Edição nº 671

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de outubro de 2016 a 16 de outubro de 2016 – ANO 2016 – Nº 671

Grupo desenvolve resina antimicrobiana

Material aumenta a resistência a ataques de bactérias
responsáveis pela formação de cáries

Trabalho sobre resina com efeito antimicrobiano foi desenvolvido pelo Grupo Multidisciplinar de Biomateriais, formado por membros da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) e da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), ambas da Unicamp, e da Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN).  Os pesquisadores desenvolveram e estudaram a incorporação de um filme antimicrobiano formado por monômero ativo, que pode ser incorporado aos materiais resinosos preventivos de uso odontológico como os selantes oclusais infiltrantes para a paralisação da cárie e as resinas e sistemas adesivos para restauração dentária. Ao ser aplicado nos processos preventivos, interceptadores e de restaurações dentárias, o material oferece resistência ao ataque microbiano responsável pela formação de cárie, aumentando a durabilidade das restaurações e protegendo o dente.

Embora o dentista limpe a cavidade do dente cariado da melhor forma possível, podem restar bactérias que venham no futuro a desenvolver nova cárie. Então, seria desejável que o adesivo que une a restauração e a estrutura do dente tivesse em sua composição um bactericida capaz de combater eventuais microrganismos residuais, além de impedir que outras bactérias ataquem a cavidade restaurada formando um novo biofilme (filme microbiano) que dará origem a novas cáries.

Pesquisas têm sido feitas com o objetivo de produzir e testar materiais restauradores com propriedades antimicrobianas, capazes de inibir a adesão ou o desenvolvimento de biofilmes sobre restaurações. Desse modo, o material estaria protegendo a polpa subjacente às cavidades preparadas, e controlaria os efeitos deletérios exercidos pelo biofilme nas restaurações.

Atualmente os materiais que existem no mercado para essas funções não contêm antissépticos e apenas um deles tem adição de um composto com essa finalidade, à base de bromo, utilizado em um sistema adesivo. Porém, ao longo do tempo os antimicrobianos se soltam da resina, a qual perderá sua característica antimicrobiana desejada e também ficará porosa, perdendo as propriedades mecânicas que dão resistência à restauração (resina odontológica). 

Para contornar esses problemas, o grupo de pesquisadores constituído pela professora Lucia Helena Innocentini Mei (FEQ/Unicamp); professora Regina Maria Puppin Rontani (FOP/Unicamp); pelo engenheiro químico Jesus Roberto Taparelli, doutorando da FEQ; pela odontóloga Roberta Caroline Bruschi Alonso (UNIAN); e pela odontóloga Andréia Bolzan de Paula, docente da FOP, propôs o desenvolvimento de materiais restauradores, com propriedades antibacterianas, utilizando uma técnica de fixação do antimicrobiano Triclosan diretamente na resina.

Este antibacteriano é largamente utilizado no preparo de produtos dermatológicos e de higiene oral, como dentifrícios e enxaguatórios bucais, devido ao perfil de segurança e ao amplo espectro de ação, mesmo quando utilizado em pequenas quantidades. 

Diante disso, explica Lucia Mei, “a ideia foi sintetizar um monômero acrílico derivado, à base de triclosan, que pudesse ser incorporado diretamente na resina odontológica e que tivesse ação sobre o biofilme dentário, sem ser liberado no meio bucal. Dessa forma evitar-se-ia o surgimento de porosidade da resina odontológica, bem como a toxicidade do antibacteriano no ambiente bucal”.

Em decorrência, esclarece Andréia Bolzan de Paula, revela-se de fundamental importância avaliar as propriedades antimicrobianas e citotóxicas, e a influência deste agente nas propriedades mecânicas e na resistência à degradação biológica de compósitos restauradores, bem como verificar o efeito dessa associação sobre o biofilme. No caso das resinas obtidas pelo grupo com sucesso, a partir do novo monômero antibacteriano incorporado à cadeia, a desagregação e a formação de porosidades não ocorreram.

O trabalho
A partir desse novo polímero sintetizado pela equipe, Andreia, orientada pela professora Regina Maria Puppin Rontani, preparou uma resina para ser utilizada como filme no revestimento da cavidade dentária e também como resina restauradora, ambas agora também com função antibacteriana, diferentemente dos materiais de uso convencional. Concretizava-se assim a ideia de desenvolver resinas com antisséptico capaz de matar bactérias que eventualmente tenham permanecido na cavidade do dente por ocasião da restauração e também de impedir que as que cheguem às restaurações sobrevivam e penetrem no dente.

Regina enfatiza: “Esse novo monômero pode ser utilizado em várias situações que envolvem a prevenção da cárie: como selante aplicado em determinados dentes na prevenção de cáries dentárias, principalmente em crianças, ou infiltrante de lesões de cárie, com a finalidade de paralisar a progressão da cárie, como adesivo na cavidade dental antes da aplicação da restauração, ou no próprio material restaurador”.

Ela acrescenta ainda que uma das resinas foi testada como infiltrante em dentes que apresentam indícios iniciais de formação de cárie. Neste caso, ela penetra na região do dente que começa a ser atacada, fortalece a área e exerce efeito antibacteriano na superfície, impedindo a propagação da cárie. Estes testes foram feitos in vitro e serão proximamente realizados in vivo.

Contexto
O estudo desenvolvido se inseriu no projeto de pós-doutorado de Andreia, apoiado pela Fapesp, que utilizou o monômero desenvolvido para elaboração de materiais restauradores. Ela realizou análises preliminares envolvendo citotoxicidade celular, para determinar possíveis efeitos nocivos desse novo material quando em contato com as células provenientes da mucosa bucal; e testes mecânicos, para avaliar a resistência do material, que apontaram positivamente para o uso do material pelos efeitos antimicrobianos e propriedades mecânicas similares aquelas dos materiais comercializados.

Os testes in vitro permitiram determinar a atividade do novo material desenvolvido, comprovada pela morte das bactérias do biofilme, produzido em laboratório. Para os testes mecânicos a nova resina restauradora foi comparada com o controle constituído de materiais comerciais convencionais, que não utilizam antibacteriano. Na maioria dos quesitos os resultados mostraram-se bem similares. A professora Lúcia enfatiza: “Deve ser destacado que o nosso material apresentou um desempenho mecânico tão bom quanto o disponível no mercado, que não tem o efeito antibacteriano, e não revelou toxicidade”.

Andréia lembra que o estudo gerou várias publicações relacionadas ao desenvolvimento de resinas a partir do monômero com Triclosan, apresentadas em congressos nacionais e internacionais. Ela recebeu o prêmio Menção Honrosa no congresso organizado, em 2013, pelo Grupo Brasileiro de Materiais Dentários, que reúne anualmente pesquisadores de materiais dentários de todo o Brasil.

A professora Lucia Mei menciona o progresso que o grupo multidisciplinar tem feito nessa linha de pesquisa, que lhe permite agora requerer patente do processo de síntese deste novo monômero funcionalizado, com vistas à utilização no desenvolvimento de resinas com características bactericidas. Ainda, segundo a professora, a contribuição do consultor e engenheiro químico Jesus Roberto Taparelli, que trouxe para a Universidade sua grande experiência em indústrias químicas nacionais e multinacionais, foi muito importante. Considera que sua participação e o aporte teórico oferecido pela Universidade foram fundamentais no desenvolvido de todo o trabalho que levou à síntese do monômero funcionalizado.