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Falta emancipar
Tese aponta que programas de
combate à pobreza não promovem
a independência dos beneficiários do Estado

MANUEL ALVES FILHO

Os programas de transferência de renda e segurança alimentar adotados por Brasil, México e Peru reduziram a taxa de pobreza nos três países da América Latina, mas têm se mostrado insuficientes para superar o problema definitivamente. A constatação faz parte da tese de doutorado da economista Luciana Rosa de Souza, que acaba de ser defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. De acordo com o estudo, além de apresentarem limitações, as iniciativas encontram-se pulverizadas e fragmentadas, fatores que dificultam a promoção da emancipação dos beneficiários. “Falta a esses países a criação de uma rede de proteção social mais ampla, de forma a fazer com que as pessoas deixem de se tornar dependentes do Estado”, avalia a autora do trabalho, que foi orientada pelo professor Walter Belik.

Luciana conta que decidiu investigar as ações de combate à pobreza nas referidas nações porque cada uma delas adotou um desenho de política diferente. O México, por exemplo, enxerga o programa de transferência de renda como uma alternativa de melhorar a vida das futuras gerações. Nesse sentido, o país está mais preocupado com os filhos dos pobres do que com estes propriamente ditos. Uma das políticas executadas é o depósito anual de uma determinada quantia em dinheiro numa conta em nome do estudante que apresenta bom desempenho escolar. Ao cabo do que seria o ensino médio brasileiro, o beneficiário pode usar o montante para abrir um negócio próprio ou pagar a faculdade. Além disso, o México também mantém políticas nas áreas de segurança alimentar e nutrição.

No Peru, o conjunto de medidas apresenta um desenho com caráter mais emancipatório, pelo menos na formulação, conforme a autora da tese. O objetivo é tirar o beneficiado da pobreza, oferecendo-lhe, num período de até seis anos, condições para uma futura inserção no mercado de trabalho. “Já o Brasil parece estar caminhando mais na direção da efetivação desses programas sociais como um direito”, considera. Ainda que as ações sejam diferentes entre si, Luciana diz ter encontrado um aspecto que as aproxima. “Ainda que os desenhos sejam distintos, todos eles se afunilam naquilo que eu chamo no trabalho de ‘estratégias de combate à pobreza’. E o que são essas estratégias? Nada mais do que a tentativa dos países de agrupar os diversos programas, que se encontram fragmentados e pulverizados. Atualmente, essas políticas não têm interface umas com as outras; não existe transversalidade”, aponta.

E é justamente o desenho desses programas, prossegue a autora da tese, que impede que eles avancem na proposta de emancipar a população mais pobre da tríade latino-americana. De maneira geral, os países colocam os programas de transferência de renda como a solução de todos os males, quando isso está longe de ser verdade. “No geral, a coisa funciona da seguinte maneira. Emerge uma crise, os governos apressam-se em ampliar o número de atendidos e o consequente repasse de recursos. Ocorre, no entanto, que esse tipo de política tem alcance e impacto limitados. Não é por outra razão que tanto o Brasil quanto o México ainda têm pelo menos 20% de seus habitantes situados abaixo da linha de pobreza. No Peru, essa taxa está acima de 30%”, informa.

E o que falta para que essas ações deixem o campo do assistencialismo e ingressem na esfera mais efetiva da promoção social dos pobres? Na opinião de Luciana, a deficiência está na ausência de uma rede de proteção social mais ampla para atender a essas populações. “Essas pessoas carecem de serviços essenciais de todas as naturezas. Elas precisam de políticas públicas na área da saúde, educação, transporte, moradia, segurança etc. Não adianta repassar R$ 200 por mês para um beneficiado e esperar que ao cabo de algum tempo ele consiga se inserir no mercado de trabalho e se manter com seus próprios recursos, sem que ele tenha recebido educação formal ou qualificação profissional”, assinala. A economista observa que os programas pertencentes a uma rede de proteção social somente têm eficácia quando são dirigidos à sociedade como um todo e não exclusivamente para os pobres. “Enquanto for algo ‘apenas para pobre’, o quadro não vai mudar. Por analogia, uma política pública na área de transportes só poder ser considerada como tal se os moradores do DIC 5 e do Cambuí [bairros de Campinas (SP)] pegarem o mesmo metrô para se dirigir à Unicamp”.

Luciana explica que a intenção da sua tese não foi estabelecer comparações quantitativas entre os três países tomados para estudo, até porque eles apresentam dimensões geográficas, populações e problemas diferentes. Ademais, Brasil e México já vêm adotando ações de combate à pobreza há cerca de15 anos. No Peru, a experiência tem seis anos, e somente agora os primeiros resultados poderão ser de fato avaliados. “A ideia do trabalho foi entender melhor a evolução da política social na América Latina, tomando os três países como exemplo. Não foi possível, obviamente, comparar números. Enquanto no Brasil os programas de combate à pobreza somam 13 milhões de beneficiados, no México e no Peru esses números são, respectivamente, 5,6 milhões e um milhão”.

Em relação especificamente ao Brasil, a economista entende que as iniciativas adotadas pelo governo federal têm contribuído para a redução dos níveis de pobreza, mas adverte que elas não são as únicas responsáveis por esse avanço. Um fator que ajudou a tirar um contingente significativo de brasileiros da linha de pobreza foi o crescimento econômico do país nos últimos anos. “As pesquisas têm apontado que o que tem reduzido a pobreza por aqui é muito mais a formalização do mercado de trabalho do que a transferência de renda”, diz. Ainda em relação ao Brasil, Luciana pensa que o país talvez possa dar um passo à frente com o advento do Plano Brasil sem Miséria, lançado há aproximadamente seis meses pelo governo Dilma Rousseff.

Dito de modo simplificado, a ação pretende seguir na direção da emancipação dos assistidos, a partir da criação de uma rede articulada de serviços. A promessa de seus idealizadores é identificar quem precisa, mas ainda não é alcançado pelos programas de promoção social, e ajudar quem já recebe a buscar outras formas de renda e de melhoria das condições de vida. Entre as medidas práticas previstas estão a qualificação da mão de obra e identificação de oportunidades de emprego para os mais pobres. “Aparentemente, o que se deseja é oferecer suporte para que o beneficiário se emancipe. Se isso for de fato implementado, pode representar um avanço”, pondera.

Luciana faz questão de destacar que a sua tese não é contra os programas de combate à pobreza. “Na verdade, o trabalho é favorável a esse tipo de política pública, mas tem por obrigação apontar as limitações das ações que têm sido adotadas. É preciso que os formuladores de políticas públicas também reconheçam essas insuficiências, para que não continuemos batendo na mesma tecla. Do contrário, o Brasil corre o risco de ainda apresentar, daqui a 16 anos, um índice de pobreza próximo dos 20% da sua população”. De modo geral, acrescenta a autora da tese, tanto o Brasil quanto os outros dois países precisam unificar suas ações de combate à pobreza e definir objetivos mais claros. “Todos necessitam de um choque de gestão nessa área”.

A economista conta que lançou mão de uma metodologia simples para desenvolver o seu estudo. Ela basicamente olhou para o desenho e checou os resultados das ações de combate à pobreza executadas pelas nações tomadas para análise. Luciana, que atualmente é professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e da Faculdades de Campinas (Facamp), usou dados fornecidos por instituições como a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e Banco Mundial, entre outras. “Também utilizei algumas informações oficiais dos três países pesquisados, mas evitei me basear fortemente nelas, na tentativa de ser o mais imparcial possível”, esclarece.

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■ Publicações

Artigos

SOUZA, Luciana Rosa de . Desenho e Implementação dos Programas Bolsa Família e Juntos: construindo uma curva de aprendizagem . In: V Seminário Internacional - Programas de Transferencia Condicionados en América Latina y el Caribe: perspectivas de los últimos 10 años, 2010, Santiago - Chile. V Seminário Internacional - Programas de Transferencia Condicionados en América Latina y el Caribe: perspectivas de los últimos 10 años, 2010.

SOUZA, Luciana Rosa de . Conditional Cash Transfer and food security policies with the point of contact between both concepts? The example of Brazil. In: XIII Congresso BIEN, 2010, São Paulo. Anais do XIII Congresso do BIEN, 2010.

SOUZA, Luciana Rosa de . Drawing and implementation of the programs “Juntos” and “Bolsa Familia”: constructing a ‘curve of learning’. In: XIII Congresso BIEN, 2010, São Paulo. Anais do XIII Congresso do BIEN, 2010.

Tese: “Entre a teoria e a prática: uma análise das políticas de combate à pobreza em três países da América Latina – México, Brasil e Peru”
Autora: Luciana Rosa de Souza
Orientador: Walter Belik
Unidade: Instituto de Economia (IE)

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