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História
emoldurada
Unicamp
adquire o acervo do fotógrafo Aristides da Silva,
o
V-8, para garantir a conservação de relíquias
deCampinas
O
apelido V-8 era de meu irmão, que foi pra Santos.
Me chamavam: é irmão do V-8, irmão
do V-8!. Quando a gente não gosta é
que o apelido pega
Comprei uma máquina pequena, uma Agfa caixão,
aquela 6 por 9. Comecei a fotografar nos campos, comecei
devagar. Não sabia pôr um filme, que era
chapa de vidro. Foi indo, me aperfeiçoei
Era
uma perua de São Paulo que comprava, pegava as
chapas de vidro pra limpar, pôr de moldura. Deu
banho em mais de cinco mil negativos. Venderam como
vidro. Eu peguei muitas coisas, vinha guardando. Então,
todo mundo dizia: Leva lá que o V-8 que
é lixeiro, tá colecionando.
Peguei muita coisa no lixo
ANTONIO
SCARPINETTI
As
imagens do trabalho escravo no final do século
XIX, que contam a história visual da instalação
de trilhos para o tráfego dos bondes de tração
animal, se perderam no tempo. A emulsão fotográfica
desses instantâneos, nas chapas emolduradas de vidro,
não suportou a implacável ação
da umidade corrosiva. De um conjunto das três caixas,
encontradas numa velha casa do bairro do Cambuí,
em Campinas, nada pôde ser aproveitado. O autor
morrera sem permitir que ninguém colocasse as mãos
nos originais de sua obra. Tudo grudado nas bordas.
Você via, então você chorava,
lamenta o colecionador. Em outra residência, entretanto,
ele salvou do lixo mais de 1.800 negativos, dos tempos
de Francisco Glicério: o modo de vida da população,
a arquitetura, a luz, o movimento...
Nas
lembranças de Aristides Pedro da Silva, que ficou
famoso na cidade como o V-8, essas imagens estão
vivas. Desde o tempo em que garimpava tesouros nos porões
de casarões aristocráticos campineiros.
Depósitos onde se jogava trastes de pouco valor,
esquecidos nos recônditos da memória, numa
época em que as pessoas muitas vezes nem sabiam
das relíquias perdidas entre as velharias e que
ele recuperou para a posteridade. Ih, lá
em casa tem um monte de vidro!. Bastava a deixa
de algum conhecido para que ele fosse recolher os objetos
que formaram um dos acervos mais importantes da história
do desenvolvimento de Campinas. O arquivo cobre o final
do século 19 e quase toda a metade do século
20.
Este
patrimônio iconográfico, transformado em
obra de referência para historiadores e pesquisadores,
está agora sob a guarda da Unicamp. O conjunto,
somando mais de cinco mil negativos e ampliações,
até então sob a custódia do Museu
da Imagem e do Som (MIS), foi incorporado ao arquivo imagético
do Centro de Memória da Unicamp (CMU). O fotógrafo
tinha autorizado, em 2001, a transferência do acervo
de sua residência para o MIS, atendendo a um pedido
do prefeito Antonio da Costa Santos, assassinado em setembro.
No
início de dezembro, o reitor da Unicamp Hermano
Tavares assinou portaria determinando a liberação
de R$ 42,2 mil para aquisição das fotografias
recolhidas e produzidas por V-8, que o CMU vinha negociando
havia alguns anos. As fotos a partir de agora serão
diagnosticadas, restauradas e organizadas pela equipe
técnica do Centro, em conjunto com técnicos
do MIS, que serão treinados para também
participar do trabalho de recuperação e
catalogação. Cópias digitais das
imagens estarão disponíveis para pesquisas
acadêmicas e o acesso será livre para estudantes
das redes de ensino de primeiro e segundo graus.
Automóveis
Ford, em meio ao movimento da Rua Barão de Jaguara
em Campinas, no final da década de 30. Esta imagem
exposta numa vitrine do estúdio de V-8, na Rua
Treze de Maio, despertou o interesse dos transeuntes.
E este prazer em exibir suas fotos tornou Aristides Silva
uma referência como colecionador de preciosidades.
As imagens correram o mundo e ainda hoje são parte
de exposições em paredes de restaurantes,
galerias, na mídia e em publicações
da história regional.
Se lixeiro entendesse um pouco de arte, ficava rico.
Até libra esterlina foi para o lixo, mas ele não
conhecia. Era uma coisa comum. A turma falava: Leva
lá para o V-8, que é lixeiro, relembra
Aristides. Grandes momentos do século 20, flashes
da memória, estão guardadas no coração
do museólogo.
Aristides
Silva, 80 anos de idade completados em outubro passado,
é um homem de vida simples e dedicado ao amor por
sua cidade. Fotógrafo e pesquisador sensível,
reconhecido como profissional de grande importância
para Campinas, agora tem seu legado preservado, não
apenas para seus contemporâneos, mas para as futuras
gerações que ainda serão alimentadas
por esta rica fonte de luz, lirismo e realidade.
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Caminhos
da arte
V-8
descobriu os caminhos da arte em sua infância
de origem humilde, ao contemplar os verdes campos das
fazendas de café no Distrito de Sousas, ou nos
solares das fazendas em Valinhos (SP). Seu amigo fotógrafo
Mário de Oliveira o orientou no início
da carreira.
Quando
começou a registrar jogos de futebol, em 1947,
ele usava uma máquina caixão Agfa. Os
rudimentos da cultura européia o ajudaram na
construção do olhar fotográfico,
quando carregava telas e caixas de pincéis e
tintas para turistas franceses, hóspedes do Hotel
Fonte Sônia em Valinhos. Autodidata também
na pintura.
O
olhar sensível, a luz na medida exata. Esta obsessão
de Aristides Silva pela luminosidade ideal fez com permanecesse
horas em frente ao Teatro Municipal para fotografar
a derrubada do monumento.
A
paixão pela arte era nítida até
em fotos de casamentos. Eventos históricos, a
desconstrução de prédios antigos,
o fanatismo pelo Guarani, registros da cidade que não
existe mais. No acervo de múltiplos autores,
constituído principalmente por doações,
estão congeladas para sempre as mudanças
arquitetônicas de Campinas, seu cotidiano. O cortejo
fúnebre do maestro Carlos Gomes, a demolição
do Teatro Municipal e da Igreja do Rosário, a
neve cobrindo a Praça Bento Quirino em 1927,
a assepsia do Mercado Municipal na virada do século
19. A despedida dos bondes e a retirada dos trilhos
urbanos, a Fazenda Barreira em 1923, a Banda do Boi
fundada em 1905, a Festa dos Padeiros em 1909, a Rua
Barão de Jaguara em 1930...
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