Terceiro reitor é escolhido
em clima de conflagração
Na contramão
da resistência,
economistas buscam
terceira via e ungem Pinotti como saída para crise gerada pela intervenção
EUSTÁQUIO GOMES
NINGUÉM ESPERAVA que o resultado da consulta interna para a escolha do novo reitor fosse levado em conta pelo Conselho e muito menos pelo governador, mas mesmo assim ela se realizou, conforme o calendário previsto, nos dias 20, 21 e 22 de outubro de 1981. A intervenção do governo no processo sucessório só exacerbou a predileção da comunidade acadêmica pelos nomes da resistência. O educador Paulo Freire, bandeira moral do movimento, encabeçou a lista dos mais votados a despeito de ter declarado, antes e durante a eleição, que não tinha a menor intenção de assumir: seu propósito era somente “marcar posição”. A lista mostrava também que o “caso Moon” não fora suficiente para destruir a reputação de ninguém, uma vez que seus três protagonistas – Maurício Prates, Eduardo Chaves e Yaro Burian – ficaram respectivamente em segundo, quinto e sexto lugares. Nenhum dos dois outros que completavam a lista sêxtupla tinha qualquer chance de ser escolhido: Carlos Franchi, o terceiro colocado, estava fichado no DOPS e carregava o estigma de “antigo líder intelectual de célula comunista”; Cerqueira Leite, quarto colocado, já fora rejeitado uma vez pelos militares e havia brigado com Maluf, de quem fora secretário demissionário em 1980.
Por outro lado, parecia pouco provável que a lista oficial ungisse qualquer outro fora da relação de 17 candidatos listados pela Adunicamp.1 Os atrativos do poder, naquele ambiente de turbulência, não eram tantos assim a ponto de produzir pretendentes inesperados. Clamores para que o resultado da consulta fosse respeitado ecoaram no vazio. Era certo que o Conselho faria sua própria lista. Assim, pouca atenção se deu a um manifesto distribuído pelo físico José Ellis Ripper, nono colocado na lista oficiosa, em que citava o precedente da Universidade Federal de Santa Catarina, cujo reitor fora eleito por uma lista preparada após a realização de consulta semelhante, procedimento aceito pelo governo federal sem maiores problemas. Havia também o exemplo da PUC de São Paulo, mas ali os resultados tinham sido funestos. Se outras vozes se levantaram para defender a “via democrática” de escolha das lideranças universitárias, ninguém lhes deu importância. Chegou-se a invocar o nome de Zeferino Vaz, morto dez meses antes, em defesa do processo de consulta, mas os “rebeldes” não contavam com o interesse inesperado de sua filha Marly de San Juan pelo tema. Marly, que sempre se mantivera afastada dos assuntos da Universidade, assim como seus irmãos Sérgio e Fernando, considerou a especulação um ato de “traição ao pensamento de meu pai, sempre tão claro”. E sacou de seus guardados um velho artigo de Zeferino publicado no Jornal do Brasil, em que ele lamentava que, “a pretexto de democratização, se pretenda fazer com que estudantes, funcionários e professores elejam a lista sêxtupla para a escolha de reitores ou de diretores de faculdades”.
...estudante ainda não sabe, está se preparando para saber. (...) Se ainda não sabe sequer a ciência que está estudando, como pode distinguir quem é o melhor, cultural e eticamente, para dirigir um organismo tão complexo como é uma universidade?(...) Pior ainda é fazer dos funcionários administrativos eleitores de reitores e diretores de faculdades. Afinal de contas, serventes, técnicos de laboratórios, motoristas, datilógrafos, contínuos, porteiros, contabilistas e bedéis exercem as atividades-meio, certamente importantes na vida de uma universidade, mas nada entendem das atividades-fim, isto é, das ciências, das artes, da literatura e das humanidades, não podendo, portanto, distinguir o bom do regular ou do mau, no caso.
A polêmica que incomodava a Reitoria, entretanto, dizia respeito a outra coisa. A cada dia que passava, mais débil se tornava o argumento jurídico que resultara na exoneração de oito diretores de unidades. Nesse aspecto, o manifesto de Ripper era mais certeiro: nem os estatutos nem o regimento geral da Unicamp definiam claramente a exigência de concurso de professor titular para o cargo de diretor de unidade e tampouco para o de reitor. Prova disso era que na lista oficial de reitoráveis enviada ao governador Paulo Egydio Martins em 1978 constavam vários candidatos que não eram concursados e nem por isso a lista foi recusada. A interpretação errônea do Conselho Estadual de Educação, se de erro se tratava, provinha de que tal exigência existia de forma explícita nos estatutos da USP e da Unesp, embora não no da Unicamp.
Na semana seguinte, seis juristas debruçaram-se sobre o caso por iniciativa de Dalmo de Abreu Dallari e emitiram um parecer a respeito. A conclusão não diferia da de Ripper, mas desta vez tratava-se de um parecer de especialistas, que não podia ser ignorado.2 Ocorria que, dada a liberdade pessoal com que Zeferino administrara a Unicamp durante doze anos, conviviam na instituição três espécies de professor titular: o efetivo, que prestara concurso em outra universidade; o estável, que não detinha o cargo mas sim o nível de titular; e o contratado que, não sendo nem efetivo nem estável, exercia do mesmo modo funções docentes e de pesquisa. Todos, segundo o parecer dos notáveis, estavam aptos a assumir o cargo de diretor de unidade: “O cargo de diretor de instituto ou faculdade, na Unicamp, não é privativo de diretor titular efetivo, podendo ser exercido por qualquer professor titular”, simplesmente porque “os estatutos e o regimento geral só exigem a condição de professor titular, não havendo fundamento lógico ou legal para que se considere subentendida uma reserva em favor dos efetivos nessa hipótese”.
Como, na prática, nenhum interventor conseguira assumir, a crise caminhava para um impasse que começava a preocupar seriamente o governo. Plínio, refém de seu próprio erro, estava paralisado. Chegou a ficar doente e a cancelar reuniões importantes. Ao grupo de resistência, que era praticamente a maioria, interessava que a situação de caos atingisse o limite – para forçar a desmoralização de Maluf, a desonra do establishment interno e o esgarçamento da intervenção. Os economistas nucleados em torno de João Manuel, entretanto, eram de opinião diferente. Achavam que havia uma terceira via, um caminho que passava pelo fim da intervenção sem que fosse preciso sujeitar o governo à humilhação de voltar atrás. Sem interlocução no Palácio dos Bandeirantes, apelaram para o industrial Dilson Funaro, com quem João Manuel e Luiz Gonzaga Belluzzo tinham trabalhado na década de 70, e que era amigo de Maluf e do chefe da Casa Civil, Calim Eid.
— É preciso negociar uma saída, senão a Unicamp vai acabar.
Foi o que disseram a Funaro. Este entendeu-se com Calim Eid, o chefe da Casa Civil, que tratou de persuadir o governador, que não gostava de perder tempo com inquietações que não rendiam voto. Para uma crise localizada no interior do Estado, ainda que na boca da Capital, aquilo estava causando barulho demais. Luiz Ferreira Martins, seu secretário da Educação e agente ativo da crise, chegou a propor a um impaciente Maluf uma solução radical para pôr fim à enrascada em que se haviam metido: incorporar as duas instituições mais jovens de ensino superior público do Estado, a Unicamp e a Unesp, à mais velha, a Universidade de São Paulo. A USP, já estatuída e consolidada, seguiria assim o modelo da Universidade de Paris com sua pletora de escolas que vão do Panthéon a Bobigny. A idéia, que não chegou a prosperar, vazou para os campi das duas universidades e aumentou o pânico no gabinete de Plínio, já suficientemente fragilizado. Naquele dia, porém, tratava-se de levantar a barreira da interdição. Funaro voltou com a fórmula:
— A intervenção termina se houver um professor concursado para ocupar o instituto de vocês.
João e Belluzzo compreenderam que ele se referia ao IFCH, a unidade de ambos, mas o raciocínio se aplicava também às demais unidades. A Economia em particular tinha uma solução a caráter na figura de Carlos Lessa, que era professor titular na Universidade Federal do Rio de Janeiro e mantinha um compromisso de tempo parcial com a Unicamp, onde dava uma aula por semana. Consultado, Lessa aceitou a ingrata incumbência e no mesmo dia tomou um avião para Campinas. Plínio, avisado, considerou a solução um ovo de Colombo. Imediatamente dirigiu às unidades um ofício cerimonioso em que propunha a solução conciliatória: que os colegiados das unidades afetadas indicassem professores titulares de seus quadros ou mesmo externos (quando não os houvesse internamente), para substituir os diretores destituídos. As listas deveriam constar de três a seis nomes, “relacionados em ordem alfabética, sem manifestação de preferência”.
O que poderia ter posto fim à crise agravou-a consideravelmente. Os líderes da resistência reagiram mal à terceira via. No prazo final determinado pela Reitoria para que as listas fossem entregues, nenhuma havia sido encaminhada ao gabinete. No IFCH, uma assembléia para deliberar sobre a “solução Lessa” quase acaba em pancadaria. Belluzzo e Franchi só não foram às vias de fato porque entre eles se interpôs Carlos Vogt. Rubem Alves acusou Lessa de prestar-se a um papel indigno. Belluzzo, cuja calma aparente esconde um temperamento sangüíneo, exigiu explicações de Rubem, que foi ao microfone e usou seu costumeiro método da parábola:
— Lá em Minas é assim na política: nós vamos para frente e o inimigo vai para trás. Agora eu estou aprendendo uma nova: nós avançamos para trás e o inimigo recua para frente.
Os rebeldes, que dominavam todas as assembléias do campus exceto a do IFCH e a da Medicina, queriam a destituição formal dos interventores e a devolução do cargo aos diretores exonerados. Não podiam aceitar o argumento dos economistas segundo o qual – diziam – um interventor “democrático” é preferível a um interventor “não-democrático”. Os economistas, por sua vez, defendiam que a indicação de nomes de confiança das unidades para substituir os diretores exonerados determinaria, na prática, o fim da intervenção. A assembléia terminou sem conciliação entre os dois grupos, mas com a condução de Lessa ao posto de diretor das Ciências Humanas. No dia seguinte, as paredes do campus amanheceram pichadas com um “Fora Lessa, interventor!” que se transformaria em bordão de protesto pelos quatro meses seguintes e aprofundaria o fosso entre economistas e cientistas sociais, cavado lenta e laboriosamente desde os tempos do filósofo Fausto Castilho, criador da unidade.
No início de dezembro, a solução Lessa foi atropelada por um novo incidente jurídico que ninguém esperava. Chaves, com a ajuda da advogada Ana Maria Tebar, sua ativa ponta-de-lança no gabinete do reitor, entrou com mandado de segurança contra o ato de sua exoneração. A ação, reforçada com um parecer de Dallari em que se denunciava “o arbítrio e o abuso de poder do reitor” – baseado no parecer conjunto dos seis juristas de São Paulo –, ganhou o caminho do Fórum de Campinas pelas mãos do juiz do trabalho Waldemar Thomazine, membro da Comissão de Justiça e Paz. A liminar concedida pelo juiz de direito Álvaro Érix Ferreira, recém-chegado à cidade, caiu como uma bomba no colo de Plínio. A ordem era reintegrar Chaves imediatamente. Ao menos no âmbito da Faculdade de Educação, a terceira via já não podia ser aplicada: o diretor “eleito” estava de volta a seu posto. O campus ainda celebrava essa primeira vitória quando cinco outros diretores, encorajados pela liminar obtida por Chaves, também resolveram tomar o caminho judicial.4 Na véspera do Natal, vendo-se sufocado por uma chuva de liminares, o gabinete não confiou na competência de seus advogados e contratou, sem licitação e por uma soma que nunca foi revelada, a banca de um ex-ministro da Justiça – Alfredo Buzaid – que em seu tempo, o do governo Médici, ficou célebre por instalar a censura prévia de livros, jornais e revistas. O susto aumentou com a decisão de segunda instância, exarada em São Paulo, também favorável aos diretores, apesar dos sucessivos agravos impetrados por Buzaid no Tribunal de Justiça. Com as férias forenses o caso estava fadado a arrastar-se durante meses, o que só não aconteceu porque, das liminares à posse do novo reitor, houve uma solução negociada.
A vitória parcial dos diretores na Justiça chegou a dar a impressão, por um breve lapso, de que os rebeldes poderiam triunfar também na eleição para reitor. Não parecia de todo impossível que, diante do desinteresse de Paulo Freire – um nome que dificilmente seria engolido por Maluf –, Maurício Prates emergisse como um nome viável. Não pensavam assim os economistas, que nessa altura da batalha judicial já buscavam uma solução alternativa. Para eles, a bola da vez era o médico José Aristodemo Pinotti. Se tinha contra si o fato de haver sido o décimo-primeiro na lista da comunidade, Pinotti, por outro lado, contava com experiência administrativa, ocupara por duas vezes a direção da Faculdade Medicina, era um acadêmico de trânsito internacional e não estava ideologicamente carimbado. Sua proximidade do senador Orestes Quércia, de quem era sócio em alguns negócios, só reforçava a opção dos economistas, ligados em sua maioria ao PMDB. Com a aproximação da eleição para governador, em que a candidatura de André Franco Montoro (e mais remotamente de Quércia), parecia muito bem encaminhada, era conveniente ver a eleição do reitor da Unicamp no mesmo contexto. Afinal, a crise institucional podia ser vista como conseqüência do descompasso entre o governo e a universidade. O consenso sobre o nome de Pinotti, construído, de início, sem o prévio conhecimento do ungido, deu-se numa mesa do Giovanetti, um bar do centro de Campinas famoso por seus sanduíches, onde se sentaram, além de João Manuel, Wilson Cano, Belluzzo e Osmar Marchese. O grupo incluía ainda os também economistas Paulo Renato Souza, Maria da Conceição Tavares, Ferdinando Figueiredo, Paulo Baltar e Liana Cardoso, além do sociólogo Geraldo Giovanni. Galvanizados por João Manuel, os economistas logo entraram em acordo. Terminada a discussão, João foi ao telefone e ligou para Pinotti. Com voz ribombante, anunciou:
— Pinotti, você é o nosso candidato.
Nos dias seguintes houve novas reuniões, já com a presença do candidato – no hotel Holliday Inn, no hotel Bahamas, no haras Gramado, onde Pinotti vivia, e nas casas de um ou de outro – para acertar detalhes e armar a estratégia de convencimento do Conselho Diretor. Havia um primeiro obstáculo a afastar: Calim Eid, o chefe da Casa Civil, gostaria de ver reitor o dentista Antonio Carlos Neder, seu confrade de Piracicaba. Quando o grupo tentou dissuadir Neder, este a princípio mostrou-se inflexível:
— Não abro mão.
Mudou de idéia após duas horas de conversa azeitada: reconsiderando, ganharia uma das coordenadorias, além da promessa de suceder Pinotti dali a quatro anos.5 Isso não o impediria de constar da lista, mas seu patrocinador deveria ser desestimulado. Surgiu outro problema quando Cerqueira Leite, que não morria de amores por Pinotti, tentou introduzir o nome do biólogo Crodowaldo Pavan. Foi preciso uma reunião de Pinotti e João com Pavan para dissuadi-lo da pretensão. No gabinete, Paulo Gomes Romeo também preferia qualquer outro que não Pinotti: ele receava, com razão, ser afastado do núcleo do poder. Por isso vivia repetindo pelos corredores da Reitoria, como um vaticínio que correspondia a um quase-desejo:
— Acho que a reunião do Conselho vai melar. Com certeza vai ser interposto recurso.
Referia-se às articulações dos diretores ditos democráticos, animados por suas primeiras vitórias em varas judiciais de Campinas e São Paulo. De fato, era forte o boato de que o grupo rebelde entraria com um mandado de segurança na manhã de 19 de fevereiro de 1982, dia da eleição no Conselho, para impedir a realização da reunião. Enquanto isso, Pinotti enfrentava dificuldades no flanco externo: alguns setores militares desgostavam de suas relações com Quércia. De resto, pesava contra ele uma visita feita à China em 1977, com o fim de estudar o sistema de saúde chinês, numa comitiva de médicos brasileiros. O DOPS havia recebido cartas anônimas denunciando os “fins políticos” dessa viagem e, pior, dando-a como financiada por Quércia. Na pasta de Pinotti no DOPS paulista, constava também a cópia de um cheque de 200 mil dólares com a assinatura de Quércia em favor de Pinotti (segundo este, ressarcimento de um empréstimo que fizera ao senador). O episódio explica por que, dois anos depois, a mulher do general Moraes Rego, na época chefe da Casa Militar, foi praticamente retirada da mesa de cirurgia onde seria submetida a uma extração de ovário – porque Pinotti, o cirurgião, “não era bem visto nos meios militares”. O caminho só foi desobstruído graças à mediação de civis com trânsito nos quartéis e nas esferas do poder militar, como o ginecologista José Ribeiro, de Brasília, amigo do general Otávio Medeiros, chefe do Serviço Nacional de Informações. Outros mediadores foram o desembargador Marino Falcão, de Campinas, que atuou junto a Buzaid; o gastroenterologista José Bittar, que tinha entre seus pacientes o comandante do Batalhão de Infantaria Blindada de Campinas, coronel Manoel Almeida; e o prefeito biônico de Paulínia, José Antônio Maranho, que mantinha bom trânsito no comando do II Exército.
O dia da reunião do Conselho foi tenso. Por precaução, Pinotti encarregou um de seus advogados de confiança, Guido Ivan de Carvalho, de entupir as varas cíveis de Campinas com uma montanha de petições. O objetivo era inviabilizar um eventual mandado dos rebeldes. Para prevenir a invasão do Conselho por funcionários e alunos, pediu-se a ajuda do superintendente da Polícia Federal, Romeu Tuma, que enviou um pelotão da Polícia Militar cujo caminhão ficou escondido atrás de uma capoeira nas imediações do campus. Camargo, o inefável ex-delegado do DOPS, foi mais além: mandou vir sete agentes de São Paulo e postou-os na entrada e na saída do prédio. Os conselheiros, ao entrar, eram identificados pelo porteiro Manuel. Camargo, atento a tudo, notou que os agentes traziam revólveres sob a camisa. Estrilou:
— Isto já é um pouco demais. Aqui dentro ninguém anda armado.
Os agentes relutaram mas depuseram as armas numa gaveta que Camargo trancou e cuja chave guardou no bolso, conservando-a ali durante toda a reunião. Pinotti foi eleito no primeiro escrutínio com o voto de 21 dos 31 conselheiros. O segundo escrutínio pagou a dívida moral de Pinotti para com Neder, dando-lhe 16 votos, e no terceiro empataram Cerqueira Leite e o médico gastroenterologista Luiz Sérgio Leonardi, igualmente com 16 votos. A lista foi completada com os nomes de Carlos Franchi e do engenheiro civil Morency Arouca.6
Plínio encarregou o economista Jorge Miglioli de contar os votos. Quando o nome de Pinotti foi anunciado, por volta das seis e meia da tarde, o presidente do Conselho Estadual de Educação, Moacyr Expedito Marret, um dos epígonos da crise da intervenção, gritou para todo o salão ouvir:
— Habemus Papam!
Depois, tudo entrou em ritmo vertiginoso. Era como se o dragão da crise estivesse sendo abatido a golpes de lança. Um motorista de prontidão apanhou a lista e saiu em disparada pela rodovia dos Bandeirantes, rumo ao palácio do governo.
A despeito de seu descontentamento, foram escassos os protestos dos chamados democráticos. Chaves limitou-se a contestar a lista e Rubem Alves acusou o Conselho de manter-se alheio ao desejo da comunidade. Nada disso teve efeito sobre o veredito do governador. Às quinze para as sete da tarde, um telex foi passado à Imprensa Oficial do Estado: era importante que o Diário Oficial estampasse a nomeação já no dia seguinte. Prates, que em outras circunstâncias poderia ter sido o escolhido, mostrou-se desencantado. Em público, disse:
— Declaro-me em processo de amadurecimento. Os economistas é que sabem das coisas. Não ouço mais os cantos da libertação.
Na intimidade, disse a Franchi uma coisa menos lírica:
— Somos todos uns poetas. Daqui por diante, serei um cínico.7
1 A lista da comunidade, por ordem de colocação, foi a seguinte: 1) Paulo Freire; 2) Maurício Prates; 3) Carlos Franchi; 4) Rogério Cerqueira Leite; 5) Yaro Burian; 6) Eduardo Chaves; 7) Hermano Tavares; 8) Jorge Miglioli; 9) José Ellis Ripper; 10) Carlos Argüello; 11) José Aristodemo Pinotti; 12) Antonio Carlos Neder; 13) Morency Arouca; 14) Antonio Muniz de Rezende; 15) Hélio Drago Romano; 16) Atílio José Giarola; 17) Roberto Moretti.
2 Os seis juristas eram os seguintes: José Carlos Dias, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil; Eduardo Muylaert Antunes, membro do Conselho da mesma entidade; e os professores da Faculdade de Direito da USP Fábio Comparato, Miguel Reale Júnior, Tércio Sampaio Ferraz e Dalmo de Abreu Dallari, professor da USP.
3 Ofício do reitor Plínio Alves de Moraes de 30 de outubro de 1981 aos diretores associados.
4 Conseguiram liminar favorável, nas semanas seguintes à reassunção de Chaves, os diretores André Villalobos, Ayda Ignez Arruda, Carlos Argüello, Maurício Prates e Aécio Pereira Chagas. Dois dos diretores exonerados, Yaro Burian e Carlos Franchi, preferiram não usar a via judicial. A unidade coordenada por Yaro, o Instituto de Artes, ainda estava em implantação e como tal ele não era diretor constituído. E Franchi não era exatamente diretor, mas sim substituto do crítico Antonio Candido, que deixara o cargo em 1978.
5 O sucessor de Pinotti seria o economista Paulo Renato Souza, mais tarde ministro da Educação nos dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso.
6 O educador Paulo Freire, primeiro colocado da lista da comunidade, não recebeu votos suficientes para constar da lista oficial. Foram ainda votados no Conselho os biólogos Crodowaldo Pavan e Paulo de Toledo Artigas, os engenheiros de eletrônica Maurício Prates, Hermano Tavares e Yaro Burian, os médicos Carlos Eduardo Negreiros de Paiva, Walter August Hadler, José Lopes de Faria e Paulo Gomes Romeo, o economista Ferdinando de Oliveira Figueiredo e o dentista Pedro Bertolini.
7 Depoimento de Eduardo Chaves em seu site pessoal (www.chaves.com.br) descreve o estado de espírito de que foi tomado no período após-intervenção: “O resultado da crise, no que me diz respeito, foi desilusão acerca de muitos colegas e um considerável cinismo acerca da política universitária. Depois da crise, realizei pouco pela Faculdade, tanto externa como internamente, porque fiquei profundamente desestimulado pelo jogo político sujo de que fui testemunha e vítima, e que me convenceu de que, até mesmo dentro da Faculdade, havia pessoas dispostas a promover, por baixo do pano, sua agenda política, e mesmo político-partidária, às custas da vontade expressa da maioria absoluta da comunidade da UNICAMP, em geral, e da Faculdade de Educação, em particular”. Quanto ao intento de Maurício Prates (“tornar-se cínico”), o autor pode assegurar que ele não o conseguiu.
Continua na próxima edição.