Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 01 de outubro de 2012 a 07 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 540Em busca da
interatividade
Ferramentas permitem a manipulação de neuroimagens,tornando mais preciso o diagnóstico de lesões cerebrais sutis
Dissertação de mestrado defendida por José Elías Yauri Vidalón na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp desenvolveu três ferramentas destinadas a auxiliar médicos no diagnóstico de lesões cerebrais sutis, por meio da exploração de neuroimagens de ressonância magnética 3D (MRI) no padrão DICOM, sem recorrer a processamento prévio complexo. Graças aos recursos propostos, que foram integrados ao protótipo denominado Visual Manipulation ToolKit (VMTK), os usuários podem interagir com as imagens no seu espaço nativo, promovendo cortes não convencionais e ampliando, destacando e realçando as regiões de interesse. “As ferramentas foram testadas por neurocientistas, e os resultados foram animadores”, afirma Vidalón, observando que a interface para as ferramentas ainda precisa sofrer aperfeiçoamentos.
De acordo com o pesquisador, que foi orientado pela professora Wu Shin-Ting e contou com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação, o objetivo do estudo foi criar ferramentas para facilitar o diagnóstico de lesões cerebrais, especialmente aquelas mais difíceis de serem visualizadas nas imagens geradas por ressonância magnética, como as lesões displásicas no córtex cerebral. Estas lesões são responsáveis por uma parcela significativa de epilepsias refratárias ao tratamento medicamentoso. Ele destaca que a complexidade estrutural do cérebro humano e as diferenças anatômicas individuais do crânio muitas vezes interferem na interpretação das neuroimagens. “Quando a lesão é muito pequena, e dependendo do ponto onde ela está localizada, o diagnóstico se torna ainda mais complicado de ser feito”, explica.
As técnicas desenvolvidas por Vidalón procuram justamente superar essas dificuldades. A primeira é denominada de “função de transferência” ou “janelamento”. Por intermédio dela, o usuário consegue criar diversas formas de mapeamento dos valores de intensidade das imagens de ressonância magnética em escalas de cinza ou paletas de cores, o que favorece a percepção de variações sutis que dificilmente poderiam ser observadas pelas técnicas convencionais. “Através do editor interativo de funções de transferência não monotônicas, o especialista pode criar, por exemplo, contrastes. Na mesma tela, ele também pode observar os cortes laterais convencionais, que lhe servem de referência. Assim, o usuário tem como explorar livremente a amostra, até perceber alguma eventual variação”, detalha o autor da dissertação.
A segunda ferramenta é uma sonda volumétrica que pode ser posicionada em qualquer ponto do espaço nativo das imagens de ressonância magnética pelo mouse. Esta, apresentada na forma de esfera, tem a função de delimitar a área de interesse, destacando-a do conjunto. Ao usá-la em associação com a função de transferência, o usuário pode, então, realçar somente a região destacada, propiciando uma classificação localizada dos tecidos cerebrais. “No estágio atual, esse tipo de interatividade é importante, dado que ainda não conseguimos produzir algoritmos que segmentem os tecidos cerebrais de modo totalmente automático”, afirma a professora Wu Shin-Ting, orientadora do trabalho.
Como existem lesões sutis localizadas em áreas de difícil visualização, Vidalón concebeu, ainda, uma lente móvel, que funciona como uma espécie de lupa. Colocada sobre o ponto investigado, a ferramenta permite perscrutar regiões na sua resolução nativa, preservando dessa maneira a informação original, sem perda do contexto. Dito de outro modo, o usuário consegue inspecionar o elemento mais básico da imagem tridimensional, que é o voxel, o que tende a tornar o diagnóstico mais preciso. “A percepção de níveis de cinza varia de indivíduo para indivíduo. Então, recursos que permitam realçar, estabelecer contrastes e tornar a visualização da amostra mais nítida constituem importante ajuda para que os médicos identifiquem as eventuais anomalias”, reforça a professora Wu Shin-Ting.
Vidalón assinala que as técnicas desenvolvidas por ele foram testadas por um grupo de especialistas do Laboratório de Neuroimagem (LNI) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, coordenado pelo professor Fernando Cendes, que tem sido um ativo colaborador da equipe liderada pela professora Wu Shin-Ting. “Os resultados dos testes de usabilidade, como chamamos, foram animadores. Através das ferramentas propostas, os médicos conseguiram identificar, por exemplo, uma suspeita de lesão bem sutil na região frontal direita de uma imagem considerada”, relata o autor da dissertação.
A orientadora do trabalho concorda que, enquanto permanecem os desafios associados ao processamento de neuroimagens, é válido desenvolver tecnologias que permitam aos médicos interagir com as imagens, que consistem em uma das alternativas para promover o diagnóstico de doenças. Ela reforça, entretanto, a análise feita por Vidalón de que ainda será preciso não somente aperfeiçoar a interface para as atuais ferramentas, como criar novas funcionalidades para serem agregadas ao protótipo VMTK. “A percepção dos médicos é de que esses recursos podem vir a ser importantes. Entretanto, precisamos realizar mais testes, para melhorá-los. O protótipo ainda não está pronto para virar um produto. Atualmente, ainda precisamos fazer muitos clicks para acionar uma determinada função, o que não é bom. Além disso, precisamos implementar códigos que permitam desfazer e refazer o histórico das ações, que salvem uma sessão de trabalho, que possibilitem troca de informação entre a equipe médica e que gravem ou imprimam as imagens manipuladas para geração de laudos. Isso não é difícil de fazer, mas exige tempo e recursos humanos apropriados.”, pondera a docente da FEEC.
Histórico
A professora Wu Shin-Ting desenvolve estudos em torno da visualização interativa desde o seu doutorado. Foi ela quem deu início à linha de pesquisa envolvendo o tema na FEEC, em 1993. Num de seus primeiro trabalhos, ela desenvolveu um kit de ferramentas para visualizar e interagir com objetos de estrutura de arame 3D. Nos anos seguintes, a docente aprofundou as investigações, embora ainda não pensasse em aplicar tais técnicas à área médica. “No meu doutorado, trabalhei com um grupo na Alemanha que estava fortemente focado na interface homem/máquina. Nessa época, eu comecei a perceber que os modelos matemáticos que estavam por trás dessa interação não eram únicos, o que tornava a interface gráfica muito pesada. A hipótese que formulei foi de que seria possível simplificar essa interação, concebendo um sistema intermediário que unificasse os modelos geométricos em um único modelo geométrico de interação”, relata.
Na época, conforme a docente, seus estudos não foram bem compreendidos, pois a tendência no final dos anos 90 era integrar à interface gráfica classes customizáveis de objetos geométricos dotados de funções de imageamento e de respostas às ações dos usuários. Ainda assim, ela conseguiu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para dar prosseguimento aos trabalhos. Um desses estudos foi apresentado por Wu Shin-Ting num evento científico nacional (Sibgrapi 2007), que tinha entre os seus palestrantes convidados o professor Thomas Ertl, da Universidade de Stuttgart (Alemanha).
Ao ver que ela tinha conseguido colocar um cursor sobre uma esfera e intervir na imagem, o cientista estrangeiro “desafiou” a professora da Unicamp a fazer o mesmo em relação a um crânio. “Eu jamais havia pensado nisso, mas concluí que seria possível e comecei a trabalhar nesse sentido junto com o meu então orientando de doutorado, hoje docente da UFABC [Universidade Federal do ABC], Harlen Costa Batagelo”.
No mesmo evento, o professor Marcelo Ferreira Siqueira, hoje na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), convidou a professora da FEEC a participar de uma reunião técnica que ele estava organizando na USP de São Carlos, como uma das atividades da visita técnica do professor James C. Gee, da Universidade de Pensilvânia, (EUA). “O contato com o professor Gee foi muito importante, porque ele me chamou a atenção de que era preciso compatibilizar o nosso modelo com o formato utilizado pelos médicos para visualizar imagens de ressonância magnética. Ele considerou nosso trabalho muito interessante e se dispôs a nos fornecer imagens para seguir com nossas investigações, se comprometendo a receber um de meus orientados na sua instituição, para um período de estudos. O professor Gee foi muito prestativo, mas percebi que seria difícil trabalhar de forma cooperada à distância, pois eu não conhecia nada da área médica. Também houve a preocupação de minha parte de desenvolver tudo aqui no Brasil, para não ficar dependente de nada do exterior”, detalha a pesquisadora.
Por intermédio do professor Wagner C. Amaral, também docente da FEEC, Wu Shin-Ting foi apresentada ao professor Fernando Cendes, coordenador do Laboratório de Neuroimagem (LNI) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “O professor Fernando foi incrível. Além de se entusiasmar com as nossas pesquisas, ele e alguns seus orientandos, em especial Clarissa Lin Yasuda e Ana Carolina Coan, passaram a colaborar intensamente comigo. Muito do que desenvolvemos até aqui foi baseado nas orientações e nas inspirações dele. Foi do professor Fernando, por exemplo, a sugestão para que trabalhássemos com cortes curvilíneos paralelos ao escalpo da cabeça, de modo a tornar os giros e sulcos presentes no cérebro mais perceptíveis”, conta.
Conforme a docente da FECC, além de continuar trabalhando para aperfeiçoar as ferramentas já desenvolvidas, seu grupo tem outras ambições. “Também sob a inspiração do Fernando, estamos pensando em partir, futuramente, para um sistema integrado incluindo o planejamento neurocirúrgico e a neuronavegação em uma mesma plataforma, o que poderia não só minimizar ainda mais as dimensões de vias de acesso às lesões, como também aumentar a precisão nas intervenções cirúrgicas. Isso representaria uma quantidade razoável de degraus acima do que estamos fazendo hoje.”, adianta.
Publicação
Dissertação: “Ferramentas interativas de auxílio a diagnóstico por neuroimagens 3D”
Autor: José Elías Yauri Vidalón
Orientadora: Wu Shin-Ting
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
Financiamento: Capes
Comentários
epilepsia
Gostaria de parabenizar a equipe pelo desempenho nas pesquisas, essas ferramentas me deixam otimista com relação à criação de novas tecnologias que possam, num futuro próximo, diminuir o sofrimento das famílias das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, como por exemplo, a epilepsia.