| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 340 - 9 a 22 de outubro de 2006
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Pesquisadores aguardam aval para acionar o sistema de
monitoramento de aves da Antártica

Gripe aviária: fórum reacende
debate para sensibilizar governo

O pardelão-prateado (Fulmarus glacialoides), uma das espécies que chegam ao Brasil pelo Sul. Mapa da Antártica, que conecta América do Sul, África e Oceania: no circulo, ilhas sub-antárticas próximas ao BrasilOs Institutos de Matemática e de Biologia da Unicamp, a Unisinos e a Embrapa Meio Ambiente estão aptos há meses a colocar em prática o “Sistema de detecção extracontinental de influenza aviária”, que visa a entrada do vírus H5N1 – causador da situação calamitosa na Ásia e Europa – e de outros vírus menos letais pela rota da Antártica, trazidos por aves migratórias. No intuito de sensibilizar o governo federal a dar o sinal verde para o início das operações, a Unicamp vai sediar um fórum internacional neste dia 16, com convites aos ministérios da Saúde, Agricultura, Meio Ambiente e ao CNPq, a secretarias e órgãos estaduais da região Sul e a representantes do setor de produção avícola, bem como a autoridades da Argentina, Chile e Uruguai, países igualmente interessados em conter a influenza aviária.

Técnicos apresentam projeto a autoridades no dia 16

“Eu e o reitor José Tadeu Jorge expusemos o plano de emergência ao ministro da Agricultura Luís Carlos Guedes Pinto, como uma complementação do trabalho de prevenção que vem sendo feito nacionalmente pelo governo. Ficou entendido que o governo apoiaria o projeto”, informa João Frederico Meyer, diretor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp. Meyer e o reitor também estiveram na Marinha, reunidos com o comandante Geraldo Gondim Juaçaba Filho, do Projeto Antártico Brasileiro (Proantar) e de quem depende a inclusão de um grupo de pesquisadores na base do Brasil no continente congelado. Esta equipe, composta também por ornitólogos da Unisinos (Universidade Vale do Rio dos Sinos, RS) vai coletar amostras das variadas espécies de aves para análise virológica.

Desde a reunião técnica de março na Unicamp, com matemáticos, biólogos, veterinários e ornitólogos – e detalhada pelo Jornal da Unicamp na edição 317 –, o programa de detecção do vírus da influenza aviária passou por aprimoramentos. Mas João Meyer relembra os pontos essenciais do plano, começando pela coleta de amostras das espécies de aves migratórias que chegam ao Brasil pela rota da Antártica. “Esse material vai ser inativado, a fim de tornar um possível vírus inerte, antes do transporte para análise em Campinas. Esta análise deverá ficar por conta do Lanagro [Laboratório Nacional de Agrope-cuária], órgão do governo, e servirá para identificar a existência ou não do vírus H5N1 e de outros como o Newcastle”, diz o professor.

Os pesquisadores da Unisinos, chefiados pelo professor Martin Sander, já implantaram anéis ou microchips em cerca de 20 mil aves no continente antártico, sendo que espécies por eles anilhadas já foram encontradas em quase todo o litoral brasileiro. “Havendo algum vírus nas amostras, os ornitólogos saberão a espécie e os pontos que freqüenta em nosso território. Por exemplo: se no começo do ano a ave faz a primeira pousada no litoral gaúcho, pode-se prever que em maio estará no litoral do Espírito Santo. O modelo matemático permite antever aonde as tarefas de prevenção e contenção do vírus devem ser centralizadas. Assim, o governo poderá estabelecer estratégias, ações ou políticas de contingenciamento, como vacinar todas as aves em determinado raio”, explica João Meyer.

Mapa da FAO mostrando a dispersão do vírus H5N1 pela Ásia e Europa, chegando à África: espécies de aves descem para a AntárticaHistórico – Mestre em ecologia e gestor deste sistema de detecção elaborado para o Brasil, Joel Meyer, filho do diretor do Imecc, lembra que o vírus H5N1 apareceu e começou a causar problemas em 2003, na China, e já se espalhou por boa parte da Ásia, por quase todos os países da Europa e chegou inclusive a alguns países da África. “Durante algum tempo, as autoridades não levaram muito a sério o papel das aves migratórias na dispersão do vírus. Até que a FAO e a OIE (Organização Mundial para a Saúde Animal), este ano, promoveram uma convenção com pesquisadores do mundo inteiro, concluindo que essas aves realmente representam o principal vetor de macrodispersão do vírus H5N1”, informa. Outras formas de transmissão do vírus seriam o transporte de aves vivas – como no contrabando de animais silvestres – e a sua presença na bagagem de viajantes. “Mas, para esses casos, já existe o detector de material biológico em aeroportos e fronteiras. Difícil é controlar a movimentação das aves migratórias, para elas não há fronteiras”, acrescenta.

O mapa da FAO, segundo Joel Meyer, mostra claramente que as aves migratórias cobrem praticamente todo o globo, ou seja, que todos os países correm o risco de receber a influenza aviária. “Acontece que este mapa é um pouco eurocêntrico. Ele não leva em consideração uma rota muito importante, formada por mais de 60 espécies de aves com área de vida ao redor da Antártica, que por sua vez conecta os continentes da Oceania, África e América do Sul. Algumas espécies têm área de vida que chega à Europa e Ásia, e voltam para se reproduzir em ilhas sub-antárticas”, explica. Para algumas dessas ilhas próximas à América do Sul, entre agosto e novembro, descem espécies vindas de diversos pontos do globo, e muitas depois voam para o Brasil. “Ao traçarmos esta nova rota ao redor da Antártica, que se liga às demais rotas das aves migratórias, mostramos que o vírus pode chegar não apenas pelo Norte, mas também pelo Sul”.

Pelo Alaska – O professor João Frederico Meyer ressalta que a Antártica apresenta condições especialmente favoráveis à transmissão do vírus, começando pelas altas densidades populacionais. As colonias atinguem milhares de indivíduos literalmente espremedidos em pequenas ilhas sub-antárticas. “Outra condição importantíssima é a temperatura. A 25 graus, o vírus sobrevive de dois a quatro dias nas fezes de uma ave, ao passo que a até 4 graus, o vírus permanece infectante por 30 dias. O risco é bem maior”, adverte.

O professor João Frederico Meyer, diretor do Imecc, e o gestor do programa, Joel Meyer: “O Brasil, mais do que qualquer país, precisa do monitoramento” (Fotos: Antoninho Perri)Não por acaso, os Estados Unidos, que permanecem em alerta contra o H5N1, concentram a coleta de amostras no Alaska – são mais de 14 mil testes virológicos, segundo o banco de dados do monitoramento de aves, ao passo que nos outros estados americanos eles não ultrapassam a casa das centenas. “O Alaska é um espelho da Antártica em relação a temperatura e abrigo para espécies de outros continentes. Os EUA definiram que ali está o principal risco de entrada do vírus na América do Norte e já montaram seu plano de defesa”, diz Joel Meyer. De fato, em março último, cinco meses após a apresentação do programa de detecção brasileiro ao Ministério da Agricultura, os EUA anunciaram o deles, praticamente idêntico em relação ao banco de dados e modelo matemático – o Brasil possui modelagem para o caso de pandemia em humanos, mas não para aves.

Joel Meyer ressalta ainda a importância de realizar o seqüenciamento genético do vírus H5N1 e de divulgar essas informações, medida defendida em artigo na revista Nature assinado por 70 pesquisadores, entre eles seis prêmios Nobel. “O seqüenciamento permite perceber, como num jogo dos sete erros, as pequenas diferenças e semelhanças entre vírus encontrados em outras partes do mundo. Os vírus apresentam mutações, inclusive quanto à capacidade de infecção. Isso facilitaria muito o combate à influenza aviária, pois permitiria conhecer a origem e as características da cepa do vírus, além de apoiar o desenvolvimento de uma vacina eficaz”, esclarece.

Newcastle – Agora em julho, o Ministério da Agricultura anunciou o surto de uma doença aviária semelhante à influenza (mas menos letal), causada pelo Newcastle. Mesmo sem comprovação, o Ministério acredita que o vírus tenha chegado através de aves migratórias. Na verdade, o surto ocorreu em maio, justamente o mês de chegada de espécies do Sul, sendo que o Newcastle já foi detectado em ambiente antártico. “Isso mostra que se trata de um caminho viável para a transmissão de doenças. O problema foi o efeito surpresa, pois o governo não estava pronto para lidar com a situação e levou dois meses para confirmar o diagnóstico. Mais de 40 países levantaram barreiras comerciais contra o frango, com um prejuízo de R$ 2,6 milhões para os produtores gaúchos”, observa o pesquisador.

Na opinião do professor João Meyer, se o programa de detecção sugerido ao governo estivesse em prática, poderia ter fornecido informações importantes para a previsão, prevenção e combate ao Newcastle, assim como de outros vírus. Em épocas passadas, Austrália, Chile e África do Sul já sofreram com surtos de cepas de doenças viárias de alta patogenecidade, enquanto que a Argentina identificou variedades de influenza em aves migratórias da Antártica. “O Brasil é o maior exportador de frangos do mundo e a indústria avícola responde por 1,5% do PIB. Mais que qualquer outro país, é fundamental o Brasil estar preparado para enfrentar o vírus de forma eficiente. Os produtores estão conscientes da importância de um programa permanente de monitoramento. A primeira idéia do projeto é tranqüilizar a população e a cadeia produtiva. Gostaríamos de ir à Antártica e anunciar que não achamos nada. Mas isso só pode ser feito através de um monitoramento eficiente”, finaliza o diretor do Imecc.

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