Jornal
da Unicamp – Qual o balanço que a comunidade científica
fez da primeira fase do Biota? De que forma essa análise
orientou a projeção para os próximos dez anos?
Carlos Alfredo Joly – No começo
do ano, em fevereiro, nós fizemos uma avaliação, que contou
com o trabalho de um comitê externo. Enviamos um questionário
aos pesquisadores, para saber a opinião deles sobre como
o programa colaborou para o avanço do conhecimento em suas
respectivas áreas, o número de pessoas que foram formadas,
como estão as coleções etc. Tivemos um retorno da ordem
de 70%, o que demonstra o alto grau de envolvimento da comunidade.
O que ficou constatado é que tivemos um avanço considerável
do conhecimento biológico do Estado. Esse conhecimento foi
organizado de maneira que fosse utilizado, por exemplo,
para a formulação de políticas públicas, na forma de resoluções,
decretos e leis.
O Biota também contribuiu para a formação de 169 mestres,
108 doutores, 79 pós-doutores. Envolveu ainda cerca de 170
alunos de iniciação científica. Para se ter uma idéia do
que esses números representam, na região Norte nós não temos
mais do que 100 doutores trabalhando em biodiversidade,
nos diferentes aspectos. Ou seja, foi uma contribuição grande
no que toca à formação de recursos humanos qualificados.
Os produtos que foram levados ao público também foram avaliados
como muito positivos. Avaliação geral é de que o Biota cumpriu
muito bem os objetivos colocados inicialmente. Entretanto,
trata-se de um trabalho que pode ser aperfeiçoado e que
precisa ter continuidade.
JU – Como foram os debates no workshop realizado
no início de junho? Que diretrizes saíram dessas discussões?
Joly – Aproveitamos o aniversário do Biota para fazer uma
reflexão sobre o que o programa alcançou e para projetar
os trabalhos para os próximos dez anos, tendo em vista as
áreas que devem merecer mais atenção na segunda fase de
trabalhos. Isso passa por um aspecto institucional. A diretoria
científica da Fapesp terá inicialmente que submeter a proposta
de continuidade do programa ao seu Conselho Superior, para
que ele a aprove. Durante o workshop, foram formados grupos
que sinalizaram as áreas que merecerão estudos complementares
e outras que passarão a integrar o programa.
JU – No primeiro caso, que áreas devem merecer
estudos complementares?
Joly – Um dos grupos focou, por exemplo, os inventários.
Nós ainda não completamos o levantamento de todo o Estado
de São Paulo. Há regiões que são pouco conhecidas. Esta
é uma área forte do Biota, um setor em que atuamos muito
bem, mas entendemos que ele deve ser ampliado e aprofundado.
Ao mesmo tempo, consideramos que esse tipo de trabalho deve
incorporar novas ferramentas, para que os trabalhos permitam
comparações mais imediatas. Precisamos padronizar um pouco
mais a metodologia quantitativa. Quando queremos fazer o
estudo da evolução de determinados grupos ou de como é a
relação deles com o ambiente em que se encontram, precisamos
resgatar informações do passado.
Com as ferramentas proporcionadas pela genômica e com o
auxílio de marcadores moleculares, podemos fazer isso de
maneira mais eficiente. Para o estudo de microorganismos
isso fica ainda mais evidente. Ao usarmos a técnica de metagenômica,
podemos fazer a extração de uma porção do solo ou da água
de bromélia para identificar quanto tipos diferentes de
genoma existem ali.
Outra iniciativa relacionada a essa área está voltada para
grupos muito complexos. Existe uma técnica que usa uma parte
do DNA para fazer identificações. O método é chamado de
DNA Barcoding. Trata-se de uma iniciativa internacional
que vem sendo adotada por alguns grupos. É algo para testarmos.
JU – Que outro aspecto merecerá maior atenção
da segunda etapa do Biota?
Joly – Até agora nós trabalhamos com mapas que indicam
os remanescentes de vegetação nativa no Estado. Mas não
sabemos o que está acontecendo no entorno desses remanescentes.
Não sabemos que atividades agrícolas estão sendo desenvolvidas
ao redor e nem tampouco que impactos elas eventualmente
trazem para esses remanescentes. Por exemplo: devem existir
matrizes de cana, eucalipto, laranja ou mesmo urbana que
circundam ou estão próximas de pedacinhos de cerrado ou
de mata estacional.
Precisamos começar a integrar os nossos remanescentes às
atividades econômicas que se desenvolvem no entorno deles.
Isso é importante porque a possibilidade de conexão entre
os fragmentos vai depender dessas matrizes. Podemos concluir,
por exemplo, que a capacidade de conservação de um determinado
fragmento isolado é muito pequena. Nesse caso, seria preciso
restabelecer corredores, cuja viabilidade estará vinculada
às atividades presentes nas imediações.
Entender os agroecossistemas que estão no entorno passará
a fazer parte de uma nova linha de pesquisa do Biota. Esse
trabalho certamente terá várias dimensões: econômica, social,
energética, humana etc. O Biota explorou isso muito pouco
na sua primeira fase, e agora precisamos aprofundar esses
aspectos
JU – Ainda há muito que saber sobre esses ecossistemas?
Joly – Sim, ainda precisamos entender melhor o funcionamento
dos ecossistemas, como cerrado, mata estacional, Mata Atlântica
etc. Precisamos compreender melhor como é a ciclagem de
água, de nitrogênio e de gás carbônico. Isso será fundamental
para que possamos projetar quais seriam as consequências
das mudanças climáticas para esses ecossistemas. Para os
ecossistemas terrestres nosso conhecimento ainda é limitado.
Temos maior conhecimento sobre ecossistemas de água doce,
principalmente represas.
Mas em relação aos cerrados e aos diferentes tipos de floresta
do Estado, conhecemos pouco. Se quisermos entrar numa discussão
de mudanças climáticas, vamos precisar desse conhecimento
mais refinado. Esses estudos, diga-se, deverão ter conexão
com o programa de mudanças climáticas que a Fapesp está
desenvolvendo. Objetivo é formular modelos regionais, e
não apenas usar modelos internacionais adaptados à nossa
realidade.
JU – E em relação à parte marinha, qual o nível
de conhecimento acumulado?
Joly – Entendemos que fizemos relativamente pouco
com relação à parte marinha. Tivemos um projeto grande que
trabalhou com invertebrados marinhos, na faixa litorânea
entre São Sebastião e Ubatuba, sob coordenação da professora
Cecília Amaral, do Instituto de Biologia da Unicamp. Mas
não fizemos nada no Litoral Sul, que é mais complexo que
o Norte. Este possui áreas de manguezais, a foz do Rio Ribeira
do Iguape, restingas etc. São ecossistemas importantes para
a renovação de estoque pesqueiro. E há ainda a parte oceânica,
que a primeira fase do Biota sequer trabalhou. Nossas ações
ficaram concentradas no litoral.
Agora, precisamos avançar para entender a dinâmica, os
estoques pesqueiros, as espécies que são economicamente
importantes etc. Também precisamos começar a montar uma
rede de monitoramento para poder aferir a variação das temperaturas
na superfície e nas diferentes profundidades do oceano.
Precisamos saber como está variando o pH e a salinidade
da água. Esses componentes têm tanto uma importância biológica
quanto de impacto no clima. Se a temperatura da água está
mudando, os coeficientes de evaporação também se alteram.
Pode-se ter mais ou menos evaporação, mais ou menos umidade
circulando. Isso pode implicar numa distribuição diferente
das chuvas. São estudos que serão importantes também para
a formulação de modelos climáticos.
JU – E quanto à área de bioprospecção? Quais
as perspectivas do desenvolvimento de fármacos, por exemplo,
a partir de plantas e animais pesquisados pelo Biota?
Joly – A área de bioprospecção vai continuar. Está dando
muito certo. A despeito disso, ainda não conseguimos fazer
o casamento do que está sendo feito em bioprospecção com
o setor produtivo. Para promovermos essa aproximação, e
possivelmente gerarmos produtos comerciais, vamos precisar
da ajuda de agências de inovação, como a Inova Unicamp.
Vamos promover reuniões com representantes das empresas
para saber o que interessa a elas. Entendemos que estamos
fazendo ciência de primeira linha, mas reconhecemos que
temos que incrementar esse aspecto da aplicação. O workshop
já contou com a participação de representantes da indústria.
JU – O Biota tem um viés importante relacionado
à educação. Como esse aspecto será tratado na nova etapa?
Joly – Entendemos que precisamos investir de maneira
mais objetiva em educação. Temos que produzir material que
chegue de fato ao ensino público, nos níveis fundamental
e médio. Nos últimos anos nós conseguimos produzir um bom
material para o público em geral, na forma de vídeos, exposições
etc. Mas a experiência de produzir material voltado para
o uso em sala de aula ainda tem que ser melhorada. Justamente
por isso queremos incentivar a participação de professores
que estão em sala de aula para nos orientar sobre conteúdo,
linguagem e abordagem.
Nesse sentido, podemos gerar livros, vídeos e disponibilizar
informações no site do programa para que sejam usadas em
sala de aula. Muitas vezes o professor de Ciências usa exemplos
da fauna e da flora de outros países porque não encontra
material organizado de ecossistemas locais. Queremos mudar
isso. Vamos trabalhar inicialmente com o que já foi produzido
nos primeiros dez anos. À medida que formos produzindo mais
conhecimento, novos materiais serão gerados.
JU – Quais serão as próximas medidas para que
o Biota tenha a continuidade assegurada?
Joly – Temos alguns aspectos emergenciais para equacionar.
Um diz respeito à questão da institucionalização do programa,
que já foi discutida no ano passado. Agora a coisa começa
a acontecer de fato. Em dez anos o Biota investiu R$ 14
milhões em projetos de diversas Unidades da Unicamp (IB,
IG, CPQBA, Nepam, Cepagri). Pela grande participação de
pesquisadores da Universidade no workshop realizado no começo
de junho, podemos projetar que nos próximos anos o programa
deva atrair pelo menos 50% a mais de pessoas do que na primeira
fase. Como contrapartida, a Unicamp está cedendo espaço
físico, uma secretária e está contratando um manager para
o programa e editor executivo para a revista eletrônica
Biota Neotropica. Ou seja, a Universidade está dando condições
físicas e recursos humanos para o funcionamento do programa.
A
Unesp, por seu lado, está construindo um prédio para abrigar
os extratos obtidos por meio do trabalho bioprospecção e
toda a parte de informática associada a isso. A Unicamp,
junto com o Cenapad, vai abrigar também a parte de informática
do Sistema de Informações Ambientais e a base cartográfica
que permite a construção de mapas da distribuição das espécies.
A definição da contrapartida da USP está sendo negociada
pela Fapesp, e deve ser anunciada em breve. A outra necessidade
é apresentarmos o plano de trabalho para os próximos dez
anos para o Conselho Superior da Fapesp, para mantermos
o financiamento que será da ordem de R$ 10 milhões ao ano.
Nos primeiros dez anos, usamos cerca de R$ 85 milhões. Também
acho importante formalizarmos acordo com o governo federal
para a concessão de um número maior de bolsas.
Por fim, precisamos começar a replicar a experiência do
Biota em outros estados. No último dia 5 de junho foi lançada
a primeira etapa do Biota Minas. O mesmo foi feito na Bahia
e está acontecendo no Mato Grosso do Sul. O que a gente
imagina é que em algum momento seria importante ter uma
articulação para integrar essas iniciativas, provavelmente
por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Temos que
começar a organizar as informações para outros estados,
que tanto se valerão quanto completarão esses conjuntos
de dados.
E também precisamos ter maior inserção internacional. Isso
deve ser feito, entre outras medidas, por meio de parcerias
e intercâmbios. Queremos receber e enviar pós-graduandos
para outros países. Acredito que até agosto o plano esteja
aprovado e em andamento. Muito provavelmente vamos fazer
chamadas específicas para algumas áreas de pesquisa. É um
instrumento que nunca usamos, mas que tem sido empregado
com sucesso pela Fapesp. Vamos organizar, ainda, workshops
específicos, trazendo pesquisadores estrangeiros. No segundo
semestre vamos ter um evento da área de biologia da conservação,
que terá como foco os aspectos sociais. Ademais, em dezembro
promoveremos um encontro para discutir o uso e os avanços
da técnica do DNA Barcoding, para podermos atuar na linha
de frente do conhecimento nessa área e contribuir para seu
desenvolvimento.