| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 331 - 31 de julho a 6 de agosto de 2006
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Cientistas da Unicamp idealizam e coordenam
projeto temático sobre a dinâmica cerebral

Um trabalho em rede.
Para desvendar o cérebro

Pesquisadores falam sobre o CInAPCe, financiado pela Fapesp: trabalho envolve pelo menos 150 pesquisadores, entre docentes, alunos e técnicos (Fotos: Antoninho Perri)A Unicamp idealizou e vai coordenar o mais amplo programa de pesquisa multidisciplinar voltado para o mapeamento do cérebro realizado no país. Intitulado CInAPCe (Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cérebro), o programa contará com financiamento da Fapesp. Pelo menos 150 pesquisadores – entre docentes, alunos e técnicos – de nove unidades da Unicamp estarão envolvidos no projeto, cujo foco temático é a epilepsia. Além da Unicamp, participam a USP (campi de São Paulo, Ribeirão Preto e São Carlos), Unifesp e Hospital Albert Einstein.

Participam do programa três unidades da USP, Unifesp e Albert Eistein

A Unicamp recebe, ainda este ano, uma máquina de ressonância magnética de alto campo. O equipamento, avaliado em US$ 2 milhões, servirá de plataforma para a instalação na Universidade, nos próximos meses, do Centro Multimodal de Neuroimagem para Estudos em Epilepsia (leia texto na página 5). Outros três equipamentos similares serão instalados no Hospital Albert Einstein, na capital, e nas faculdades de Medicina da USP em São Paulo e Ribeirão Preto. O projeto todo está orçado em cerca de US$ 10 milhões.

A previsão é que o CInAPCe comece a funcionar no início de 2007. Sua história, entretanto, passou a ser escrita por pesquisadores da Unicamp ainda na virada do milênio. Roberto Covolan, professor do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) e um dos coordenadores do programa, testemunhou e foi um dos protagonistas do nascimento do embrião do projeto que deve formar e treinar, nos próximos quatro anos, pelo menos 300 pesquisadores – dos quais, segundo documento dos coordenadores, 30 pós-doutores, 100 doutores, 50 mestres, 100 alunos de iniciação científica e 20 técnicos.
Covolan revela que, no final dos anos 90, a Unicamp já dispunha de equipe multidisciplinar estruturada para efetuar pesquisas na área da neurociência, campo que experimentou um crescimento sem paralelo na década passada. O grupo havia sido formado a partir de uma chamada interna da Universidade para projetos estratégicos. Integravam a equipe cientistas da Faculdade de Ciências Médicas e dos institutos de Física, Biologia e Computação. A tradição da Unicamp em estudos multidisciplinares facilitava as coisas.

Já em 2000, Covolan, o neurologista Li Li Min e Fernando Cendes, chefe do Departamento de Neurologia da FCM, manifestaram ao então presidente do Conselho Superior da Fapesp, o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, o interesse em transformar a Unicamp numa espécie de laboratório avançado em pesquisas na área de neurociências a partir da aquisição de um equipamento de ressonância de alto campo. Brito, que cumpria também seu segundo mandato à frente do IFGW e mais tarde seria reitor da Unicamp, apoiou a iniciativa mas sugeriu que o programa não ficasse restrito à Universidade. Na avaliação feita à época pelo então presidente da Fapesp, o projeto tinha cacife suficiente para ultrapassar os limites intra-muros.

O raio – A partir daí, Cendes Li Min e Covolan, idealizadores da iniciativa, decidiram ampliar o raio de alcance do programa. Enquanto o primeiro fazia contatos com diferentes grupos de pesquisa, Li Min e Covolan percorriam laboratórios para expor as diretrizes da iniciativa. O ponto de partida do projeto foi a realização de um workshop na Unicamp, em dezembro de 2000. No encontro, lembra Covolan, foi lançada a idéia da criação de um programa multidisciplinar e interinstitucional de abrangência estadual. A proposta foi encampada por grupos de cientistas especializados em dinâmica cerebral. Decidiu-se também, no evento, que pesquisadores das áreas de exatas e tecnológicas seriam incorporados ao escopo do programa, juntando-se ao pessoal de biomédicas e biológicas.

Os frutos mais imediatos do workshop foram a criação de grupos de trabalho e a organização de eventos similares. O foco do projeto e a metodologia não foram imediatamente estabelecidos. “Houve muito debate até chegarmos aos pontos de convergência”, afirma Covolan. A maturação da idéia foi materializada em documento enviado em 2001 à Fapesp, no qual eram colocados os pontos principais do programa. A agência de fomento sinalizou favoravelmente. Entretanto, quando se preparava para dar início aos entendimentos de praxe, a história passou a ter idas e vindas, ficando à mercê da conjuntura. A maior das intercorrências foi a crise cambial de 2002. A disparada do dólar estancou as linhas de pesquisa, paralisando dezenas de projetos, sobretudo em razão do preço dos insumos importados. As eleições presidenciais se avizinhavam e eram, da mesma forma, outro fator complicador.

Contornados os problemas – câmbio estabilizado e conseqüente volta dos investimentos –, a Fapesp sinalizou que havia interesse em bancar o programa. Convocou os interessados por meio de edital em 2004 e promoveu, juntamente com os grupos de pesquisa, um workshop interno. Uma avaliação feita por revisores internacionais mostrou à agência de fomento que valeria investir no programa. Além de participarem da avaliação interna, Brian Meldrum, professor de neurologia experimental do King’s College, de Londres; Bruce Pike, do Centro de Imagem do Cérebro McConnell, em Montreal; e Ana Nobre, da Universidade de Oxford, deram sugestões acerca do funcionamento do projeto. A seleção dos convocados, feita por edital, consolidaria as bases do CInAPCe. No momento, diz Covolan, faltam apenas alguns detalhes burocráticos para a assinatura do contrato.

Foco – Em princípio, o objetivo do CInAPCe era estudar o sistema nervoso central como um todo. Entretanto, no transcorrer das tratativas, o objetivo foi mudando. Passou a ser consensual a idéia de que um foco muito amplo apenas dificultaria as coisas, comprometendo o conjunto do projeto em razão de seu caráter difuso. Portanto, a escolha da epilepsia como objeto do programa não foi aleatória, conforme revela Fernando Cendes, docente da FCM da Unicamp e coordenador do projeto temático. Alguns fatores listados pelo docente contribuíram para a convergência em torno da doença.

O primeiro, fundamental no âmbito da escolha, foi o fato de a Unicamp já abrigar um grupo cuja prioridade era a patologia; ademais, as outras instituições envolvidas no projeto também já tinham um background na área, sendo detentoras de produção significativa em qualidade e volume. Levantamento da Fapesp feito nas instituições no campo da neurociência – inclusive em suas subáreas – corroborava essa tese ao mostrar a predominância dos estudos relacionados à epilepsia. O raciocínio, portanto, obedeceria a uma lógica: seria mais produtivo trabalhar com algo específico e já conhecido do que enveredar por áreas pouco exploradas, quando não desconhecidas.

Outro aspecto, não menos importante, são os componentes clínicos da doença, vista invariavelmente pelos cientistas como “uma janela para o entendimento do funcionamento cerebral”, conforme definição do próprio Cendes. Um sem-número de patologias, explica o docente, apresenta em comum as crises epilépticas. “Temos um conjunto de doenças, entre as quais o traumatismo de crânio, que podem causar a epilepsia. Ela é, portanto, uma situação de várias situações e de acometimentos do sistema nervoso”, ensina.

Segundo o neurologista, o avanço das neurociências está diretamente ligado aos estudos sobre epilepsia, seja na mera observação de problemas como o comprometimento da memória, ou por meio de procedimentos médicos. Cendes lembra que a própria representação dos movimentos do cérebro foi desenhada e elaborada a partir de cirurgias da patologia, sendo possível, a partir das alterações de comportamento ocasionadas pela doença, entender o funcionamento do cérebro e suas manifestações, entre as quais a linguagem e os movimentos e a tessitura da memória.

O foco na neuroimagem, nesse contexto, será fundamental para fazer estudos comparativos entre pessoas normais (voluntários) e pacientes acometidos pela doença. Esse tipo de análise, reforça o médico, será determinante para compreender por que pessoas com epilepsia apresentam históricos de problemas como perda de memória, depressão ou outros sintomas associados.

Com isso, acredita Cendes, será facilitada a tarefa de detectar a alteração e de esmiuçar o subsistema do cérebro onde ela ocorre. O efeito mais imediato desse esforço analítico será o advento de novas abordagens de tratamento, de diagnósticos e, consequentemente, de prevenção.

Quebra-cabeça – Na opinião de Cendes, o grande objetivo dos cientistas que trabalham nessa área, tanto clínica como experimentalmente, é o de entender como funciona o processo que desencadeia a epilepsia. A expectativa é que o CInAPCe forneça subsídios suficientes para contribuir no desvendamento desses mecanismos, e na descoberta de outros componentes presentes em patologias derivadas da epilepsia. Nesse contexto, destaca o especialista, é preciso montar o quebra-cabeça. “Com isso, não só poderemos entender a plasticidade da doença, como também adotar medidas que protejam o cérebro de pessoas sujeitas à patologia, desde o seu nascimento ou a partir de determinada idade”.

Uma patologia que, além de ser confundida com outras doenças cujo sintoma comum é a repetição freqüente de crises, não atinge só os humanos. A epilepsia é muito comum, por exemplo, em cachorros, gatos e pequenos primatas não-humanos. Isto permite, afirma Cendes, que modelos experimentais aplicados em animais levem a simulações de determinados tipos de epilepsia que se assemelham àquelas que acometem os humanos, abrindo um leque de possibilidades no estudo das inúmeras variáveis biológicas. “É aí que se encaixam, por exemplo, os grupos da biologia que trabalham com neurofisiologia, biologia molecular e assim por diante”, afirma Cendes. O especialista lembra que é possível, entre outras coisas, no caso dos modelos experimentais, estudar a dimensão da interferência da crise, fazer análises comportamentais e avaliar os prejuízos causados à memória. “A partir de estudos com animais, poderemos chegar mais próximo do que está acontecendo com os humanos”.

Não é pouco. Estimativas apontam que, na região de Campinas, a doença atinja ao menos 1% da população, mesma média registrada em escala planetária. Habitantes de países em desenvolvimento são mais suscetíveis, outro fator também levado em conta na formulação do programa. As causas vão desde infecções recorrentes, comuns em países pobres, até acidentes provocados por diferentes motivos. Em suma: trata-se de um problema de saúde pública.

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