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Os ginecologistas, as pacientes e a
prescrição da pílula do dia seguinte
Levantamento feito na FCM mostra o peso
de valores pessoais na abordagem da questão
A crença de que a pílula anticoncepcional de emergência, também conhecida como pílula do dia seguinte, pode provocar um “microaborto” constitui uma das principais barreiras que impedem a sua prescrição por parte dos ginecologistas, apontou estudo de mestrado apresentado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) pelo biólogo William Alexandre de Oliveira. “Isto significa que a percepção que os médicos têm sobre o mecanismo de ação deste tipo de anticoncepcional é um fator relevante para que eles informem ou o prescrevam para suas pacientes”, explica Oliveira. Pelo estudo, a maioria dos médicos ignorava as evidências de que o principal mecanismo de ação da pílula é evitar a fecundação por interferir com a ovulação.
Os resultados da pesquisa, segundo o biólogo, constituem o desdobramento do projeto Conhecimento, Atitude e Prática de Ginecologistas e Obstetras no Brasil, coordenado em 2005 pelo seu orientador, professor Aníbal Faúndes, no Cemicamp (Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas). No total, 3.337 ginecologistas e obstetras brasileiros responderam a um questionário com perguntas sobre aborto e sobre a pílula anticoncepcional de emergência. As questões referentes à pílula foram incluídas no questionário, justamente porque existe o conceito errôneo de que ela interferiria após a fecundação do óvulo e, por isso, seria abortiva.
“Mesmo com evidências suficientes de que a pílula age antes da fecundação, o seu uso é associado à interrupção da gestação. Observa-se que existem ideias pré-concebidas difíceis de serem derrubadas. Não é falta de informação, mas são valores pessoais e questões de formação da pessoa”, explica a coorientadora do estudo, professora Maria José Duarte Osis. Ela acredita que muitos abortos clandestinos poderiam ser evitados, caso a prescrição do método fosse uma prática usual entre os profissionais de saúde. A professora ressalta ainda que os dados apurados podem servir como parâmetro para que sejam fomentadas discussões neste sentido.
A pílula anticoncepcional de emergência é indicada para aquelas mulheres que desejam evitar uma gravidez não planejada após uma relação sexual desprotegida. No entanto, o método criado pelo canadense Albert Yuzpe, em 1974, ainda encontra muitas barreiras para o seu uso. Formada por uma combinação de estrógeno e progestágeno que impede a fecundação, a pílula precisa ser ingerida nas primeiras 72 horas após a relação sexual. Com isso, a preocupação dos profissionais de saúde, explica Oliveira, seria o uso indiscriminado, principalmente por parte dos adolescentes, que passariam a utilizar o recurso como rotina.
Desde 1996, a pílula foi introduzida pelo governo federal nas normas de assistência ao planejamento familiar. A partir de 2000, o Ministério da Saúde começou a adquirir o anticoncepcional para disponibilizar nos serviços que atendem mulheres que sofreram violência sexual e, em 2005, passou-se a abastecer as unidades básicas de saúde do país. Ainda assim o assunto continua a despertar dúvidas. “Não há procura pelo produto nos postos de saúde e observam-se as dificuldades dos médicos em lidar com a situação. Mesmo com os esforços do Ministério da Saúde, a pílula continua trancada no armário”, afirma Maria José Osis.
Os dados da pesquisa mostraram que 91,4% declararam que informam suas pacientes sobre o método de emergência e 89,3% já tinham prescrito pelo menos uma vez no decorrer do exercício de sua profissão. Por outro lado, os números indicam que 22,3% acreditam no anticoncepcional como provocador de um microaborto, enquanto outros 56,8% crêem na prevenção da implantação do ovo. Apenas 20,8% dos médicos responderam acertadamente que a pílula anticoncepcional de emergência previne a fecundação, ou seja, age antes da fertilização.
Os dados mostram também que os médicos da região Nordeste informam e prescrevem menos do que os da região Sul e Sudeste. Já os médicos inseridos no serviço privado de saúde estão mais propensos a informar e prescrever, enquanto os mantidos pelo SUS informam menos. Outro ponto destacado na pesquisa foi a experiência pessoal dos médicos, que teve relação direta com a indicação do método. Segundo a professora Maria José, aqueles que um dia fizeram uso do método tiveram mais iniciativa de informar e prescrever a pílula para suas pacientes. No entanto, apenas 24,7% usaram o anticoncepcional alguma vez na vida e a maioria, 73,6%, disse nunca ter precisado.
Publicação
Tese “Fatores associados à informação e a prescrição da pílula anticoncepcional de emergência (PAE) por ginecologistas e obstetras brasileiros”
Autor: William Alexandre de Oliveira
Orientador: Aníbal Faúndes
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) |
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