Associações específicas entre aranhas da família Salticidae e bromélias foram relatadas pela primeira vez pelo pesquisador Gustavo Quevedo Romero. A descoberta está na tese “Associações entre Aranhas Salticidae e Bromeliaceae: história natural, distribuição espacial e mutualismos”, defendida por Romero no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, sob orientação do professor João Vasconcellos-Neto. O trabalho rendeu ao cientista o Prêmio Capes de Teses na área de Ecologia.
Dentre os principais resultados da pesquisa, destaca-se a descoberta de que algumas associações entre aranhas e bromélias são mutualísticas, com as aranhas contribuindo para a nutrição das suas plantas hospedeiras por meio das suas fezes ricas em guanina. O estudo foi publicado na revista norte-americana Ecology, uma das mais importantes da área.
Originalmente, explica Romero, a tese tinha como objetivo investigar os padrões de distribuição espacial e geográfico dessas associações e saber qual o efeito da arquitetura das bromélias na distribuição das aranhas. Os estudos sobre o mutualismo foram incluídos dois anos após o início do doutorado, porque até então o foco era examinar o efeito da arquitetura da planta na ocorrência das aranhas.
Durante o desenvolvimento do trabalho, Romero constatou que nove espécies de aranhas Salticidae têm associações estreitas com 23 espécies de bromeliáceas em várias regiões do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina. “Associações específicas entre predadores e plantas são raras e nunca haviam sido relatadas para aranhas da família Salticidae”, afirma Romero. Existem alguns estudos que se referem a associações entre besouros predadores e plantas, e muitos entre formigas e plantas, mas são poucos os trabalhos que mostram interações entre aranhas e plantas.
O mutualismo foi constatado no decorrer do trabalho. Romero passou a analisar como as aranhas poderiam beneficiar as plantas, uma vez que o efeito inverso, ou seja, os benefícios das bromélias às aranhas, já eram conhecidos. O pesquisador descobriu que métodos isotópicos de nitrogênio (15N) seriam uma ferramenta útil para testar o mutualismo. Este estudo teve colaboração dos professores doutores Paulo Mazzafera, do Departamento de Fisiologia Vegetal do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e Paulo Trivelin, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz).
O pesquisador explica que 99,7% de todo nitrogênio da atmosfera tem massa atômica 14, mas 0,3663% desse elemento tem massa atômica 15. Esse isótopo de nitrogênio, o 15N, que é raro na natureza, vai sendo acumulado ao longo das cadeias tópicas. As plantas têm baixa concentração de nitrogênio-15, devido a processos fisiológicos de fracionamento isotópico, mas os animais que se alimentam delas vão aumentando a quantidade desse elemento e seus predadores têm uma quantidade ainda maior. As fezes desses predadores, em contato com a planta, vão enriquecê-la com nitrogênio-15. Como resultado, as plantas que mantêm associações com os predadores têm uma quantidade maior de nitrogênio-15 do que aquelas que não têm.
O experimento, feito com plantas-controle, que não receberam fezes, e com plantas que receberam fezes enriquecidas com o isótopo de nitrogênio-15, demonstrou que as do segundo grupo foram enriquecidas. Depois de 48 dias, ficou comprovado que 15% de todo o nitrogênio da planta derivou das aranhas.
Romero inicia o processo pela análise das fezes, para ver como está a assinatura isotópica da aranha. Depois das fezes serem aplicadas nas bromélias, faz a moagem das folhas até que se tornem pó. O material então é enviado ao Cena, para que seja feita a determinação do nitrogênio-15 em um equipamento de última geração, denominado de Espectrômetro de Massas de Razão Isotópica (IRMS).
Além das fezes, as carcaças das presas contribuíram, em escala muito menor, para a nutrição das bromélias. O mutualismo foi testado com bromélias de uma única espécie e de mesmo tamanho, e uma espécie de aranha.
Para saber se essa entrada de nutrientes fornecidos pelas aranhas tinha algum significado no crescimento das plantas, o pesquisador fez outro experimento, dessa vez no campo. Durante um ano, manteve vasos com plantas com e sem aranhas, que foram excluídas com alguns procedimentos. “No final do período, verifiquei que as plantas com aranhas tinham crescido 15% mais do que as outras”, avalia.
O experimento do mutualismo no campo foi feito em Dois Córregos, no interior de São Paulo, mas além da área, a pesquisa abrangeu regiões da Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, e uma localidade no Rio Grande do Sul e na Amazônia, onde não foram encontradas associações entre aranhas e bromélias.
Desde o mestrado, também feito na Unicamp, Romero traçou como linha de pesquisa as interações entre aranhas e plantas. Na Unesp de Rio Preto, onde se graduou e atualmente dá aulas como professor voluntário na disciplina de Ecologia Geral para Química Ambiental, o pesquisador orienta duas alunas de iniciação científica. Elas estudam a contribuição das aranhas no cultivo de abacaxis como alternativa ausente de custos aos adubos químicos. “Uma vez que estas aranhas ocorrem também em abacaxi, que é uma bromélia, podem contribuir para a nutrição e aumento da produção desta lavoura”, diz Romero.
Os motivos pelos quais as aranhas se uniriam às bromélias ainda não foram comprovados, mas entre as suposições estão a arquitetura tridimensional da parte vegetativa da planta, que forma rosetas, e pode significar abrigo contra adversidades climáticas, além de conter água e apresentar uma variação menor de temperatura, proteção contra predadores, servir como sítios para acasalamento e oviposição, e berçário para as aranhas jovens.
Romero sugere que as várias espécies de aranhas e de outros organismos que vivem associados à Bromeliaceae podem ser considerados grandes potenciais de acúmulo de nutrientes dessas plantas. Muitas bromeliáceas, explica, apresentam uma fauna muito rica, inclusive com bichos grandes como pererecas e crustáceos, que poderiam contribuir ainda mais para a nutrição de plantas desta família.