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Palestinos
e israelenses vão conviver ou morrer juntos
PETER DEMANT*
Tornar
irmãs as cidades de Campinas e
Jericó na Cisjordânia ato em si
positivo
e com modesto potencial de mobilizar
recursos para o desenvolvimento da sociedade palestina
árabe foi infelizmente usado para disseminar
semiverdades e mentiras sobre o conflito Israel-Palestina.
João Maurício da Rosa, o jornalista que
cobriu o acontecimento, evidentemente não possuía
suficientes informações para relativizar
a propaganda proferida por alguns dos participantes
do simpósio internacional da Unicamp. (O articulista
se refere à matéria Os garotos das
fundas, da edição de dezembro).
Vários erros pedem correção, mas
destacarei apenas três: a suposta assimetria das
forças; a acusação de destruição
do patrimônio palestino; e a questão da
antiguidade palestina.
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Desequilíbrio das forças:
realidade ou aparência?
Opor
os garotos das pedras como expressão
inocente da revolta popular palestina contra
um brutal opressor israelense, suficientemente mesquinho
para vestir seus próprios soldados (garotos pouco
maiores do que os palestinos) com coletes à prova
de balas, é ingênuo e a-histórico.
Como Davi lembrou a Golias, pedras podem matar; além
disso, os palestinos não usam só pedras,
símbolo do caráter não-violento
da sua resistência.
Eles
usam (como os israelenses) todos os métodos ao
seu alcance na luta pela própria causa. Hoje morteiros
palestinos e homens-bomba lançados contra civis
israelenses estão mais em evidência do que
pedras. A atual superioridade militar israelense, apenas
quantitativa, é conseqüência de desenvolvimentos
anteriores que obrigaram os israelenses a manter um excedente
militar para sobreviver. O que diferencia a luta palestina
de muitas outras, é que uma minoria não
desprezível de palestinos não só
luta por um Estado independente ao lado de Israel mas
proclama abertamente sua intenção de destruí-lo.
Com toda sua superioridade material e militar, Israel
não terá segurança sem um desejo
de coexistência mais unânime por parte dos
árabes.
Mas
como Muhammad Barka, representante árabe no Knesset,
observa muito bem: os palestinos também precisam
dos israelenses progressistas para avançar em seus
interesses. Enquanto a maioria dos israelenses não
está convencida das intenções pacíficas
de seus vizinhos palestinos, não se pode esperar
que abram mão de seus recursos militares. Na realidade
não temos um oponente forte mas injusto oprimindo
um fraco porém justo imagem que ambos os
lados gostam de projetar no cenário internacional
. Temos uma interdependência onde cada um constrange
as forças do outro.
Destruição
do patrimônio
palestino: etnocídio ou genocídio?
O
historiador José Arbex enfatiza as destruições
cometidas por Israel contra o patrimônio econômico
e cultural dos palestinos, tanto na demolição
de casas de terroristas e ao arrancar oliveiras, quanto
no mudar nomes de lugares e outras tentativas de jogar
no esquecimento a existência dos palestinos. Arbex
cita o general e político Moshe Dayan em 1969:
Nós vie-mos para este país que já
era habitado pelos árabes (
) Cidades judaicas
foram construídas no lugar das cidades árabes.
(
) não apenas os (antigos) livros de geografia
desapareceram, como também as cidades árabes.
A citação é correta, mas usada fora
de contexto.
Arbex
mistura as destruições maciças (e
mútuas!) entre judeus e árabes na Palestina
sob o mandato britânico, antes de e durante a independência
de Israel em 1948, com as mais recentes e muito mais restritas,
feitas por Israel desde a ocupação dos territórios
palestinos em 1967. Dayan falou do período anterior,
exortou os soldados israelenses a se armar mentalmente
contra a hostilidade árabe, e tentou convencê-los
de que não havia alternativa além da espada.
Na verdade, a hostilidade (que ele considerava eterna)
existia ainda uniformemente em 1969. Nenhum país
árabe estava então aberto à idéia
de paz com Israel mesmo em troca dos territórios
ocupados pouco antes. O lado árabe ainda insistia
no desaparecimento do Estado de Israel. Nem os palestinos
aceitaram a partilha indicada em 1947 pela ONU: dois estados
independentes, um para os judeus e o outro para eles.
Assim a ocupação se perpetuou, unindo ocupador
e ocupado num ciclo de violência. Israel cometeu
brutalidades lamentáveis (materiais e imateriais)
contra a população palestina no curso de
sua prolongada ocupação da Cisjordânia
e Gaza (que aliás não contam 90.000 mas
7.000 km2 o equivalente à Grande São
Paulo). Porém, a tentativa sionista de simbolicamente
tomar posse e impor seu próprio caráter
nacional ao país que considera seu não
menos autenticamente do que os palestinos (renomeando
lugares, pesquisas arqueológicas, literatura, assentamentos;
etc.) não constitui em si mesmo um caso único
ou pior do que outros. Tentativas de obliteração
de culturas indígenas e de sobrepor a cultura (supostamente
superior) do conquistador são bastante comuns na
história e se encontram em todas as colonizações,
não só na dos sionistas e dos europeus brancos
mas até na dos próprios árabes. Muitos
nomes de lugares palestinos são adaptações
de aldeias bíblicas hebraicas antecedentes: assim
Gilo se tornou Jala, Bethlehem (Belém) ficou Bet
Lahm, e Jericó, Ariha. A reapropriação
sionista teve com certeza atos condenáveis, mas
não por isso dá para equipará-la,
como o faz Arbex, com o Holocausto, o extermínio
planejado e sistemático de um povo inteiro.
Essa
equivalência seria ridícula se não
fosse perigosa, porque se inscreve numa tentativa de deslegitimizar
o Estado de Israel ao diminuir (e até negar) a
terrível perseguição dos judeus na
Segunda Guerra Mundial: perseguição que
comprovou a necessidade de assegurar um lugar e uma soberania
que permitisse aos judeus a se defender contra futuras
agressões anti-semitas. O novo Estado de Israel
não só estabeleceu uma nova sociedade judaica,
mas tenta demonstrar sua continuidade cultural com a presença
judaica antiga na região. O desafio tanto para
israelenses quanto para palestinos é de internalizar
que ambos os povos têm ali raízes e direitos.
Quem foi ali primeiro?
A
propaganda palestina copiando a estratégia
dos sionistas tende a construir uma antiguíssima
história para seu próprio povo. Afirmações
tais como as do bispo jordaniano Atallah Hana, de que
Jericó e Jerusalém são antigas cidades
palestinas ou mesmo de que Jesus era palestino (isto numa
época em que cristãos progressistas enfatizam
Sua judaicidade!) fazem parte de uma tentativa de expropriar
os judeus de hoje de sua história, esvaziando assim
um dos argumentos sionistas.
A
propaganda palestina, que às vezes chega a reivindicar
até Moisés como líder palestino e
às vezes traça sua genealogia aos Canaanitas
inimigos dos hebreus antigos, se emaranha em contradições.
Se Davi e Jesus foram palestinos, então provavelmente
Dayan, Sharon e a maioria dos judeus contemporâneos
também o são! Isto pode ser parcialmente
verdadeiro, já que a ancestralidade tanto dos palestinos
quanto dos judeus no mundo é na realidade extremamente
mista, em conseqüência de inúmeras invasões,
migrações, casamentos mistos etc. Tentativas
de roubar história se encontram em
ambos os lados, mas têm um efeito bumerangue: se
os ancestrais biológicos de um ou de outro lado
já moravam, havia dezenas de gerações,
naquele pedaço de terra hoje tão cobiçado,
é menos relevante do que o fato inegável
de que suas reivindicações nacionalistas
são de origem muito mais recente. Não se
pode basear o direito coletivo de qualquer nação
sobre um território específico na continuidade
meramente biológica da sua presença. Uma
busca da herança positiva comum experiências
de convivência pacífica como as lembra o
Prof. Mohamed Habib são um melhor preparo
para uma futura coexistência israelense-palestina
do que tais tentativas de deslegitimização.
O
relatório contém mais erros do que posso
corrigir aqui. Intifada não significa
revolta, mas tremor vulcânico; os territórios
cisjordanianos A, B e C não foram concebidos como
prisão para os palestinos, mas como solução
temporária durante o processo de paz, livremente
negociada entre os lados em 1995; Sharon nunca comandou
o massacre nos campos de refugiados palestinos de Sabra
e Chatila em 1982, mas foi acusado (e condenado por um
tribunal israelense) por deixar árabes cristãos
libaneses aliados a Israel cometer este massacre. Seria,
aliás, fácil preparar uma lista de atrocidades
árabes contra judeus para fazer paralelo à
lista unilateral divulgada no simpósio da Unicamp
tão fácil quanto inútil para
a causa da reaproximação entre israelenses
e palestinos. É verdade que palestinos sofrem da
discriminação em outros países árabes
irmãos; é falso imputá-la
à tendência democrática
dos palestinos, e mentiroso contrastar esta tendência
imaginária à natureza totalitária
de Israel. Na realidade, Israel longe de ser totalitário
é uma democracia incompleta e extremamente
caótica, enquanto as tentativas palestinas (pouco
convincentes) de se democratizar refletem, antes de mais
nada, a influência involuntária do modelo
israelense
Injustiças
graves foram cometidas por Israel desde seu estabelecimento
até hoje. Porém, o Estado judeu não
tem o monopólio da injustiça, nem seu direito
à existência é afetado por suas imperfeições.
Além dos erros factuais, as questões morais
cercando o conflito são um pouco mais complexas
do que o artigo faz pensar. Palestinos e israelenses estão
condenados a conviver ou a morrer juntos. Os palestinos,
e seus simpatizantes, conseguirão mais através
da construção de pontes de entendimento
do que através da propaganda estéril e da
demonização do outro.
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Continua
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