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Bionegócio e bionergia: superando as
fronteiras entre setores da economia

No último dia 15, o Instituto de Economia da Unicamp promoveu o seminário Bioenergia: “Alternativas e Avaliação de Impactos no Brasil e nos EUA”.

O Seminário foi organizado para receber os professores David Zilberman, da Universidade de Berkeley, e Madhu Khanna, da Universidade de Illinois, ambos profundamente envolvidos com alguns dos temas mais polêmicos da atualidade: as alternativas energéticas baseadas no poder da fotossíntese – a fotossíntese em tempo real, como fala Eduardo Trigo, renomado economista argentino – em comparação com o uso de combustíveis fósseis e outras fontes alternativas de energia. Os dois atuam no Energy Biosciences Institute (EBI), um instituto financiado pela British Petroleum e localizado nas duas universidades, com um orçamento de US$ 500 milhões para 10 anos de pesquisa, com foco em 2ª geração a partir de gramíneas.

A idéia foi aproveitar a visita para estabelecer um diálogo franco e qualificado com os visitantes. Para tanto, convidamos três dos mais importantes professores na área e fomos felizes em contar com visões distintas e complementares: os professores Luiz Cortez, Arnaldo Walter e Hilton Silveira, os três da Unicamp.

O professor Cortez, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) e da Fapesp, fez um panorama geral da agroindústria canavieira, mostrou dados sobre uso da terra e falou do zoneamento agroclimático da cana-de-açúcar no Brasil, passando a visão clara de que se deve superar a crítica fácil de que haja uma correspondência entre a expansão da bionergia e aumento de emissões de gases que contribuem para o aquecimento global. Apresentou a seguir a contribuição da Fapesp para a pesquisa em bioenergia, ressaltando os avanços do Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), o que ficou claro para qualquer visitante do seminário BBest, ocorrido em Campos de Jordão, em agosto.

O cenário apresentado pelo professor Cortez mostra que desenvolver novos mercados baseados em novas tecnologias, mesmo potencializando uma ampla organização prévia, demanda uma base ampla de conhecimento, da biologia aos estudos socioeconômicos. Uma questão salta aos olhos: apesar de os recursos alocados no Bioen próximos a US$ 10 milhões/ano (2008 a 2012) serem substanciais, seriam suficientes para dar conta da complexidade do programa, que contempla desde ciência básica em genética até pesquisas sobre o desempenho de motores, passando por estudos sobre etanol de 2ª geração? Uma comparação com o projeto do Energy Bioscience Institute sugere que os resultados do Bioen também dependem de boas parcerias e de cooperação internacional, o que vem ocorrendo, principalmente pelo apoio da Fapesp.

A multidisciplinaridade dos temas e dos enfoques sobre a bioenergia foi reforçada pela apresentação do professor Arnaldo Walter, que respondeu à provocação do moderador sobre o modesto papel cumprido até pouco tempo atrás pelo governo federal na área de bionergia. Como resposta, apontou que o governo investiu 35 milhões de euros na montagem do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Etanol (CTBE), um centro de pesquisa de alto nível com 110 pesquisadores e com capacidade para contar com a “massa crítica” das universidades e centros de pesquisa localizados ao seu redor (USP, incluindo Esalq, Unicamp, Lorena, IAC, IPT, Embrapa).

O mote de sustentabilidade guia a orientação dos trabalhos de pesquisa em várias áreas e não somente o conhecimento específico sobre impactos do cultivo da cana no ambiente. Isto coloca a visão estratégica do CTBE na categoria de ações que se voltam para gerar um conjunto de “tecnologias limpas” – dentro do possível e do aceitável, como diz o economista René Kemp, do Merit, na Holanda – ao invés de buscar soluções mitigadoras, aplicáveis no final do processo (poluidor).

Isto não significa desprezar a busca de ganhos de produtividade, do melhor aproveitamento dos recursos por litro de etanol obtido: as agendas de pesquisa são paralelas, mas se encontram nos resultados: um melhor aproveitamento da matéria-prima, via hidrólise, viabiliza a cana-de-açúcar como matéria-prima do bioenegócio mais importante do Brasil, reduzindo seu impacto sobre a produção de alimentos. A pesquisa com uma nova colheitadeira torna ainda mais viável a política ambiental de eliminar a prática da queima da cana para fins de colheita, além de estabelecer o nexo entre pesquisa pública e empresas inovadoras.

Em resumo, a apresentação do professor Arnaldo Walter revelou que a estratégia do CTBE é ao mesmo tempo clara e complexa. Opera realisticamente no campo da primeira e segunda gerações, buscando resultados em paralelo e também atua na viabilização das atividades agrícolas com foco na criação de meios e critérios para a implementação progressiva de etanol e outros produtos capazes de apresentar a condição de “produtos sustentáveis”. A clara definição das estratégias viabiliza a formação de parcerias com organizações internacionais e com os avanços realizados – principalmente no campo da pesquisa básica – pelos projetos da Fapesp. A articulação dos objetivos no tempo se dá pela ideia de que existe um conhecimento científico e tecnológico capaz de operar a transição da produção agrícola de cana para o bionegócio em energia.

O professor David, em seu blog (http://blogs.berkeley.edu), comenta que os brasileiros são orgulhosos de seu projeto bioenergético, ao mesmo tempo que em outro comentário, aponta que somos francos (ao ponto da ingenuidade) de admitir (como o assessor de Clinton) que o problema da difusão tecnológica depende “da economia, estúpido”. O Brasil, ainda que com muito menos intensidade, também procura tornar o carro flex mais eficiente, só que isto não anula o fato de que a competição dos velhos e novos usos da matéria-prima cana-de-açúcar com o uso como combustível líquido é crescente e que qualquer estratégia em bioenergia passa pela viabilidade do carro-chefe (sem trocadilhos) do consumo da energia verde. Gastos em P&D implicam riscos, mas quanto mais integradas as ações em C&T&I (menos modular) maior a necessidade de atenção com os pontos críticos, aqueles que podem colocar tudo a perder.

Na década de 80, no início do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp, praticamente descartava-se a importância da terra como ativo para a produção agrícola: das fazendas à biotecnologia passava-se da questão agrária para o mundo admirável da intensificação dos fatores produtivos na agricultura, na forma de máquinas e insumos. A lusitana roda e o mundo gira, como falava o bardo: o tema central tanto da apresentação da professora Madhu Khanna quanto do professor Hilton Silveira é o uso adequado da terra e de como as trajetórias tecnológicas da agricultura passaram a depender da capacidade de utilizar a alta ciência (dos equipamentos de medição aos modelos bioeconômicos simulados) para o melhor uso desse fator escasso.

A professora Madhu, na lógica schumpeteriana, mostra o chamado “porrete”: o preço da falta de coordenação entre agentes produtivos no Brasil é o de perderem competitividade para tecnologias de 2ª e 3ª gerações que não dependem integralmente do uso da terra. Na suposta pátria do liberalismo econômico, energia e agricultura são estratégicos e isto significa utilizar de um conjunto combinado de políticas produtivas e ambientais, como obrigar a utilização de biocombustíveis (como também faz o Brasil) e impor taxas sobre emissão de gases que contribuem para o aquecimento global. Sem contar na extensão do prazo para subsidiar o etanol de milho, ineficiente em seu início, hoje quase competitivo com outras fontes de matérias-primas.

O professor Hilton apontou em sua apresentação que o incentivo, o bônus dado pela natureza do ciclo da fotossíntese da cana ser C4, CO2 amigável, em parte atenuaria o possível impacto do aquecimento global, fenômeno que recolocaria os países centrais (EUA, Canadá, Europa Central), como protagonistas da cena agrícola do futuro. O problema é fazer uma transição adequada. Agroindústria implica investimentos produtivos que em parte não podem ser deslocados: uma vez que a cana invada uma certa região produtora de alimentos, o custo da recuperação é alto, independentemente do fato de que seja possível “transportar” uma usina para outro local. A importância do zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e da agricultura de baixo carbono (ou agricultura verde) é tão grande quanto a estratégia de desenvolvimento sustentável da produção sustentável de biocombustíveis e outros produtos do complexo cana, tal como formulada pelo CTBE. A diferença é que o processo de coordenação, no caso do respeito ao zoneamento proposto pelos estudos do professor Hilton e seus colaboradores, é muito mais complexo: ainda se ouve de representantes dos usineiros que “da porteira para dentro decido eu”.

O professor David não só apreciou o esforço do diálogo como contribuiu para divulgar melhor a pesquisa e a produção bionergética do Brasil. Característico de quem tem segurança na própria visão e nos trabalhos de pesquisa que coordenou, o professor David expande a teoria da difusão tecnológica na agricultura. Quando alguém reclama do hiato tecnológico entre a pesquisa e o campo, o professor de Berkeley acena com o fato de que o impacto da inovação na agricultura, ao contrário dos campos experimentais, gera efeitos encadeados sobre todo o ciclo produtivo da agricultura. Com base neste argumento, o professor considera injustificáveis as restrições impostas sobre a difusão da biotecnologia por supostos defensores da natureza: inovação tecnológica é parte de um processo amplo de busca de produção sustentável.

José Maria F.J. da Silveira, professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, atua no Núcleo de Economia Agrícola (NEA) do mesmo instituto e no programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen)



 
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