As embalagens modernas de alimentos, mais do que formar uma mera barreira para protegê-los do ambiente externo, vão interagir com os próprios produtos para conservar suas qualidades nutricionais, sensoriais e microbiológicas. As embalagens ativas e as embalagens inteligentes são objetos de uma linha de pesquisa do Laboratório de Desenvolvimento de Membranas e de Filmes para Embalagem (Damfe), coordenado pela professora Leila Peres, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. No mesmo laboratório se realizam estudos com membranas que atuam como filtros em nível molecular em processos industriais.
Uma das embalagens ativas desenvolvidas pelo grupo de Leila Peres traz um filme contendo um aditivo absorvedor de oxigênio. “Um dos grandes problemas em alimentos embalados é a presença do oxigênio, que interage com gorduras, vitaminas e pigmentos, oxidando-os. O material de embalagem é constituído por várias camadas. O aditivo é incorporado ao polímero numa camada intermediária e absorve o oxigênio residual na embalagem ou que nela consiga permear durante a estocagem”.
Outro agente absorvedor de oxigênio desenvolvido com sucesso do Damfe tem a forma de sache. Um recurso utilizado pela indústria para prevenir contra os efeitos indesejados do oxigênio é a introdução na embalagem de uma atmosfera especial modificada, geralmente com nitrogênio e/ou dióxido de carbono. Outro recurso é a embalagem a vácuo.
A professora observa que, ainda assim, resíduos de oxigênio podem estar presentes. “Ao contrário do que pensamos, quando nos deparamos com as carnes na prateleira, aquela de aspecto mais escuro é a que foi embalada a vácuo adequadamente; se a carne estiver muito vermelha, é porque teve contato com oxigênio”.
Leila Peres vem desenvolvendo filmes com um outro aditivo, adsorvedor de etileno – gás que funciona como hormônio de amadurecimento. Segundo a pesquisadora, frutas e hortaliças, mesmo depois de colhidas, mantêm reações de respiração. “Essas reações produzem o etileno, que acelera a maturação. A banana verde, quando embrulhada em jornal, amadurece rapidamente por que o etileno fica contido ao redor da fruta”.
Esta ação do etileno, porém, pode ser um problema ao se considerar o período de transporte, armazenagem e venda do produto. “A função do aditivo é a captura das moléculas desse gás. Nossas pesquisas indicam que ele também tem o efeito de facilitar a saída do etileno por aumentar a permeação pela embalagem plástica, reduzindo sua concentração no interio. Com isso, aumenta-se a vida de prateleira do produto, além de evitar a deterioração ou a devolução, que são computados no custo final”.
Claire Sarantópoulos, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), que coopera ativamente com estas pesquisas desenvolvidas na Unicamp, destaca a importância que as embalagens adsorvedoras podem ter para a exportação de frutas como o papaia e a manga, que têm valor agregado relativamente alto e cuja qualidade é imperativa. “O prolongamento da vida útil destes produtos permite substituir parte do transporte aéreo – que tem custo elevado e volumes limitados – pelo marítimo”.
Uma terceira linha de filmes ativos, diz Leila Peres, é a que incorpora agentes antimicrobianos, destinados a alguns produtos específicos como os cárneos. “O aditivo interage diretamente com o produto e inibe o crescimento microbiano. Como a liberação se dá aos poucos, durante o tempo de validade, quanto antes se der o consumo, menor a dosagem de aditivo. É uma vantagem em relação aos conservantes adicionados ao produto, cuja quantidade consumida vai ser sempre a mesma”.
Inteligentes
A pesquisadora da Unicamp informa que outra tendência moderna na área de alimentos é a embalagem inteligente. “Ela permite obter informações sobre o que está ocorrendo com o produto, como por exemplo, incorporando ao filme ativo um indicador de presença de oxigênio. Pode ser um dispositivo que mude de cor quando a concentração de oxigênio atingir uma concentração crítica”.
Atualmente, o consumidor precisa confiar no fabricante ou comerciante quanto à validade estipulada para o produto. As embalagens inteligentes, acrescenta a professora da Unicamp, podem indicar não apenas a presença do oxigênio, mas denunciar o nível de concentração atingido. Da mesma forma, o dispositivo pode associar tempo e temperatura. “O produto pode ficar sob uma temperatura indevida por alguns minutos, mas não por horas. A embalagem pode nos dar esta informação”.
Também são consideradas inteligentes, as embalagens com filmes que reagem ao ambiente: uma possibilidade é formular uma estrutura cuja taxa de permeação a gases varie conforme a temperatura. Leila Peres ressalva, contudo, que esta linha de embalagem inteligente está em fase inicial na FEQ. “Trata-se de uma novidade mesmo em nível mundial e o nosso objetivo é desenvolver uma tecnologia própria. E já chegamos à conclusão de que temos condições de fazê-lo”.
Filmes plásticos metalizados
Claire Sarantópoulos realiza pesquisa de doutorado na FEQ, também associada ao Damfe, que não está diretamente relacionada com embalagens ativas ou inteligentes, mas visa uma versão mais moderna e de menor custo da embalagem plástica com barreira. “A idéia é aumentar a propriedade de barreira ao oxigênio e à umidade do ar, dois fatores que aceleram a degradação de muitos produtos”, diz a pesquisadora do ITAL.
Segundo ela, uma maneira relativamente barata de obter esta barreira é aplicando uma fina camada de alumínio sobre filmes plásticos, que oferecem facilidade de conversão, além de muitas propriedades desejáveis para a comercialização de alimentos. “Não se trata mais de uma folha de alumínio, de 9 a 12 micras de espessura, que tem seu custo, mas de depositar o alumínio da forma de átomos sobre o plástico, com espessura muito mais fina que um micron, na faixa de 40 a 100 nanômetros”.
As membranas poliméricas
e suas aplicações na indústria
A segunda linha de pesquisa do Laboratório de Desenvolvimento de Membranas e de Filmes para Embalagem envolve a preparação, caracterização e aplicação de membranas poliméricas em processos industriais. A professora Leila Peres explica que a membrana é uma barreira seletiva, uma espécie de filtro em nível molecular, que pode ser também de material cerâmico, metálico ou mesmo de vidro.
Na indústria alimentícia, as membranas têm aplicações na concentração de leite, de soro de queijo e na clarificação de sucos. Na indústria química e farmacêutica, para a separação de gases, recuperação de lignosulfonatos, desidratação de etanol, purificação de enzimas e proteínas e produção de água ultrapura. Na medicina, para hemodiálise(rim artificial) e oxigenação do sangue em cirurgias (pulmão artificial).
Na indústria têxtil, para recuperação de insumos como gomas e corantes, que têm impacto ambiental. Servem para o próprio tratamento de água e de efluentes.
Leila Peres esclarece que muitas destas aplicações têm sido estudadas no Damfe. “O que caracteriza a seletividade da membrana polimérica é a massa molar de corte, ou seja: espécies acima de determinado tamanho de corte são retidas, enquanto as espécies menores passam. Ela também permite a separação de gases: utilizando-se um diferencial de pressão como força motriz, a membrana deixa passar o gás com o qual tem uma afinidade química preferencial, retendo o outro”.
Segundo a professora da FEQ, o efluente que sai da tinturaria oferece um bom exemplo do nível de seletividade das membranas. “Este efluente contém microfibrilas e uma série de espécies maiores que o corante, tais como as gomas. Inicialmente se faz um pré-tratamento, podendo-se usar vários processos com membranas integrados, começando-se com uma microfiltração para reter as microfibrilas, seguida de ultrafiltração para reter a goma. Já o corante terá de ser processado por nanofiltração ou osmose inversa, através de uma membrana com massa molar de corte muito baixa; a separação se dá em nível molecular”.
Entre as principais propriedades avaliadas nas membranas poliméricas estão o fluxo permeado (a maior parte dos processos exige alta capacidade de vazão para torná-los econômicos) e a capacidade de retenção que caracteriza a seletividade da membrana. “Na produção de sucos concentrados, a indústria está interessada em fazer passar a água e em reter o sumo. Passam junto com a água moléculas menores responsáveis pelo sabor e odor, mas que podem ser recuperadas em um processo seguinte, com uma membrana de nanofiltração, sendo devolvidas sem degradação ao suco concentrado”.
Leila Peres observa que seu grupo de pesquisadores prepara e caracteriza as membranas em nível de bancada e que a produção em escala dependeria de empresas parceiras. “Nosso esforço é para divulgar a tecnologia, que ainda não é muito conhecida no país. Em muitos casos, ela pode ser uma alternativa até para competir com processos convencionais, como de destilação e evaporação, no qual o uso de energia é intensivo”.
Voltando à produção de sucos, a professora da FEQ informa que nela se utiliza a evaporação, sob risco de degradar as moléculas de aroma e sabor, que não são resistentes a temperaturas elevadas. “Os processos com membranas ocorrem à temperatura ambiente e, muitas vezes, em pressões baixas, como na microfiltração. Além de serem menos intensivos energeticamente, protegem as espécies sensíveis da degradação térmica, tais como vitaminas, enzimas e microorganismos”.