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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 03 de outubro de 2016 a 16 de outubro de 2016 – ANO 2016 – Nº 671Desamparados e envenenados
Estudo da FCA mostra que saúde do agricultor expostoa agrotóxicos é sempre relegada a segundo plano
Um estudo conduzido pela pesquisadora Vanessa Fracaro Menck, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, constatou ações insuficientes, tanto do poder público como de movimentos sociais, contra os efeitos nocivos dos agrotóxicos sobre a saúde dos trabalhadores rurais.
A pesquisa foi desenvolvida como parte da dissertação de mestrado de Vanessa Menck junto ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da FCA. O estudo foi orientado e coorientado, respectivamente, pelas professoras Julicristie Machado de Oliveira e Milena Pavam Serafim, ambas da FCA. Houve financiamento, na forma de bolsa concedida à pesquisadora, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes).
A autora do estudo informa que os agrotóxicos têm efeitos nocivos em curto, médio e longo prazos na saúde dos trabalhadores rurais. Várias doenças, como câncer, infertilidade, disfunção hepáticas, entre outras, estão associadas à utilização destes defensivos agrícolas.
Dados levantados pela estudiosa da FCA apontam os agrotóxicos como a segunda maior causa de intoxicação no Brasil, perdendo apenas para os medicamentos. No estado do Tocantins, a intoxicação pelos defensivos agrícolas é a principal causa dos registros.
“A demanda por políticas públicas nesta área não vem nem do governo, nem dos movimentos sociais. A ênfase principal das ações envolve, de modo geral, a temática dos alimentos contaminados, dos direitos do consumidor e da importância econômica destes produtos, além de sua necessidade para ações de combate à fome. A saúde dos trabalhadores rurais fica quase sempre em segundo plano”, aponta a autora do trabalho.
Vanessa Menck também reconhece que existem dificuldades de percepção ou mesmo negação dos riscos sobre a utilização dos agrotóxicos por parte dos próprios agricultores, o que acaba perpetuando a utilização massiva e inapropriada dos defensivos. “Não se trata de culpar os trabalhadores rurais sobre essa questão até porque, na maioria das vezes, a negação dos riscos é a única saída que eles têm naquele momento”, pondera.
A autora acrescenta que dos 50 produtos mais utilizados na agricultura brasileira, 22 já foram proibidos em quase todos os países do mundo. “A legislação brasileira tornou-se obsoleta, incapaz de acompanhar o crescimento do mercado e as discussões internacionais. Observamos ainda hoje ações permissivas por parte do estado favorecendo as indústrias dos agrotóxicos, ao invés de proteger os trabalhadores rurais”, critica.
Um exemplo mencionado no estudo é o do produto “Roundup”, conhecido popularmente como “mata mato”. O glifosato, seu princípio ativo, é o herbicida mais utilizado no Brasil, sendo o principal responsável por intoxicações agudas no país. Vendido durante algum tempo como um produto biodegradável, o herbicida provoca doenças como má formação fetal e câncer, segundo relatório lançado em 2015 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Legislações e
políticas públicas
No estudo, a pesquisadora da Unicamp avaliou como a questão das intoxicações por agrotóxicos em trabalhadores rurais é reconhecida pelos diferentes ministérios do governo federal, por meio de legislações e políticas públicas. O estudo também analisou qual a relevância que os movimentos sociais envolvidos com a discussão da reforma agrária, agricultura familiar e agroecologia dão à temática.
Foram investigados, enquanto “atores” governamentais, os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), da Saúde (MS), do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Atualmente, o MDA e o MDS foram fundidos no Ministério do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário.
“São basicamente estes ministérios que participam do processo de análise e regulamentação dos agrotóxicos no país, sendo, portanto, do governo federal a incumbência de comprovar quais produtos fazem mal à saúde. Nosso estudo mostra, por exemplo, que um agrotóxico pode ser liberado de acordo com a legislação, mesmo com dano comprovado à saúde do trabalhador e ao meio ambiente. Isso acontece se seu uso for considerado ‘essencial’ para a agricultura, no caso, essencial do ponto vista econômico”, ressalta Vanessa Menck.
Ela salienta que sua pesquisa analisou extensivamente legislações e políticas públicas brasileiras na tentativa de situar as ações governamentais e não governamentais em contextos políticos e históricos. As análises dos documentos cobrem o período da primeira política em 1989 até a mais recente de 2016.
“Foram lidos na íntegra, fichados e descritos documentos de segurança alimentar e nutricional, de vigilância em saúde, do sistema único de saúde, guias alimentares, guias de vigilância em saúde, segurança do trabalho, políticas agrícolas e de meio ambiente, sistemas de notificação, dentre outros. Todos os artigos científicos encontrados nas bases de dados pesquisadas que trataram do tema até hoje também estão descritos no trabalho”, fundamenta.
Propagação
A pesquisa de Vanessa Menck traz dados que apontam ser o Brasil o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo, com consumo anual superior a 300 mil toneladas de produtos comerciais. O consumo nos últimos 40 anos aumentou 700%, enquanto a área agrícola cresceu 78% no mesmo período.
“Duas ações foram as grandes responsáveis pela propagação dos agrotóxicos no país. A primeira é o Plano Nacional de Defensivos Agrícolas (PND II), implementado entre 1975 e 1979, durante a ditadura militar. Este plano vinculava o crédito rural com o uso dos agrotóxicos. A segunda ação se estruturou a partir das Políticas de Incentivo à Ciência e Tecnologia, cujas práticas de extensão rural ‘ensinavam’ os agricultores a incorporar os agrotóxicos em suas atividades”, situa.
A principal contribuição para o aprimoramento das políticas públicas e, sobretudo, da visibilidade sobre as intoxicações por agrotóxicos em trabalhadores rurais, vêm dos chamados pesquisadores ativistas, revela Vanessa Menck.
“Artigos e publicações científicas têm denunciado sistematicamente os efeitos nocivos dos agrotóxicos e as recorrentes intoxicações de trabalhadores rurais. A maior evidência com relação ao tema vem, portanto, pelas ações e pesquisas acadêmicas, principalmente as que têm caráter ativista”, aponta.
De acordo com a autora, os chamados pesquisadores ativistas têm intensa participação na formulação das políticas públicas e na pressão exercida nos ‘atores’ governamentais. “São ações que se intensificaram a partir de 2011, ocorrendo de diversas formas, como filmes, documentários, cartilhas, participações em rádio, manifestações, posicionamentos publicados na internet, dentre outros.”
É deste período, por exemplo, a criação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos no âmbito da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, instituída em 2012 pelo governo federal. Outra ação importante, segundo a pesquisadora, é a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF), marco importante dentro das políticas públicas visando à saúde dos trabalhadores rurais.
“A redução de agrotóxicos é viável. Já existem tecnologias de caráter sustentável, econômicas e que podem ser incorporadas pelos agricultores familiares. Estas, por conseguinte, retomam conhecimentos tradicionais e incorporam os avanços tecnológicos adequados. Deste modo, por meio de produções orgânicas e agroecológicas, pode-se considerar tanto a qualidade do alimento e a soberania alimentar, quanto à qualidade de vida do trabalhador.”
Publicação
Dissertação: “Intoxicação do(a) trabalhador(a) rural por agrotóxicos: (sub)notificação e (in)visibilidade nas políticas públicas”
Autora: Vanessa Fracaro Menck
Orientadora: Julicristie Machado de Oliveira
Coorientadora: Milena Pavam Serafim
Unidade: Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA)
Financiamento: Capes