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O direito de (e para) poucos
Tese mostra que cidadão era alijado
na formação de arcabouço
político no Império

MARIA ALICE DA CRUZ

A Tese do advogado, professor e historiador André Peixoto de Souza sobre a história do direito mostra que não existiu um sujeito político no Brasil imperial. Intitulado “Pensamento jurídico brasileiro, ensino do direito e a constituição do sujeito político no Império (1824-1891)”, o trabalho foi apresentado na Faculdade de Educação (FE), a partir do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação, Cultura Escolar (Civilis), sob orientação da professora Ediógenes Aragão Santos. Segundo o autor da tese, o estudo aborda o período em que o ensino de direito estava plenamente atrelado à formação de um arcabouço político, ocasião em que o cidadão, verdadeiro destinatário dessas regras, nunca esteve representado. “Até porque, num primeiro instante, o ensino de direito era restrito a pessoas de família de classe alta”.

No cenário atual, ele afirma que não houve muitos avanços, pois o sujeito político pode participar politicamente no Estado, mas por meio de uma representação, “visivelmente falha”. Essa prática também é analisada por Souza nos tribunais, em que a defesa de um acusado somente pode ser feita por representação. “Qualquer cidadão brasileiro deveria ter o direito de postular em juízo. Em causa própria ou para intervenção de terceiros. Por uma questão de cidadania! Mas, até hoje, se alguém tem um problema, é obrigado por lei federal a contratar um advogado”, pontua. De acordo com Souza, a democracia representativa coloca em cena todos os sujeitos. “Estes sim, os sujeitos políticos.” Para ele, este já é um motivo para se questionar os critérios de exclusão acerca da representação democrática.

Como encontrar um sujeito político num lugar em que as legislações são feitas com foco nas necessidades dos governantes, que eram justamente os egressos dos cursos de direito no Império? Souza enfatiza que grandes nomes do direito no academicismo, como Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco e outros da chamada “geração de 1870”, anos depois se tornaram os grandes baluartes da política nacional, candidatando-se a presidente, deputados, senadores, ministros do Império e da República. Entre inúmeros dados levantados pelo autor estão as relações estatísticas entre aquilo que era produzido nas faculdades de direito e, logo em seguida, no âmbito burocrático e político.

Para compreender o processo de formação desse sujeito político “escondido”, Souza valeu-se da própria experiência como historiador e advogado e passou a analisar o direito pelos olhos da história. A “viagem” aos tempos de Joaquim Nabuco e Tobias Barreto (segunda metade do século 19) revela o quanto o ensino jurídico estava comprometido com a formação do estamento burocrático imperial. As normas e as regras eram claramente feitas de forma a perpetuar o próprio poder das elites, o que afastava cada vez mais a ideia de um sujeito político, segundo o autor. “De que maneira todos os cidadãos podem ser esclarecidos, especialmente quando as regras, conciliadas pelo alto, são ao mesmo tempo inacessíveis, complexas e atreladas a interesses determinados?”, questiona Souza.

Na tese, ele catalogou e analisou os efeitos da produção jurídica doutrinária do século 19. Entre os autores da época, analisou doutrinadores desde José Bonifácio de Andrada e Silva até Ruy Barbosa de Oliveira, estabelecendo as críticas cabíveis às Constituições imperial e republicana. Dentre os temas em destaque, ressaltou o constitucionalismo imperial, a administração pública, os ditames criminais e a filosofia do direito. Na mesma pesquisa, ele faz a conexão possível entre as academias de direito, especialmente em São Paulo e no Recife, com os parlamentos e gabinetes ministeriais.

Mesmo sem a pretensão de fazer conexão entre passado e futuro, Souza percebeu nos textos dos códigos produzidos na época um vício de origem na formação jurídica brasileira. “Um vício de origem que não estava necessariamente retratado pelas falhas do ensino, e sim no comprometimento da formação. Era um comprometimento político atrelado a elites dominantes daquela ocasião”, acrescenta. Para o contexto atual, as condições em que as escolas de direito foram criadas e mantidas devem ajudar os bacharéis a compreender melhor a formação contemporânea totalmente mercadológica na área do direito, comprometida com interesses do capital. Segundo o autor, o incômodo diante desse enfoque dado em algumas escolas de direito atuais o levou a buscar justificativa histórica. “Não adianta simplesmente orientar o graduando em direito a decorar os códigos; devemos estimulá-lo a refletir sobre os textos e buscar o contexto histórico em que foram produzidos”.

O historiador faz uma reflexão sobre as cartas constitucionais de 1824, de 1891 e de 1988. Esta última tão complexa quanto as constituições imperial e republicana, em sua estrutura, apesar de trazer em seu conteúdo a informação de que o poder emana do povo. “Uma sociedade como a brasileira, completamente dividida desde sempre, plena de concentração de renda e riquezas, de centralização familiar do poder, mesmo com uma Carta Constitucional, parece não merecer o crivo de uma sociedade completamente formada. Ainda resta a essa sociedade, especialmente no Império, constituir seu sujeito político”, reforça Souza. As falhas da carta de 1988, em sua opinião, começam na tripartição de poderes.

Souza chama a atenção para o fato de que o cenário atual não se limita aos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, como propunha o artigo 2º da Constituição de 1988. “Para além dos poderes constitucionais, contamos hoje com outros poderes dissipados pela república, mas travestidos de órgãos subsidiários aos poderes: o Ministério Público, as Agências Reguladoras, o Banco Central, a Receita Federal, os Tribunais de Contas, o Conselho Nacional de Justiça e, especialmente, a mídia”, reflete.

Em sua opinião, o Conselho Nacional de Justiça tem se comportado como verdadeiro “poder moderador” do século 21, pairando sobre tudo e sobre todos e dando a última voz acerca dos direitos do pretenso cidadão.

Mas como acontece desde 1817 (Revolução Pernambucana), afirma Souza, a voz do sujeito político pode estar nos movimentos sociais, que podem fazer com que cidadãos partícipes ainda sonhem com a plena configuração da cidadania. “Isso poderá se realizar não com a minimização do Estado, mas com a minimização da representação, que é um problema permanente na história política e jurídica nacional”, acrescenta Souza.

A metodologia utilizada pelo pesquisador tem sido uma novidade no Brasil. Trata-se da “Escola de Florença”, fundada na década de 1960 por Paolo Grossi, em que historiadores do direito desempenham papel fundamental na formação de novos profissionais do direito. A escola, segundo ele, espalhou frutos pelo mundo todo, como a “Escola de Curitiba”, liderada por Ricardo Marcelo Fonseca, no município de Curitiba. Entre esses multiplicadores estão Paolo Cappellini, Pietro Costa, Bernardo Sordi, Giovanni Cazzetta, Mario Sbriccoli, Ricardo Marcelo Fonseca, Arno Dal Ri Junior, entre outros.

Para Souza, iniciativas como essa são importantes para a formação do bacharel em direito, e contribuem sobremaneira com a investigação acerca do sujeito político. “Porque ele, que seria o destinatário de todo o arcabouço legislativo de uma nação, não é sequer olhado por esse estamento burocrático, que faz a lei de si para si, de acordo com os seus interesses, e não primando pelo cidadão”, pontua.

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■ Publicação

Tese: “Pensamento jurídico brasileiro, ensino do direito e a constituição do sujeito político no Império (1824-1891)”
Autoria: André Peixoto de Souza
Orientação: Ediógenes Aragão Santos
Unidade: Faculdade de Educação (FE)

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