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Pesquisadores da FCM identificam
gene associado à menopausa precoce

Resultados da pesquisa acabam de ser publicados em revista internacional

EDIMILSON MONTALTI

A geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra e o pediatra Gil Guerra-Júnior: caso raro despertou a atenção de pesquisadores (Foto: Antoninho Perri)Pesquisadores do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp participaram da equipe que descobriu o envolvimento do gene NR5A1, também chamado de fator esteroidogênico 1, em casos de falência ovariana prematura, popularmente conhecida como menopausa precoce. O trabalho traz dados colhidos pelo pediatra Gil Guerra-Júnior e pela geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra, em colaboração com pesquisadores do Instituto Pasteur, de Paris, e da London University, da Inglaterra. Os resultados – que consumiram mais de 10 anos entre o estudo dos casos e o diagnóstico – acabam de ser publicados no The New England Journal of Medicine, uma das revistas de maior prestígio do segmento.

Foram estudadas quatro famílias – uma brasileira e três européias – com casos de insuficiência ovariana em mulheres, além de 25 casos esporádicos da doença. A descoberta, de acordo com os professores da Unicamp, abre uma nova frente de pesquisa para saber qual a real participação desse gene no desenvolvimento ovariano e na menopausa precoce, problema que acomete cerca de 1% das mulheres com menos de 40 anos de idade.

Caso raro
Há cerca de dez anos, uma família do interior da Bahia buscou o atendimento de rotina do Giedds no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. O caso chamou a atenção dos pesquisadores. Duas irmãs, filhas de pais que eram primos, nasceram com uma alteração genética do aparelho reprodutor. Uma delas tinha uma ambigüidade genital evidente – havia testículos com estrutura anormal –, mas ela não nasceu com características masculinas típicas, e sim intermediárias entre as femininas e masculinas. A outra irmã, que tinha genitais femininos, não chegou a desenvolver características sexuais na puberdade. O ovário entrou em falência antes da adolescência. Os pesquisadores fizeram a análise cromossômica (cariotipagem) e descobriram que a primeira tinha sexo genético masculino (XY) e a outra feminino (XX).

“As duas eram mulheres, porém, uma delas foi programada para ser homem e a outra não desenvolveu a puberdade. Por serem filhas de pais consanguíneos, tudo indicava uma doença hereditária. Agora, decorrente da alteração em que gene? Na verdade, uma situação como a delas não tinha paralelo na literatura”, comentou a médica geneticista Andréa Trevas Maciel-Guerra.

O caso brasileiro foi discutido na década passada num encontro entre os pesquisadores brasileiros e europeus na França, e o material genético dessa família foi guardado. Recentemente, o pesquisador Ken McElreavey, do Instituto Pasteur, percebeu que a mutação do gene NR5A1, que se localiza no cromossomo 9, poderia estar relacionada à falência prematura do ovário. O pesquisador observou essa mutação ao estudar o caso de duas famílias francesas e uma turca. Imediatamente, McElreavey alertou os pesquisadores brasileiros, que reviram o histórico da família brasileira.

De acordo com Andréa, sempre que se lida com doenças raras, é difícil esperar que novos casos surjam. O melhor é ter um banco de dados e rever os casos, sempre que alguma informação nova surja. “Após dez anos, a família teve um diagnóstico definitivo para o caso”, comentou a geneticista.

Desvio de rota
De acordo com os pesquisadores, sabia-se que o gene NR5A1 tinha uma importante participação na formação e manutenção na gônada masculina, os testículos. Os pesquisadores tinham conhecimento de que esse mesmo gene interferia nas glândulas adrenais. As adrenais ficam acima dos rins e são responsáveis pela produção de vários hormônios esteróides, principalmente o cortisol.

As primeiras mutações desse gene, encontradas em pacientes do sexo masculino, foram associadas à insuficiência adrenal. Isso fez com que os estudos fossem conduzidos por esse caminho. Entretanto, os casos europeus e o brasileiro deram um novo rumo às pesquisas. Até a publicação do trabalho, relatam os pesquisadores, todos os trabalhos mostravam que a alteração da glândula adrenal ocorria em homens e mulheres; e a gonadal, só em homens.

“Essa pesquisa mostra que a alteração gonadal pode também ser em mulheres. Daí a grande importância e o ineditismo da descoberta. Muito se sabe sobre o desenvolvimento da gônada masculina, mas pouco sobre o da gônada feminina. Aos poucos, a medicina está descobrindo genes que são importantes não só para a formação, mas também para a manutenção do ovário”, disse Gil Guerra-Júnior. As gônadas têm um período de validade. Quando elas entram em falência, ocorre a menopausa nas mulheres e a andropausa no homem.

Entretanto, alerta o pesquisador, achar uma mutação genética não significa que ela seja a causa do problema. “Você tem que provar que aquela alteração é a causa”, concluiu.

Para se chegar à mutação desse gene, vários outros foram descartados. O Laboratório de Genética Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, que colaborou na pesquisa, afastou todas as possíveis mutações em outros genes dessa família que podiam interferir no resultado. O laboratório francês também fez o mesmo. Os estudos funcionais do gene NR5A1 foram feitos em colaboração com o serviço inglês, que tinha mais experiência em estudá-lo.

O estudo genético de outros membros da família brasileira, que não apresentavam problemas nas gônadas, e o estudo funcional da mutação, permitiram provar o envolvimento da mutação no gene NR5A1.

“É comum as pessoas afirmarem ‘a causa foi encontrada, então haverá tratamento’. Saber a causa é meio caminho andado, mas é preciso prudência, pois não significa que a continuação dos estudos vá levar a um tratamento ou cura”, ponderou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

Tratamento
A forma mais precoce de falência ovariana é a menina não desenvolver a puberdade. Nesses casos, em vez de ovários ela tem gônadas disgenéticas, que são formadas apenas por um tecido fibroso e não funcionam. Outra possibilidade é a de haver puberdade e, após um período de menstruações regulares ou irregulares, a menstruação desaparecer. O primeiro caso é chamado de amenorréia primária e o segundo, de amenorréia secundária. Pode acontecer ainda de a mulher passar pela fase da puberdade, menstruar, mas não engravidar. “O problema é no ovário. Há dosagens hormonais específicas que mostram que o ovário está em falência. Então, o gene NR5A1 está agora entre as causas genéticas de menopausa precoce. Com que freqüência, é o que nós vamos passar a estudar” explicou Gil Guerra-Júnior.

O estudo mostra que basta estar a mutação em dose única para prejudicar o desenvolvimento da gônada (efeito dominante). A exceção é a família brasileira, na qual o problema só se manifestou quando a mutação estava em dose dupla (herança genética recessiva). No caso da família estudada pelo pesquisadores do Giedds, um dos irmãos normais não tem mutação e outros quatro a têm em dose única. Se um desses quatro irmãos se casar com outra pessoa que também tenha a mutação em dose única, o que é mais fácil de ocorrer se for alguém da mesma família, o risco de ter filhos com problemas nas gônadas é grande. “Cabe, aqui, o aconselhamento genético familiar. Eles foram orientados a nos procurar, caso desejem”, comentou Andréa.

No caso de famílias com histórico de falência ovariana prematura, prevê a geneticista, será possível fazer um exame de DNA para identificar se há mutações nesse gene. Se uma mulher com casos de falência ovariana prematura na família tiver certeza de que tem a mesma mutação responsável pelo problema e o ovário dela ainda estiver em funcionamento, ela pode fazer a preservação dos óvulos e utilizar o método da fertilização in vitro mais tarde, quando estiver casada e desejar ter filhos. “Digamos que eu estou com 20 anos e tenho uma irmã ou uma prima com menopausa precoce que tem mutação nesse gene. Eu tenho que ser informada sobre essa mutação e sobre a possibilidade de eu fazer um exame para saber se posso ter o mesmo problema. A decisão sobre fazer ou não o exame tem que ser minha. Se eu fizer, posso me valer de um diagnóstico precoce e, com isso, procurar de alguma maneira preservar a minha fertilidade”, explicou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

Experiência
A descoberta da mutação no gene NR5A1 nessa família brasileira não aconteceu por acaso. O caso teria passado despercebido se a Unicamp não tivesse um grupo de pesquisadores que há 20 anos estuda doenças raras. O Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) foi criado em 1988 para centralizar o atendimento a pacientes com genitália ambígua e outras anomalias congênitas do aparelho reprodutor. As atividades de atendimento médico, ensino e pesquisa do Giedds são desenvolvidas no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas, no laboratório de Citogenética Humana do Departamento de Genética Médica da FCM e no laboratório de Genética Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp. O Giedds é um grupo interdisciplinar que conta com a participação de pediatras, geneticistas, endocrinologistas, psicólogo e assistente social.

“Já estudamos mais de mil casos no ambulatório. Há pacientes com distúrbios da diferenciação do sexo, termo que já usávamos desde o início e que só agora é adotado como consenso mundial, e há pacientes com Síndrome de Turner, uma aberração cromossômica que também manifesta alterações gonadais, mas que, raramente, resulta em ambiguidade genital”, comentou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

Como essas situações são raras, o manejo interdisciplinar e a experiência em lidar com os pacientes são fundamentais. “Para chegar ao diagnóstico e definir, em casos de recém-nascidos, o sexo de criação, as opções cirúrgicas, os procedimentos e os tratamentos, é preciso ter muita experiência”, comentou Gil Guerra-Júnior.

Uma experiência que o grupo passou em 2002 e vai voltar a passar é o lançamento do livro Menino ou menina: os distúrbios da diferenciação do sexo, previsto para o segundo semestre deste ano. O livro, único no gênero no mundo, de acordo com os pesquisadores, incluirá, nessa segunda edição, as pesquisas dos últimos sete anos, inclusive o caso da família brasileira.

“O livro havia envelhecido. Em sete anos, muita coisa mudou. A informação sobre o gene NR5A1 será incluída no capítulo sobre mutações genéticas associada às gônadas disgenéticas e testículos rudimentares”, explicou Andréa Trevas Maciel-Guerra.

“Depois de 20 anos, nós nos sentimos gratificados, em virtude de nossa forma de atuação ser reconhecida no mundo todo como a mais adequada para esses pacientes. Nossa proposta é conhecer melhor cada caso dessas condições raras, para propor, no futuro, novos diagnósticos e condutas”, concluiu Gil Guerra-Júnior.

O Giedds atende todas as quartas-feiras de manhã, no ambulatório de pediatria do HC da Unicamp.

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