispositivos e chegou a uma célula com 10% de eficiência. O resultado fez com que vários grupos científicos voltassem a atenção para as perovskitas.
Atualmente, há relatos na literatura de grupos que atingiram, em escala laboratorial, índice em torno de 20% com as células solares de perovskita. “Esse patamar é excelente, se levarmos em conta que as pesquisas são recentes”. Outra vantagem das perovskitas sobre o silício, continua Szostak, é que a sua preparação exige o uso de quantidades significativamente menores de energia em comparação ao silício.
Em outras palavras, isso representa redução de custos. “Além disso, as células de perovskita têm uma espessura muito fina, de cerca de um micrômetro. Ela pode ser aplicada, por exemplo, sobre um polímero leve e flexível. Isso é importante porque desta maneira podem ser preparados painéis solares robustos e leves, facilitando sua aplicação”, detalha.
Apesar da potencialidade das perovskitas, Szostak adverte que todos os resultados obtidos até agora com o material ainda estão em escala laboratorial. “Ainda vamos demorar alguns anos para deixar a bancada e transformar as células solares de perovskita em um produto comercial. Ainda há uma série de aspectos que precisamos desvendar sobre esse material”, diz. O grupo liderado pela professora Ana Flávia Nogueira conta com mais dois pesquisadores que estão dedicando seus trabalhos de pós-graduação à análise das propriedades das perovskitas.
Um deles, o doutorando Matheus Serra de Holanda, está buscando um método para evitar que o material, que é extremamente sensível à umidade, absorva a água presente no ambiente. “Estou promovendo modificações nas perovskitas, para evitar que a umidade interfira no processo de conversão direta da radiação em eletricidade. Felizmente, os testes que temos realizado estão gerando bons resultados”, informa.
Os dois pesquisadores chamam a atenção para a importância do avanço das investigações acerca do tema, especialmente em um país como o Brasil, que apresenta um dos maiores índices de insolação do mundo. “Nossas menores taxas de insolação são semelhantes às melhores taxas dos países europeus”, pontua Szostak. Segundo ele, embora a matriz energética brasileira tenha um expressivo percentual de fontes renováveis, é imprescindível que o país amplie essa participação, a exemplo do que vêm fazendo outras nações, notadamente as desenvolvidas.
Ainda que a matriz brasileira conte com uma elevada taxa de energia hidráulica, que é renovável, esta exige investimentos vultosos e acarreta impactos ambientais importantes, como lembra o autor da dissertação. “Nesse cenário, a ampliação de outras fontes de energia limpas, como a solar e a eólica, se tornam cada vez mais necessárias”, defende Szostak. De fato, o Brasil ainda vive na penumbra quando o assunto é a exploração da energia a partir da luz solar.
De acordo com o Plano Decenal de Energia Elétrica (PDE), divulgado no final de 2015 pelo Ministério das Minas e Energia (MME), atualmente a energia elétrica fotovoltaica responde por somente 0,02% da potência elétrica do Brasil. Se tudo correr bem e os projetos previstos forem integralmente executados, a previsão é que em 2024 esse índice avance para 4%.
Retornando à pesquisa desenvolvida no IQ, Szostak e Holanda assinalam que os trabalhos envolvendo a perovskitas têm necessariamente caráter interdisciplinar. Eles esclarecem que os problemas relativos ao uso do material dificilmente poderiam ser solucionados com o suporte de um único campo do saber. “A nossa equipe conta com químicos, físico e engenheiro eletrônico. Quando chegarmos ao ponto de migrar da bancada para a escala comercial, certamente precisaremos também do apoio de um engenheiro eletricista. Ainda estamos um pouco distantes de desenvolver um produto, mas nosso objetivo é esse”, reforça Szostak, que já iniciou o doutorado, no qual dará continuidade aos estudos em torno das perovskitas.
Material
Perovskita é o nome de uma estrutura cristalina descoberta pelo mineralogista alemão Gustav Rose em 1839, nos Montes Urais, na Rússia. O mineral foi batizado em homenagem ao também mineralogista russo Count Lev Alexevich von Perovski. Desde então, perovskita é usada para nomear uma classe de materiais. Uma perovskita pode ser puramente inorgânica ou híbrida, onde alguns componentes são orgânicos, como é o caso das utilizadas em células solares. Neste caso, a família de perovskitas com propriedades fotovoltaicas é composta por um cátion orgânico, um inorgânico, sendo chumbo ou estanho, e um halogênio, sendo iodo, bromo ou cloro.
Publicação
Dissertação: “Células solares híbridas baseadas em perovskitas”
Autor: Rodrigo Szostak
Orientadora: Ana Flávia Nogueira
Unidade: Instituto de Química (IQ)