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Guinada para a política fiscal
Mecanismos complementares adotados por
governos serviram para atenuar efeitos da crise


A crise econômico-financeira de 2008, iniciada nos Estados Unidos, mexeu nas estruturas do modelo teórico dominante (ortodoxo), que depositava total confiança na política monetária e que minorizava a política fiscal, considerada ineficiente quase que consensualmente. Essa crise mostrou que a política monetária em si não foi suficiente para debelá-la e que é necessário adotar mecanismos fiscais complementares. Mudanças efetivas estão por ser feitas a fim de se obter um melhor mix de política – tanto da política fiscal, para ter uma maior aceitação e execução, quanto da política de ajuste econômico. Foi o que concluiu Flávio Arantes dos Santos em sua dissertação de mestrado, apresentada ao Instituto de Economia (IE), depois de tentar entender a teoria que está por detrás da execução da política econômica e em que medida essa crise influenciou a mudança dessa teoria. “Essa forma de se fazer política econômica, centrada unicamente na política monetária, tinha sido validada através de um amplo processo, de 20-30 anos atrás, criando-se a visão de que era o melhor modo de se praticar política macroeconômica”, comenta o economista.

O estudo de Flávio foi concebido para o contexto econômico-financeiro mundial, e o recorte realizado por ele incluiu uma avaliação de 2008 até 2011 (mas cuja crise ainda prossegue), pois foi quando os ortodoxos começaram a pensar mais teoricamente a política fiscal e as formas de validar essa prática. A política fiscal, explica ele, é o meio pelo qual um governo ajusta seus níveis de gastos e receitas para monitorar e influenciar a economia de um país. Isso se relaciona às medidas que mudam a tributação, os incentivos fiscais ou o montante das transferências e, na época da crise, pode ser exemplificado pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Ele procurou demonstrar que, a partir desse marco, a política fiscal começou a ser mais usada no mundo, uma vez que, antes, o que se tinha é que o modelo não era viável. “Mas ainda hoje, nas discussões sobre o tema, fala-se muito em política monetária, que é o ajuste da taxa de juros do Banco Central (BC)”, explica.

A corrente ortodoxa se armou com argumentos tratando a política fiscal como ineficiente e defendendo o argumento do Estado mínimo. A prática de aumentar ou reduzir a taxa de juros, para brecar a inflação ou para estimular a economia, que caracterizam a política monetária, ficou abalada nessa crise. “Contudo, este foi um episódio no mercado financeiro em que todos os governos tentaram medidas monetárias de estímulo da economia por redução de taxa de juros ou por incentivo à liquidez”, contextualiza Flávio.

Como as medidas monetárias foram insuficientes, os governos recorreram aos grandes pacotes de estímulo fiscal. No caso dos EUA, foram injetados US$ 700 bilhões na tentativa de os gastos estimularem a economia. O caso brasileiro foi “dúbio”, garante o mestrando, isso porque o governo tomou a crise para justificar medidas que já integravam suas estratégias políticas. Uma delas foi atuar para consolidar melhor o mercado interno, o consumo.

O Brasil já vinha de um histórico de incentivos para se gastar no país. Quando estourou a crise, enquanto em outros países se faziam estímulos fiscais, o governo brasileiro deu um passo além para validar as medidas que já tomava e fazer mais. Os exemplos mais clássicos foram a redução de tributação para carro e para linha branca, além do aumento de transferências.

Indagado sobre essa estratégia do governo, Flávio opina que as medidas de política fiscal foram inteligentes e que a crítica que os economistas heterodoxos têm é com relação à execução da política apenas via BC. Quando ele usa um único instrumento de política econômica, torna-se debilitado, isso porque esta é apenas uma forma de se fazer política econômica, e política de ajuste.

Os profissionais que lidam com política fiscal entendem que as medidas fiscais têm ação mais direta no mercado e na demanda agregada e, se bem-elaboradas e bem-executadas, são mais efetivas que qualquer outra política. À guisa de curiosidade, quando a economia está desestimulada, não há consumo. Se ao invés de apenas reduzir a taxa de juros, também são tomadas medidas de gasto público, se o governo gasta diretamente com dinheiro (investindo ou solucionando problemas de cadeias), isso em si se constitui uma demanda que gera renda e empregos. Logo, conclui o pesquisador, as medidas fiscais são mesmo eficientes.

Mapeamento

Ele conta que, para atingir seus objetivos, fez um mapeamento da discussão teórica em favor da política monetária e depois mapeou a discussão da política fiscal, fato inédito nos debates da teoria dominante. Quando houve a crise e foram buscadas medidas de incentivo fiscal para solucioná-la, não se sabia por onde começar, posto que há anos não surgiam propostas mais consolidadas. O mestrando diz que ninguém mais, da visão ortodoxa, pensava sobre a política fiscal e, quando essa ala se voltou para ela, foi ‘um tiro para todos os lados’. “Tentei mostrar para onde ela estava atirando e como estava atirando para saber o que estava buscando”, conta.

O mapeamento permitiu notar que os ortodoxos estavam indo para o campo de multiplicadores fiscais, estabilizadores automáticos e sustentabilidade das contas públicas. Eles acreditam que a sustentabilidade das contas públicas (ou seja, o governo gastar menos do que arrecada para gerar superavit primário e pagar juros da dívida) é condição indispensável à estabilidade da economia e crescimento econômico. E buscam isso a todo o custo. Acontece que, com a crise, ainda que defendendo a sustentabilidade das contas públicas, passaram a aceitar que ela não viesse a todo custo e que os governos poderiam extrapolar os gastos para socorrer a economia e só depois que as economias voltassem a crescer poderia retomar um maior controle fiscal. Com isso, a crise foi pretexto para que todos refletissem diferente da visão dominante do funcionamento da economia: de que existe uma política só – a de juros.

A primeira área de escape, lembra Flávio, foi apelar para medidas alternativas, de política fiscal. As evidências sinalizaram que essa política era eficiente nas soluções. “Apesar do descrédito da corrente ortodoxa, foi o que salvou as economias de uma crise mais forte, ainda que as provas sugiram que ela não é a política para substituir a política monetária, com vistas ao incentivo da demanda e ajuste do produto”, pontua. “Ela pode ser complementar à política monetária de acordo com o pensamento heterodoxo (é o pensamento do IE da Unicamp).”

Dentre os países que se sobressaíram na visão da política fiscal, durante a crise mais aguda, o Brasil foi um deles. “Quando o ex-presidente Lula afirmou que a crise não tinha sido tão forte aqui, isso foi fato”, assegura Flávio. O país se deu bem pelas medidas que já vinha tomando.

Ao revisar a literatura, o economista observou que a política monetária, para a corrente ortodoxa, era a política mais acertada e que por isso recorreu a argumentos contrários à política fiscal. “Convencionou-se não se falar nessa política.” O pesquisador também apontou que, a partir dessa crise, a política fiscal começou a ser revista, vindo à baila num movimento simultâneo, tanto de necessidade de ajuda como medidas teóricas para busca de sua validação. “Como essa visão dominante não pensava e não discutia política fiscal, foi meio que o caos”, dimensiona o autor.

Peculiaridades

Foram mapeados os pontos de divergência e de convergência na política fiscal. Um dos pontos para o qual não existe acordo é o tamanho do multiplicador fiscal (o quanto a política fiscal vai impactar a demanda agregada); hipoteticamente, se os seus defensores acham que o aumento de 1% nos gastos públicos vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) em 2,5% ou 4%, eles não conseguem saber o quanto. Essa foi a área de maior divergência, segundo Flávio.

Já o ponto de convergência é quanto aos estabilizadores automáticos. Eles querem reforçar o que já existe e que é medida fiscal. Quando começa a cair o PIB, por exemplo, começa a haver desemprego; quando existe desemprego, aumenta o pagamento do seguro-desemprego, que é um estabilizador automático. Enquanto as pessoas o estão recebendo, o PIB não cai muito, já que elas ainda têm renda para gastar. “Esse mecanismo fiscal tem que ser fortalecido para a visão dominante, seja aumentando prazos de pagamento (e a quantidade) ou produzindo mecanismos de estabilizadores automáticos capazes de serem ativados quando começa a cair o produto por longo período. Ainda que não chegando a um consenso em tudo, as duas correntes creem que este tipo de medida automática, para conter a queda no PIB, deve ser encorajada”, considera Flávio.

Após o mapeamento, concluiu-se que, não obstante as provas da crise e da queda do PIB nos países, da falha do modelo teórico que justifica essa prática de política econômica, as mudanças ainda são marginais. É que esses modelos teóricos não abrigavam o setor financeiro, que foi onde começou a crise. Passaram a colocar variáveis indicando o funcionamento deste setor para dar ares de controle. Nesse sentido, tiveram mudanças, principalmente nessa visão do setor financeiro.

Para o economista, falta pensar em outros ajustes, e diretos, sobre a demanda agregada, que sejam utilizados para quando ocorre algum problema na economia real. A ideia é usar a política fiscal quebrando estereótipos de que ela é ineficiente e gera inflação. É preciso usar o seu potencial para não ficar ‘refém’ da política monetária, assinala Flávio, que é graduado pela Unicamp e atua em um projeto no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências e como colaborador no Centro de Conjuntura de Política Econômica (Cecon) do IE.

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■ Publicações

Tese: “A nova síntese neoclássica frente à crise econômica: a volta da política fiscal?”
Autor: Flávio Arantes dos Santos
Orientador: Antonio Carlos Macedo e Silva
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: Capes

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