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A indústria nacional pré e pós-29:
prelúdio, ruptura ou continuidade?

Estudo mostra que ao longo da década
de 1920 padrão de desenvolvimento
industrial tornou-se mais complexo

 

CARMO GALLO NETTO

Existe certo consenso entre especialistas de que dois períodos foram cruciais para o processo de industrialização do Brasil. A década de 20, após a Primeira Guerra Mundial – que impôs a necessidade de substituir importações, e a década de 30, que sucedeu à Grande Depressão de 29 – que impulsionou a ampliação e extensão da indústria nacional. Em relação à trajetória do desenvolvimento da atividade industrial em São Paulo, os estudos desses períodos suscitam polêmicas. Há os que defendem a continuidade dos dois períodos, pré e pós 1930, e os que entendem que ocorreu uma ruptura e que o crescimento anterior à década de 1930 foi diferente ao que o sucedeu. A década de 20 teria sido um prelúdio para o momento de modificação. Com o objetivo de revisar essa polêmica e explorar evidências empíricas desses períodos, Tatiana Pedro Colla Belanga realizou pesquisa que gerou uma tese apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O estudo foi orientado pelo professor Pedro Paulo Zahluth Bastos.

Para a autora, o trabalho contribui principalmente para o incremento do debate acadêmico acerca da polêmica sobre a continuidade ou descontinuidade do desenvolvimento industrial entre as duas décadas e apresenta elementos que permitem revisar se a Crise de 1929 marcou efetivamente um período de ruptura. Ela se propôs a reverificar se a Grande Depressão determinou uma transição entre o crescimento industrial atrelado ao setor agrícola (década de 20) e um processo de industrialização propriamente dito (década de 30), em que a diversificação já alcançada pela indústria propiciava-lhe subordinar a agricultura ao invés de ser por ela subordinada, mesmo com a industrialização restringida pela falta de um setor de bens de capital mais amplo.

Contornando a inexistência de um Censo Industrial de1930 – os trabalhos disponíveis baseiam-se nos censos de 1920 e 1940 – ela recorreu aos dados das Estatísticas Industriais do Estado de São Paulo e principalmente aos balanços contábeis de quatro empresas, uma do setor têxtil, uma do setor de máquinas e duas metalúrgicas. É na utilização destes dados primários que o estudo se revela inovador.

Com base nos dados coletados, o estudo mostra que a partir da Primeira Guerra Mundial, e principalmente no decorrer da década de 1920, o padrão de desenvolvimento industrial tornou-se mais complexo. Os investimentos industriais se expandiram em direção ao ramo de bens intermediários – notadamente cimento, aço, papel e celulose, borracha e derivados, produtos químicos – além de setores vinculados ao ramo de bens de capital – tais como máquinas e equipamentos.

Em síntese, diz Tatiana, “a diversificação industrial a partir da Primeira Guerra e ao longo dos anos 20 inicia uma mudança estrutural na economia brasileira que marcaria a década de 30”. A pesquisa ancorou-se na análise da indústria paulista e adotou, como parâmetros, crescimento, estrutura produtiva setorial, produtividade, financiamento, fontes de crescimento, investimento e lucratividade das empresas estudadas. Paralelamente, identificou a velocidade da diversificação e o crescimento do setor metalúrgico nesse parque industrial.

Instada a mostrar possíveis implicações da pesquisa, Tatiana afirma que “o trabalho de certa forma permite um entendimento da crise de 2008. Marc Bloch, historiador da Escola dos Annales, levanta a importância do passado para a compreensão do presente, assim como o inverso. O Brasil, nos anos 30, diferentemente de todos os outros países, aplicou uma política anticíclica – expressão cunhada por Keynes para o gasto público efetuado em momento de crise para reverter ou atenuar seu efeito – injetando dinheiro na economia através da compra e queima de excesso de estoque de café. Foi graças a essa política que o Brasil foi capaz de promover uma recuperação bem mais rápida que outros países e que possibilitou o processo de industrialização. Essa experiência certamente serviu para que na crise atual os governos tentassem aplicar políticas anticíclicas injetando dinheiro público na economia para evitar uma quebradeira geral do sistema”.

O processo

A primeira fase do desenvolvimento industrial paulista (1880-1920) teve como característica a subordinação da indústria ao complexo cafeeiro e este às demandas externas. Manifestava-se no Brasil um processo de capitalismo tardio e o capital industrial estava vinculado a uma atividade mercantil exportadora, principalmente o café. Essa primeira fase do desenvolvimento industrial consolidou principalmente as indústrias de bens de consumo não duráveis, enquanto na Europa e nos Estados Unidos já se alavancavam outras formas de indústrias tecnologicamente mais avançadas.

Os anos 20 marcaram uma nova fase da indústria. Embora ainda impulsionada pelo comportamento das exportações agrícolas, a indústria que se sedimenta então em São Paulo já é mais complexa e diversificada. Entende-se a atividade industrial desse período como a preparação do processo de industrialização restringida – assim chamada pela limitação de bens de capital, consolidada a partir da década de 30. Os ramos e os setores industriais implantados anteriormente maturaram no período subsequente. A autora afirma ainda que “a Crise de 1929, mais do que a crise do complexo exportador cafeeiro, representou a precipitação da crise da economia exportadora capitalista, na medida em que estavam já criadas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo mercantil as condições fundamentais para a negação de seu predomínio”.

O estudo dedica-se a analisar o desempenho industrial no estado de São Paulo, principalmente dos setores têxtil e metalúrgico durante as décadas de 20 e 30, abrangendo a Crise de 1929 e a Grande Depressão. A partir daí visa avaliar os possíveis impactos decorrentes da crise na indústria brasileira sob uma nova perspectiva, diferentemente dos estudos existentes embasados em geral em análises de dados gerais e agregados.

Após perpassar algumas teorias sobre o crescimento industrial da década de 1920 e o significado de 1930 para o processo de industrialização, o trabalho apresenta dados que corroboram a teoria de que a década de 1930 teve seu caráter revolucionário, ao contrário do que afirmam alguns autores, sem deixar de mostrar a importância dos anos 20 como preparação do processo de industrialização restrita, consolidada a partir da década de 1930. Para a autora, “a ruptura ocorrida na Primeira Guerra Mundial talvez não encontrasse naquele momento uma diversificação industrial e condições econômicas e sociais suficientes que permitissem a ocorrência desse salto”.

Balanços

Além das estatísticas industriais do estado de São Paulo, a pesquisadora utilizou os balanços publicados no Diário Oficial pela Fábrica de Tecidos Labor, do setor têxtil; pela Companhia Mac Hardy, fabricante de máquinas; e pelas metalúrgicas Companhia Industrial e Mercantil Casa Fracalanza & Metalúrgica Fracalanza e Sociedade Anônima Souza Noschese. Os critérios de escolha levaram em conta a extensão e importância dessas atividades na época, o fato de essas empresas publicarem ininterruptamente balanços durante os anos dos períodos estudados e que, além disso, permitiam o estabelecimento de uma metodologia única, já que, diferentemente de hoje, essas prestações de contas não eram padronizadas.

Na tese são ainda comparados os setores têxtil e metalúrgico. O primeiro, já consolidado, e o segundo, ainda relativamente pequeno. Este começou a se desenvolver principalmente a partir da Primeira Guerra face às barreiras de importações e mais amplamente depois da crise de 29, passando a adquirir particular importância na fase em que a indústria se diversificava e se autofinanciava e não era mais subordinada ao complexo agrário exportador. Este é o ponto crucial do estudo.

Contextualizando, a pesquisadora lembra que até os anos 20 a renda do país dependia das exportações agrícolas, principalmente o café, e que a maioria dos produtos industrializados era importada. A crise mundial, ao provocar forte contração das importações, proporcionou notável estímulo para a indústria. Isso é sabido. A inovação do trabalho está no desenvolvimento de uma metodologia que utiliza balanços contábeis de empresas para estabelecer alguns índices que permitem analisar produção, investimentos e financiamentos, lucratividade e fontes de crescimento delas. “A evolução desses índices permite comprovar que a partir de 1929 passamos a um processo de industrialização propriamente dito em que a atividade industrial torna-se a atividade principal da economia”, diz Tatiana.

Ela lembra que a Companhia Mac Hardy, sediada em Campinas e uma das empresas estudadas, fabricava inicialmente equipamentos para a produção de algodão e café, mas a partir de um certo momento passa também a produzir máquinas metalúrgicas básicas. Seus produtos não se destinavam mais apenas à agricultura, mas também à própria indústria. Apesar disso, o processo não se completou pela falta de desenvolvimento do setor de bens de capital, responsável pela produção de máquinas e equipamentos para a própria indústria, sem o que um país não tem consolidado seu parque industrial.

A comparação dos setores têxtil e metalúrgico mostra que o primeiro sofreu muito mais com a Crise de 29 e teve recuperação bem mais lenta que o segundo que vinha se diversificando desde a década de 20. A propósito, ela acrescenta que o crescimento da indústria metalúrgica apoiou-se bem mais na tecnologia do que o da indústria têxtil, o que a transformou no motor da própria industrialização.

Com efeito, a recuperação do setor têxtil se deu principalmente por utilização de capacidade ociosa, o que não produz um incremento tecnológico. Para a pesquisadora, este é mais um dado que dá suporte à tese de que ocorria modificação da produção industrial na década de 1920 como a preparação do processo de industrialização restringida. Os anos 30 seriam, então, um marco da consolidação do capitalismo no Brasil: embora a industrialização permanecesse restringida por barreiras técnicas e financeiras. Esta é a principal conclusão.

Tatiana entende que o estudo dá suporte às teorias já existentes e adquire consistência com a agregação de dados primários. Ela espera incentivar novas pesquisas que utilizem balanços contábeis de empresas de outros períodos para a análise de momentos de crise importantes para entender o hoje e que ajudam a compreender o que pode vir a acontecer amanhã.

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■ Publicações

Tese: “Indústria brasileira nas décadas de 1920 e 1930: revisão da polêmica e exploração de evidências empíricas”.
Autora: Tatiana Pedro Colla Belanga
Orientador: Pedro Paulo Zahluth Bastos
Unidade: Instituto de Economia (IE)

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