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Páginas de uma nova nação
Tese mostra a importância dos jornais no período
que antecedeu a Independência do Brasil

A imprensa contribuiu para transformar o Brasil-colônia em uma nação, principalmente em razão dos periódicos que surgiram após 2 de março de 1821, data do primeiro decreto da Liberdade de Imprensa no Brasil. Eles colaboraram inclusive para reconhecer o papel de protagonismo do jornalista em sua função de autoria. Estas e outras conclusões estão presentes na tese de doutorado de Giovanna Benedetto Flores, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Segundo a pesquisadora, depois de tal decreto, que suspendeu a censura prévia, observou-se uma proliferação de jornais no país, saltando de três em 1811 para 16 somente no Rio de Janeiro.

Esse decreto, apura ela, somente foi possível porque havia um processo de emancipação acontecendo anteriormente ao retorno de D. João VI a Portugal. “A relação com a independência na verdade já estava se constituindo, e o decreto fez parte das condições de produção que reafirmaram e sustentaram o processo”, conclui Giovanna, fazendo uma longa investigação nos documentos de época, encontrados no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Giovanna relembra que a história da imprensa brasileira está diretamente relacionada com a colonização portuguesa, a vinda da Corte real para o Brasil e a instalação da Imprensa Régia em 1808. Com o centro do poder transferido de Lisboa para o Rio de Janeiro, começaram a circular na nova metrópole os primeiros jornais – o Correio Braziliense e a Gazeta do Rio de Janeiro.

Se a vinda da Corte não produziu automaticamente um discurso jornalístico brasileiro, mas sim a presença de uma imprensa brasileira, o que as análises feitas por Giovanna, orientada pela pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) Claudia Pfeiffer, foram mostrando é que, justo nos periódicos que foram editados na passagem de 1821 para 1822, havia um movimento em que se materializava a fundação de uma posição destacada do jornalista brasileiro.

Giovanna, também jornalista, procurou compreender, com a ajuda da análise do discurso, como a imprensa colaborou para a relação entre Brasil e Portugal no projeto de independência. “Quis entender o sentido de nação, independência e liberdade nos periódicos da época”, explica.

Peculiaridades
O historiador Nelson Werneck Sodré, expõe a autora, relatou que a instalação da tipografia no Brasil se deu por “acaso”, quando um dos membros da Corte mandou transportar equipamentos no porão do navio que utilizou para a fuga de Portugal. Ao chegar, mandou instalá-los na sua própria casa.

Desse modo, a vinda da família real trouxe para a colônia avanços culturais, como a impressão de livros e folhetins, o que contribuiu para a institucionalização da língua dos portugueses, a qual foi imposta para dominação, por meio de escrita. De acordo com a literatura, a transferência da família real portuguesa para o Brasil deslocou em torno de 15 mil portugueses para a nova sede da Coroa portuguesa.

A doutoranda ficou admirada diante do crescimento repentino dos periódicos brasileiros após o decreto de 1821. Para ela, o número se tornou bastante significativo, sobretudo no Rio de Janeiro, para uma população que nesse período era de cerca de 100 mil pessoas, na maioria iletrada.

Os cinco periódicos que mais saltaram aos olhos de Giovanna foram O Espelho, O Conciliador do Reino Unido, Reverbero Constitucional Fluminense, Correio do Rio de Janeiro e O Macaco Brasileiro. À exceção do Correio do Rio de Janeiro, feito por um comerciante que morava há mais de 20 anos no país, os periódicos eram produzidos por brasileiros, mas que estudaram em Coimbra e Lisboa, os quais tinham a posição do rei.

Esse comerciante foi o primeiro redator a falar que não adiantava ter independência sem liberdade. Também foi ele, João da Silva Lisboa, o primeiro redator a ser processado pela Lei de Imprensa. Comentavam que se tratava de uma pessoa de pouca instrução, tanto que toda a crítica feita a ele girava em torno dessa questão.

O Espelho, como o nome sugere, era um reflexo da própria Corte. O Conciliador do Reino Unido era de propriedade do censor da corte (Visconde de Cairu) e foi criado um dia antes do decreto. Era o redator do jornal e mostrava-se contrário à Independência do Brasil, por achar que o país não estava preparado para ser uma nação, defendendo a monarquia e a dependência de Portugal.

O Reverbero Constitucional Fluminense era editado pela Maçonaria através de Cunha Barbosa e Joaquim Gonçalves Ledo, um dos promotores do Dia do Fico. Os dois eram grão-mestres e foram eles que apresentaram a D. Pedro essa sociedade. O jornal combatia os interesses dinásticos portugueses e reivindicava a constituição de um governo liberal. Almejava uma independência aos moldes de Portugal, mas não total. Queriam a monarquia constitucional.

O Correio do Rio de Janeiro também lutava pela liberdade. Era o jornal que mais enfrentava D. Pedro, chegando a argumentar que não adiantava adotar um conselho de procuradores no país. O povo tinha que falar. Foi assim que o periódico conseguiu reunir mais de seis mil assinaturas da “Representação”, abaixo-assinado pedindo a eleição direta para a Assembleia Constituinte. Por isso teve um papel destacado na época, por não concordar com a monarquia constitucional como regime de governo.

Agora, de acordo com Giovanna, o mérito da sua tese foi descobrir como atuava O Macaco Brasileiro. O jornal teve vida curta, durando apenas os meses de junho a agosto de 1822. Contudo, esse tempo foi mais que suficiente para divulgar 16 números e a sua filosofia. Diferia dos demais contemporâneos pelo tom coloquial, mesmo ao abordar temas sérios.

Escrito em metáforas, esse jornal debochava da situação política do momento. Usava a primeira pessoa para dialogar com os leitores, produzindo uma diferença na escrita dos periódicos de então. Com essa característica, inaugurou a crônica jornalística, que tinha em sua base o acontecimento do decreto de 1821.

A pesquisadora também contrapôs historiadores da imprensa no Brasil como por exemplo Sodré, que definia O Macaco Brasileiro como um jornal ligado à Corte. Para ela, tratava-se de dar voz ao povo brasileiro por meio de “um macaco preso ao cepo que não podia falar e que, a partir do decreto, conseguiu. Este foi um acontecimento discursivo que fundou o jornalismo brasileiro, porque falou diferente, ao contrário da imprensa, que já existia e era portuguesa. Houve, assim, uma ruptura com Portugal em termos de jornalismo”, assegura.

Um aspecto curioso da tese de Giovanna foi que se deparou com muitos jornais desconhecidos para ela. Conta que iniciou o projeto pensando em refletir só sobre a questão da independência, porém não tinha certeza dos periódicos que iria avaliar. Garimpando 11 jornais, acidentalmente notou O Macaco Brasileiro, que lhe chamou a atenção pelo nome. Também interessou-se pelo Correio do Rio de Janeiro pois o redator falava em liberdade, tinha sido preso e morreu em uma emboscada.

O contexto histórico do período, rememora a autora, era de dependência de Portugal. O momento era a assinatura do decreto de 2 de março, pois em 26 de fevereiro tinha havido uma manifestação no Rio de Janeiro que reivindicava uma Constituição de fato brasileira. Portugal queria impor sua posição. D. João VI enviou D. Pedro para acalmar os ânimos. E ele prometeu liberdade de imprensa. A propósito, a Maçonaria, que tinha sido fechada por D. João, teve grande contribuição nesse processo, sendo reaberta.

D. Pedro empenhou, entre outros direitos, liberdade de imprensa aos revoltosos, fato que ocorreu a partir de 9 de março, ao serem promulgadas as bases da Constituição, reconhecendo a liberdade de pensamento como “um dos mais preciosos direitos do homem”. Pelo decreto, que começou a vigorar em julho daquele ano, todo cidadão podia manifestar sua opinião, desde que respondesse pelo abuso de tal liberdade.

Conforme Giovanna, houve uma íntima relação entre o jornalismo dos primeiros anos e a formação do conceito de nação, por ser impossível existir independência sem liberdade de expressão. Ela exemplifica. Para O Espelho, a nação era a Corte, independentemente de ser em Portugal ou no Brasil. Para O Conciliador, nação e liberdade não coexistiam. Somente podia ser nação quando baseada no Estado, que determinava o que podia ser dito. O povo não tinha noção do que era ter liberdade.

Para o Reverbero, independência era a monarquia constitucional. Para o Correio, liberdade representava a República; não adiantava ter uma monarquia constitucional; e era preciso outro Estado de Direito. Para O Macaco, independência era liberdade. Graças a esse jornal, por fim, conseguiu-se materializar o projeto de fundação do jornalismo brasileiro, aponta a jornalista.

 





 
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