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Saudosa província
Estudo mostra como Adoniran Barbosa retratou, com olhar
crítico, as transformações que fizeram de SP uma metrópole

Um homem pequeno, de voz pequena e rouca, versando de maneira peculiar, conquista os ouvidos mais apurados do país nas décadas de 1960 e 1970. Filho de imigrantes italianos nascidos em Valinhos, interior de São Paulo, foi cantando seus versos à “terra da garoa” que João Rubinato ou Adoniran Barbosa (1910-1982) conquistou gravadoras, críticos e ouvintes de várias gerações, assim como o pesquisador Marcus Vinícius da Silva, autor da dissertação “Adoniran: nem trabalho nem malandragem”. Depois de analisar canções dos três primeiros long plays (LPs), nos quais o compositor pode imprimir a própria voz em seus sambas, Silva observa que, ao mesmo tempo em que incorpora o cidadão paulistano, Adoniran faz críticas ao caos que se instaura com o progresso da São Paulo da década de 1950. Para ele, o compositor não canta nem o trabalho nem a malandragem.

Na opinião do pesquisador, Adoniran não fazia questão de esconder sua postura crítica com relação ao crescimento abrupto da cidade, mesmo sendo enaltecido pela maioria dos críticos da época por refletir a construção de uma figura típica paulista. Saudosa Maloca reflete a condição do cidadão paulistano dentro do projeto expansionista de sua cidade. Iracema, personagem que dá título a outra obra sua, é atropelada, como se o trânsito e outros elementos do progresso estivessem engolindo a população que antes podia viver tranquilamente naquele mesmo lugar.“Cuidado ao atravessar essas ruas...”.

A linguagem sempre chamou a atenção nas músicas de Adoniran, seja na voz dos grupos Demônios da Garoa e Talismã, nas décadas de 1950 e 1960, ou na sua própria voz nos discos Adoniran Barbosa (1974 e 1975) e Adoniran e Convidados (1980). Faltava, porém, uma análise aprofundada de suas músicas, relacionando-as ao contexto histórico em que foram criadas e executadas. Segundo Silva, o compositor não havia recebido uma leitura crítica que o localizasse no contexto histórico, ideológico e cultural que trouxe de volta à cena canções suas e de outros sambistas, como Zé Keti (1921-1999), Nelson Cavaquinho (1911-1986) e Cartola (1908-1980). A dissertação, segundo o pesquisador, surge com essa missão. “Entendi que seria interessante trazer Adoniran e apresentar a partir dessa perspectiva. O que interessou? Por que esses mediadores resolveram trazer Adoniran para cenário da música popular e para a indústria cultural que se formava. Quais elementos tornavam a música de Adoniran interessante?”, explica Silva.

Desde o trabalho no rádio na década de 1940, Adoniran valorizava a linguagem oral popular do paulistano e das pessoas que circulavam pelos ambientes populares de São Paulo, mas nunca abriu mão do tragicômico, que evidencia a tragédia cotidiana do operário e da população engolida pela cidade que cresce de forma assustadora, segundo Silva. Os enredos são contados por meio de linguagem simples e divertida, como na música Tocar na Banda (1965). O personagem, geralmente, não tem instrução e traduz emoções por meio da linguagem peculiar desenvolvida por Adoniran e Osvaldo Moles, segundo Silva.

De acordo com Silva, o tragicômico é refletido tanto na concepção das letras quanto em aspectos melódicos e rítmicos das canções. O ritmo ágil e sincopado do samba sugere alegria, leveza, suavidade. Nas músicas do intuitivo Adoniran, a leveza do samba é mesclada com aspectos harmônicos que trazem uma tonalidade menor, considerada uma tonalidade melancólica.

Silva lembra que Talismã e Demônios da Garoa conseguiram absorver e construir estilo próprio que mantivesse o efeito esperado pelo compositor, mas a interpretação do próprio Adoniran assegura uma performance magistral, com prosódia naturalmente graciosa e espontânea. “Ele certamente não possui as virtudes técnicas do grupo Demônios da Garoa, que fez arranjos a quatro vozes, ou até mesmo pelo Talismã, mas tinha as características de um sambista tradicional”, diz Silva.

Redefinição
De acordo com Silva, com a redefinição da música popular brasileira (MPB) na década de 1960, alguns sambistas despertaram interesse por parte de alguns mediadores culturais. Nesse momento, esses artistas conquistaram um público que estava ligado à juventude universitária e ao meio acadêmico. O pesquisador explica que nesse período houve interesse na demanda pelo samba tradicional, pois o novo público, intelectualizado e mais exigente, almejava por um discurso de resistência ao sistema, ao regime, que fizesse críticas ao ideal de progresso de São Paulo e ao discurso saudosista e da tradição. Adoniran acabou despontando como demanda pela tradição paulista.

De acordo com Silva, esse momento histórico e cultural foi bastante controverso, pois o regime autoritário tolhia os espaços públicos de difusão de um ideal de esquerda. Ao mesmo tempo em que o país vivia sob um regime repressor, os militares aprofundaram a abertura econômica e o projeto desenvolvimentista iniciados por Juscelino Kubitschek, o que possibilitou a formação da indústria cultural no Brasil. “O cenário foi controverso porque o espaço que os artistas populares encontraram para fazer sua mensagem foi justamente o espaço da televisão, que estava no olho do furacão da indústria cultural”, acentua Silva.

Nessa época, Adoniran ainda não era conhecido no âmbito nacional, apenas como uma figura da tradição paulista. Somente quando decidiu participar do carnaval carioca com o samba Trem das Onze é que Adoniran começou a ganhar prestígio nacional. O músico começou a compor em 1930, mas interrompeu esta atividade para trabalhar como ator de rádio e humorista. Retoma na década de 1950, com a produção de sambas pela perspectiva local gravado pelos Demônios da Garoa, de São Paulo.

Os três LPs de Adoniran, segundo Silva, têm o mesmo valor estético. No terceiro, lançado em 1975, Adoniran e Convidados, ele canta ao lado de jovens intérpretes, atendendo a uma estratégia definida pela própria gravadora. Entre os escolhidos, Elis Regina, cujo dueto imortalizou a peça Tiro ao Álvaro; Carlos Vergueiro, Djavan, Clara Nunes e Luiz Gonzaga Júnior.

Assim como driblou a premissa de que seria apenas um cantador do trabalho, Adoniran dividiu a crítica. Enquanto a maioria dos críticos lhe atribuía a responsabilidade de resgatar o samba autêntico e representante do trabalhador paulistano, alguns o criticavam por participar do carnaval carioca com Trem das Onze. Antonio Candido, no encarte dos discos de 1975, escreve que Adoniran reflete não só a construção de uma figura típica paulista, mas brasileira. “As críticas eram diversas. Grande parte correspondia a uma demanda saudosista, dizendo que Adoniran trazia resgate do samba autêntico, com jeito de falar típico do lugar”, esclarece.

O fato é que, passadas algumas gerações, Adoniran é um exemplo de que este samba considerado autêntico continua a surpreender novos ou saudosistas ouvintes de rádio, mostrando que o velho samba, como diz um Nelson Sargento, “agoniza, mas não morre”.

Publicação
Dissertação:
“Adoniran Barbosa: nem trabalho nem malandragem”
Autor: Marcus Vinícius da Silva
Orientador: Mário Frungillo
Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

 

 




 
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