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Presença de lepidópteros atesta importância do
campus da Unicamp para o ecossistema regional

Borboletas indicam qualidade ambiental

André Freitas: "As borboletas são indicadores biológicos e mostram se a qualidade do habitat está melhorando ou piorando" (Fotos: Antoninho Perri)Com parques, bosques e jardins que generosamente se estendem por seus três milhões de metros quadrados, a Cidade Universitária Zeferino Vaz é quase que uma “ilha verde” encravada na região noroeste de Campinas, a 12 quilômetros do centro urbano do município. Essa característica, que contribui para proporcionar uma privilegiada qualidade ambiental aos que trabalham e estudam no campus, ou à população flutuante que dele se utiliza diariamente para uma série de atividades, também colabora para atrair grupos de freqüentadores nem sempre perceptíveis: as borboletas. Cerca de 150 espécies de lepidópteros são potencialmente capazes de habitar os gramados da Unicamp, conforme estudos desenvolvidos pelo biólogo e professor André Victor Lucci Freitas, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia (IB) da instituição.

Manejo de áreas verdes
influi no número de espécies

A constatação ratifica a importância do habitat constituído pela flora da Universidade para o ecossistema regional, mas também demonstra que cuidados no manejo de áreas plantadas também são necessárias.

O interesse de André sobre o tema vem da época em que concluía o doutorado na Unicamp, em 1998, orientado pelo professor Keith Spalding Brown Junior, do IB, uma das maiores autoridades brasileiras em lepidópteros. Vieram depois mais quatro ou cinco trabalhos informais de coleta e classificação de populações de borboletas no campus, com a colaboração de alunos de iniciação científica.

Um levantamento mais sistemático, contudo, segundo o biólogo, começou em 2001 depois que o professor Brown propôs a realização de uma pesquisa sobre borboletas na área urbana de Campinas, e que incluiu parques como o Bosque dos Jequitibás e a Lagoa do Taquaral, entre outros, com o objetivo de aferir a qualidade do habitat urbano.

“As borboletas são indicadores biológicos. A variação de quantidade e proporção das espécies pode mostrar se a qualidade do habitat está melhorando ou piorando”, esclarece André.

O professor  Keith Brown Junior, uma das maiores autoridades brasileiras em lepdópteros (Fotos: Antoninho Perri)Cerrado – A cobertura vegetal desempenha uma função importante na distribuição e abundância das borboletas. Observou-se que o perfil da vegetação do campus – com gramíneas, arbustos e árvores esparsas –, semelhante ao do cerrado, atraía espécies de borboletas típicas dessa região brasileira, como a do gênero Audre (possui asas na coloração laranja e preta) que se alimenta da flor da turnera, fartamente encontrada nos gramados da Unicamp. Outras espécies como a Eurema elathea (uma borboletinha branca), a Junonia genoveva (com brilho azulado e “olhos” grandes nas asas), a Euptoieta hegesia (alaranjada, de tamanho médio), a Eueides isabella (média, com as asas nas cores amarela e laranja), a Myscelia orsis (asas azuis) e a Hermeuptychia hermes (marrom, pequena, com “olhinhos” nas asas e bastante comum) também habitavam o campus em grande número.

André lembra que a heterogeneidade das fontes alimentares é estratégica para a sustentação da diversidade de organismos que dependem das plantas. Nesse aspecto, ele destaca que plantios maciços ocorridos na Cidade Universitária há aproximadamente 10 anos propiciaram um aumento substancial da vegetação e colaboraram para quintuplicar a proporção de espécies no campus.

“O que atrai as borboletas é a área verde. Quando há recursos para alimentar a lagarta e o adulto, esses insetos, que geralmente aparecem de passagem para outros locais, decidem ficar, botam ovos e começam a se desenvolver”, explica o especialista. “Houve, então, na Unicamp, um aumento muito grande da diversidade, não só de borboletas, com um salto de 20 para algo em torno de 100 espécies, como de outros insetos e até de mamíferos”, afirma.

De acordo com André, esse número nada tem de excepcional e se compara ao de outros bosques de Campinas, mas é expressivo quando confrontado com os índices da área urbana da cidade e referenda a qualidade ambiental do campus. “Basta dizer que no centro urbano não se conta mais do que 20 espécies, mesmo nas regiões providas de praças”, constata o professor. “O problema é que as praças dispõem de árvores de grande porte, mas carecem de plantas pequenas, de arbustos, que são procuradas pelas borboletas”.

Pit stop – O pesquisador adverte que, quanto melhor for o campus do ponto de vista ambiental, mais ele contribuirá para manter a biodiversidade (e aí da fauna e da flora como um todo) na bacia hidrográfica do Ribeirão das Anhumas, cuja importância é estratégica para a comunidade de Campinas. Esse curso d´água e seus contribuintes cortam uma extensa área do município, atingindo 150 quilômetros quadrados, 50% dos quais constituídos de área urbanizada, com uma população da ordem de 300 mil pessoas. O Ribeirão das Pedras e o córrego da Fazenda Monte D’Este, em Barão Geraldo, são cursos d´água que contribuem para a formação do Ribeirão Anhumas, que por sua vez despeja suas águas no Atibaia, manancial importante da região, formador da bacia do Rio Piracicaba, que abastece municípios vizinhos e populações ribeirinhas.

“Áreas verdes menores como o campus, localizado entre matas maiores como a Santa Genebra e as matas na região de Sousas e Joaquim Egídio, ajudam no trânsito das espécies. Isso significa que as aquelas que estão de passagem e encontram um habitat favorável, ficam durante algum tempo antes de saírem novamente”, ensina André.

Ele observa que Barão Geraldo, outrora densamente arborizado, exercia de maneira eficiente, em conjunto com a Unicamp, o papel de pit stop para os lepidópteros. Porém, lembra ele, o distrito perdeu parcela significativa de matas com a implantação de loteamentos, e com isso, grande parte da fauna foi comprometida, com prejuízos para toda a área envoltória. “Lá, assim como no centro de Campinas, só restaram hoje, em baixa quantidade, algumas poucas espécies de borboletas que sobrevivem em área urbana.”

Outro fator importante de redução ou desequilíbrio da população de lepidópteros é a opção pela poda mecanizada. Podas manuais e por áreas intercaladas permitem a recomposição da vegetação, desestimulam a migração e dão às borboletas a chance de sempre encontrar vegetação para sua subsistência e procriação.

Insetos de metamorfose completa

Os lepidópteros constituem uma das principais ordens de insetos com aproximadamente 146.000 espécies descritas. As borboletas somam na região Neotropical entre 7.100 e 7.900 espécies, ocorrendo no Brasil entre 3.100 e 3.280 espécies. São também chamados de insetos holometábolos (do grego hólos, que significa completo, inteiro), já que sofrem metamorfose completa durante o seu desenvolvimento.

Depois de fecundadas, as fêmeas buscam pela planta onde irão pôr os seus ovos. Estes eclodem após alguns dias e deles saem lagartas, que possuem potentes peças bucais mastigadoras e se alimentam vorazmente das folhas da planta onde se encontram.

À medida que cresce (pode chegar a até 10 centímetros), a lagarta muda de pele algumas vezes. O período entre duas mudas é chamado instar. A lagarta deixa de se alimentar no último instar, esvazia o estômago, imobiliza-se e sofre a última muda. Nesse estágio, adquire um revestimento mais escuro e espesso, assumindo a forma característica de pupa (ou crisálida).

A pupa (estágio intermediário entre a larva e o adulto) permanece imóvel, pendurada em galhos de árvores, enrolada em folhas, em buracos no solo ou nos troncos das árvores. Iniciam-se, então, as transformações mais significativas desses insetos. Os tecidos da larva são digeridos, novos tecidos e órgãos se formam e a lagarta é lentamente transformada em borboleta. Esse processo é conhecido por metamorfose completa, e termina quando o revestimento da pupa se rompe e dela emerge um adulto (ou imago).

O imago já possui todos os sistemas próprios de um adulto e, no caso dos insetos, já se encontra apto para a reprodução. Quando suas asas ficam esticadas e secas, a borboleta estará pronta para voar. As borboletas adultas têm peças bucais sugadoras e se alimentam do néctar de flores, frutos em decomposição e sais minerais encontrados em solo úmido.

Borboletário da Mata Santa Genebra

Os professores André Freitas e Keith Brown também foram responsáveis por assessorar a implantação do borboletário da Mata Santa Genebra, remanescente de Mata Atlântica composta por rica biodiversidade, em Campinas. Implantado no final de 2000, o local permite a criação de borboletas em cativeiro para estudar seu ciclo de vida e comportamento. Vinte espécies estão sendo criadas atualmente, mas na mata inteira já foram catalogadas mais de 700 espécies.

“Foi um desafio. Tivemos que partir do zero, já que as referências no Brasil para esse tipo de projeto eram escassas na época: havia apenas dois na região, em Holambra e em Jaguariúna, e um outro em Belo Horizonte. Nós também havíamos visitado alguns fora do País, na Europa e nos Estados Unidos, e a empreitada acabou se tornando uma experiência muito gratificante, pois envolveu um aprendizado muito importante”, explica André.

Constituído por uma casa de criação de borboletas, um viveiro de borboletas, um jardim e um pequeno viveiro de plantas para alimentação das lagartas, o complexo do borboletário ocupa uma área total de aproximadamente 3 mil metros quadrados. Cerca de 2,6 mil metros quadrados estão destinados ao jardim, cujas plantas são espécies que produzem grande quantidade de néctar e possuem flores de coloração atrativa (branca, amarela, laranja, rosa e vermelha) para as borboletas, o que assegura a presença constante desses insetos no lugar.

“Quase 200 espécies de borboletas visitam o jardim ao longo do ano, o que representa cerca de 30% das espécies identificadas na mata”, observa André.

O viveiro, com 384 metros quadrados, é o local onde são soltas todas as espécies de borboletas que eclodem na casa de criação. Seu interior é composto por plantas que florescem durante grande parte do ano. As borboletas se alimentam do néctar produzido por estas plantas, que servem também para que as fêmeas depositem seus ovos, posteriormente transferidos para a casa de criação.

Optou-se pela criação de borboletas que duram de três a oito meses como adultos, para permitir que sejam visualizadas durante a maior parte do ano pelos visitantes, especialmente escolares. Entre as espécies que despertam mais interesse está a chamada borboleta “olho de coruja”, um inseto de grande porte e que tem esse nome por causa do desenho em suas asas.

“Como é uma borboleta de mata, que não visita flores, com hábitos praticamente noturnos, é raramente observada. Mas como no borboletário foram plantadas árvores que dão ao ambiente uma aparência de mata, é comum ver a espécie voando, pousando e se alimentando de frutas em decomposição”, esclarece André. “Essa aproximação é importante, sobretudo para as crianças, que podem conhecer diferentes espécies e aprender a não ter medo desses insetos.”

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