Jornal da Unicamp – Quando e com qual propósito surgiu o
Grupo Odorico Mendes? Quantos alunos já integraram o grupo?
Paulo Sérgio de Vasconcellos – O
grupo surgiu há dez anos com o objetivo de divulgar as traduções
dos clássicos realizadas por Odorico Mendes no século XIX.
Essa divulgação se dá sobretudo através de edições que preparamos:
cada tradução recebe uma anotação minuciosa que esclarece
aspectos difíceis do vocabulário, da sintaxe, as alusões
mitológicas e históricas, etc.; ao mesmo tempo, em cada
edição há uma análise do modo como o tradutor reproduz em
português efeitos poéticos do original. Assim, esclarecemos
para o leitor passagens difíceis, sobretudo para o leigo,
ao mesmo tempo que demonstramos o modo mesmo como o tradutor
recria o original.
Mas a divulgação se dá também através de artigos em periódicos,
palestras e recitação de trechos das traduções. Também deixamos
disponíveis na página do grupo no site do IEL a primeira
versão da Eneida – há duas versões – e o texto latino adotado
por Odorico, material que pode ser baixado gratuitamente.
Essas são as maneiras que encontramos para divulgar as traduções
de Odorico.
Já integraram o grupo 22 pós-graduandos, todos com participação
muito ativa, figurando mesmo como co-autores da anotação
e comentário.
JU – Existe iniciativa similar no país?
Vasconcellos – Há outras pessoas trabalhando com
a obra de Odorico Mendes: já saiu uma edição anotada da
tradução da Ilíada e a primeira versão, de 1854, da tradução
da Eneida. No Maranhão, Sebastião Moreira Duarte editou
o Virgílio Brasileiro, reunião das obras de Virgílio. São
trabalhos meritórios. As edições que preparamos têm, porém,
um diferencial: as análises minuciosas de passagens da tradução,
momento em que adentramos, por assim no dizer, no laboratório
de tradução de Odorico.
Por outro lado, no Paraná há um grupo de atores que realizam
performances com textos de Odorico, recitando de cor cantos
inteiros da Ilíada. Recentemente, acolhemos oficialmente
no grupo uma atriz que faz parte desse projeto, a Patrícia
Braga, que já recitou em Campinas dois cantos da Ilíada
e uma bucólica de Virgílio, sempre com grande sucesso. É
um trabalho muito bonito, que mostra como o texto muitas
vezes difícil de Odorico tem eficácia, atinge emocionalmente
a audiência, que se encanta com sua sonoridade e seu português
nada banal.
JU – Em que medida, em sua opinião, as atividades
do grupo são importantes para os alunos e – em última instância
– ajudam a formar tradutores?
Vasconcellos – Acho que os alunos que participaram
das atividades são incitados a refletir em profundidade
sobre o que seja uma tradução poética; além disso, eles
praticam a análise de tradução, ao compararem texto original
e tradução e também a tradução de Odorico com outras traduções
em verso. É também um exercício contínuo de análise de textos
poéticos, já que antes de mais nada é preciso conhecer o
texto latino original, prestando atenção ao modo como os
poemas exploram som, sintaxe, ritmo.
Finalmente,
trata-se de um exercício de análise crítica de tradução,
em que os alunos aperfeiçoam na prática uma espécie de instrumental
que permite apreciar os modos diversos de se traduzir. Assim,
quem participa do grupo sai enriquecido desse contato com
um tradutor instigante e criativo como é Odorico.
Quanto ao efeito sobre possíveis leitores, bem, confesso
que não tinha pensado nisso ainda. As nossas edições saíram
recentemente, entre o ano passado e este ano, e têm tido
excelente repercussão. Com isso, espero que estudantes da
área de Clássicas se interessem por tradução poética e que
os mais vocacionados também pratiquem tradução poética dos
clássicos.
Nosso país é carente de trabalhos com esse viés: traduções
dos clássicos que se assumam como textos poéticos e recriem
em português os efeitos poéticos do original. Pensando bem,
então, acho que nosso trabalho poderá ajudar na formação
de tradutores conscienciosos dos clássicos, pois esta talvez
seja a maior lição de Odorico Mendes: a dignidade da tarefa
tradutória, vista como ato criativo, não como empreendimento
pouco qualificado e de segunda classe.
JU – Vocês acabam de publicar uma edição anotada
e comentada da Eneida Brasileira, além das Bucólicas, trabalhos
bastante complexos e minuciosos. Na condição de coordenador
dos trabalhos e do grupo, o senhor poderia falar sobre as
dificuldades enfrentadas?
Vasconcellos
– Não foram poucas. Há passagens de Odorico que soam
como pequenos enigmas. Para compreendê-las, precisamos muitas
vezes recorrer a dicionários antigos, pois os dicionários
modernos ou não trazem uma certa palavra empregada pelo
tradutor ou não trazem o sentido específico em que o tradutor
empregou determinada palavra. Não é preciso dizer também
que a anotação exige leitura cerrada do original, caso contrário
se cometem muitos equívocos – basta ver a edição da Eneida
de Odorico pela Martin Claret.
É um trabalho que exige pesquisa constante, paciência e
até mesmo respeito pela obra. É essa falta de respeito,
uma visão apressada e leviana dos textos, que leva algumas
pessoas ainda hoje a descartarem a tradução de Odorico como
ininteligível. Odorico exige muito de seu leitor, e nós,
que fazemos a anotação e comentário da tradução, temos de
nos colocar na posição de leitores ideais, que percebem
as intenções do tradutor mesmo nas passagens mais opacas.
O grupo se colocou como propósito esclarecer todas as dificuldades
das traduções para o leitor leigo, uma tarefa realmente
complexa e muito exigente.
Continua
nas páginas 6 e 7