Bonitas e sensuais. Esta imagem das mulatas resultou de projeto pensado, principalmente no auge do teatro de revista na década de 1930, mas elas carregam o estereótipo há muito mais tempo do que se imagina. No período posterior à Abolição dos Escravos, entre 1900 e 1905, já eram denotadas características marcantes no perfil das mulheres negras e pardas, pobres em sua maioria e que habitavam o Rio de Janeiro. A historiadora Silvana Santiago, que pesquisou as ocorrências policiais e processos criminais da época, relacionando ainda a literatura e a música popular, constatou que os estereótipos são os mesmos, mas desenhados de maneira diferente. “Na década de 1920, e mesmo nas anteriores, já se divulgava esses estereótipos. As músicas mostram isso. Uma diferença está na transformação dessas imagens em símbolo nacional, o que ocorre só na década de 1930. Isso existia antes, mas era mais confuso e ambíguo”, afirma.
Esses estereótipos são discutidos na dissertação de mestrado “Tal Conceição. Conceição de Tal. Classe, gênero e cotidiano de mulheres pobres no Rio de Janeiro das primeiras décadas republicanas”, orientada pela professora Maria Clementina Pereira Cunha. Segundo Silvana Santiago, o período estudado apresenta um volume grande de processos contra mulheres negras e pardas entre 20 e 30 anos, por motivo de vadiagem, principalmente depois das reformas urbanas no centro do Rio. São pouquíssimos os casos caracterizados como de prostituição. Em sua maioria, as mulheres negras e pardas não tinham emprego fixo, eram amasiadas e reforçavam sua posição de independência.
“São processos curtos e simples. No início da pesquisa esperava encontrar informações ligadas à prostituição, pois se trata de um quadro avesso ao modelo desenhado na época. Mas, em geral, os homens é que eram presos por este motivo”, esclarece a pesquisadora. Ela também aborda a questão das arbitrariedades nas prisões, observando-se uma espécie de perseguição a essas mulheres, embora os relatos não deixem claro que se tratava de racismo. Um aspecto curioso, de acordo com Silvana Santiago, foi encontrar na maioria dos casos policiais o nome “Conceição”, que aparece em várias combinações. “Não sabemos se os nomes são verdadeiros ou se eram usados como estratégia para driblar a autuação policial”, diz. Mas em boa parte dos processos, através da ficha de identificação, fica claro que de fato usavam nomes falsos.
Ao comparar os processos colhidos com a literatura, Silvana Santiago também constatou que o cotidiano dessas mulheres assemelhava-se muito ao relato de obras como “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo. “É um ambiente de agitação, repleto de fofocas e brigas com vizinhos. São características deste universo a falta de privacidade e as interferências freqüentes na vida alheia”, conta a historiadora. Sua dissertação de mestrado faz parte de um projeto temático, financiado pela Fapesp, com o propósito de investigar a área de maior concentração negra no Rio de Janeiro, nas proximidades do centro e do porto da cidade, denominada “Pequena África”.