Edição nº 540

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de outubro de 2012 a 07 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 540

Pesquisa mensura impactos da
distrofia muscular em neurônio

Doença genética provoca alterações
importantes no Sistema Nervoso Central

 

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é a forma mais comum e mais severa de distrofia muscular, ligada ao cromossomo X e que afeta exclusivamente crianças do sexo masculino. É uma doença genética que leva à degeneração progressiva e irreversível dos músculos esqueléticos, culminando em fraqueza muscular generalizada, tendo como causa a mutação do gene responsável pela produção de distrofina, uma proteína que auxilia na manutenção da integridade das fibras musculares. Resultados de pesquisas indicam que a evolução da doença leva a alterações importantes no Sistema Nervoso Central (SNC). Embora atualmente se saiba muito sobre o acometimento muscular da DMD, poucos estudos se voltam para os efeitos da degeneração muscular sobre os neurônios presentes no SNC.

Pesquisa desenvolvida pelo educador físico e fisioterapeuta Gustavo Ferreira Simões, orientada pelo professor Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira e realizada junto ao Departamento de Biologia Estrutural e Funcional do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, indicam que a evolução da doença provoca alterações importantes no SNC, o que pode piorar o quadro clínico e agravar os sintomas da doença. O estudo experimental permitiu comprovar que o emprego de fator estimulador de colônias granulocitárias (no caso o fármaco G-CSF - que possui efeitos neuroprotetor e antiinflamatório), reduziu essas alterações, melhorando a capacidade regenerativa dos neurônios.  Para o docente, os resultados indicam que o emprego de fármacos com potencial neuroprotetor pode contribuir para uma melhor adaptação do SNC às alterações musculares durante o curso da doença, amenizando os seus sintomas. 

O trabalho deu origem a artigo publicado na revista PlosOne, de reconhecido impacto, que atinge público amplo e que se dedica à publicação de trabalhos de áreas como neurociência, biologia, medicina. Os autores creditam o interesse da revista ao fato de a pesquisa ater-se às consequências da DMD no SNC, faceta pouco estudada. O estudo do neurônio motor medular também pode trazer subsídios para a aplicação e compreensão de outras estruturas do sistema nervoso. Além disso, a publicação do mestrado de Gustavo na revista Neuropathology and Applied Neurobiology despertou o interesse da intech, uma editora “open access” sediada na Croácia e nos EUA (www.intechopen.com/books/muscular-dystrophy), que convidou os pesquisadores para redigir um dos capítulos do livro Muscular Dystrophy, cujos editores são professores da Emory University Scholl of Medicine, Atlanta, EUA. 

A doença

Aproximadamente 2/3 dos casos advêm de herança ligada ao cromosso X materno mutado. Por ser uma doença genética do tipo recessiva, as mães são portadoras assintomáticas da doença, pois a presença de outro cromossomo X as protege da manifestação da DMD. Isto se deve ao fato do cromossomo X, geneticamente alterado, ser inativado pela presença de outro cromossomo X normal. No entanto, é comum o aumento de creatina-quinase (marcador indireto de dano muscular) nos níveis séricos das mulheres portadoras de DMD, com a possibilidade de anormalidades no tecido muscular esquelético e cardíaco. Em casos mais raros, podem desenvolver fraqueza muscular, sendo geralmente mais lenta e branda em relação a que se desenvolve no sexo masculino. O outro 1/3 dos casos ocorre por mutação espontânea do gene.

As manifestações clínicas da DMD costumam surgir por volta dos 3 a 5 anos de vida e são caracterizadas pela debilidade e/ou fraqueza muscular dos membros inferiores e quadril. Tal debilidade leva a dificuldades do paciente em subir escadas, de correr, de se levantar, e principalmente de andar, além de provocar quedas frequentes.  As crianças portadoras da DMD apresentam sinal característico para se levantar, conhecido como Sinal de Gowers (levantamento miotático), em que realizam um rolamento para ficarem de joelhos e com os antebraços estendidos se apoiam no chão, com o objetivo de levantar as nádegas e um joelho para poderem ficar de pé.

Em decorrência da doença, as fibras musculares degeneradas são substituídas por tecido fibroso e adiposo. Consequentemente, a criança acaba necessitando de uma cadeira de rodas, começa a apresentar desvio de coluna, torna-se flácida, tem dificuldade de engolir, de respirar e desenvolve cardiopatia. O agravamento desse quadro conduz, inexoravelmente, à morte, geralmente entre os 20 e 30 anos de idade. Existem medicamentos que protelam esse desfecho, minimizam os sintomas e melhoram a qualidade de vida dos portadores. Para entender o desenvolvimento da doença, sua biologia e possíveis tratamentos, foram desenvolvidos modelos de estudo com base em animais caninos, peixes e camundongos nos quais os comprometimentos apresentam uma série de similaridades com o que se observa no ser humano, embora existam diferenças.  Por questões práticas, o estudo utiliza camundongos, embora o modelo canino esteja mais próximo do homem.

A pesquisa

Não constitui campo de estudo dos pesquisadores o sistema muscular, mas sim o sistema nervoso, particularmente no que tange ao controle muscular. “Então o nosso interesse foi o de estudar o impacto da evolução da doença muscular no sistema nervoso e determinar como ele reage e se comporta em relação à evolução da doença, porque esse conhecimento pode de alguma forma gerar estratégias para amenizar o seu curso e os seus sintomas ao longo do tempo. É nesse objetivo que nos focamos. À medida que a doença evolui, causa certo efeito sobre o sistema nervoso e esse efeito é pouco conhecido e estudado, e é ai que reside a importância do trabalho desenvolvido pelo Gustavo”, diz o docente.

Com efeito, no mestrado Gustavo dedicou-se a uma análise morfológica do impacto da DMD no sistema nervoso, ou seja, de como a estrutura do SNC é comprometida ao longo da doença. No doutorado, a ideia foi intervir com um fármaco que pudesse exercer um efeito neuroprotetor. Os pesquisadores haviam constatado uma série de alterações no SNC, sabiam que o fármaco a ser testado, além do efeito anti-inflamatório periférico, apresentava também a ação neurotrófica, ou seja, capacidade de proteger os neurônios responsáveis pela inervação dos músculos dos membros posteriores de camundongos MDX (modelo animal para o estudo da distrofia muscular de Duchenne). Aliás, esse duplo papel é que determinou a escolha do fármaco.

O professor Alexandre detalha esse efeito neuroprotetor. Na parte ventral da medula se encontram os corpos dos neurônios motores, caracteristicamente células de grandes dimensões e que emitem um axônio, um prolongamento dessa célula, que faz parte da constituição do nervo periférico e chega ao músculo para fomar a placa neuromuscular. A degeneração muscular determina uma alteração na medula espinhal, pois o neurônio é afetado secundariamente ao perder contato com o órgão alvo que tem como referência, o músculo. Ao sofrer desconexão do axônio, após a degeneração muscular, o neurônio perde a função e, em consequência, ocorrem alterações na medula espinal.

A partir do conhecimento dessas alterações nos circuitos nervosos, estudadas durante o mestrado, Gustavo aplicou em camundongos durante a evolução da DMD o fator estimulador de colônias granulocitárias (G-CSF), que potencializa a atividade da medula óssea e funciona como fator protetor do sistema nervoso, atenuando as respostas decorrentes da perda da conexão do axônio como o órgão alvo pela degeneração do músculo esquelético. As evidências são de que esse fármaco diminui a inflamação na musculatura e a velocidade com que as fibras musculares degeneram ao mesmo tempo em que, até certo ponto, preserva a integridade do sistema nervoso. Além disso, paralelamente estimula a formação de células tronco na medula óssea, que podem migrar para os sistemas muscular e nervoso. Se essa terapia não trata a doença pelo menos constitui uma estratégia para amenizá-la tanto nos efeitos musculares quanto nas repercussões no sistema nervoso.

Por meio do acompanhamento da ação do fármaco em camundongos MDX, os pesquisadores levantam a hipótese da possibilidade de amenizar o efeito da doença no sistema nervoso humano, embora a droga tenha efeitos colaterais significativos e deva ser aplicada por períodos curtos. Por seu duplo efeito, neuroprotetor e anti-inflamatório, ela se mostra eficiente na preservação da estrutura do sistema nervoso e na contenção da velocidade de evolução da DMD. De fato, nos camundongos estudados eles observaram a diminuição da velocidade de degeneração das fibras musculares e também o aumento do grau de preservação dos circuitos nervosos na medula, mesmo com a morte de certa quantidade de fibras musculares. “Imaginamos que o efeito nos seres humanos leve ao prolongamento e à melhora na qualidade de vida, amenizando a agressividade da evolução da doença”, acrescenta Gustavo. 

O professor Alexandre ressalta a importância de desenvolver estratégias de tratamento do sistema nervoso em um individuo distrófico e não só tratar a degeneração e inflamação muscular, mas também preservar os neurônios motores, melhorando a integridade de todo o sistema. Esse é o escopo do trabalho.

Decorrências

A pesquisa também avaliou o potencial de os neurônios regenerarem os axônios após esmagamento do nervo isquiático. Esse tipo de lesão é capaz de causar paralisia muscular temporária. A recuperação muscular do paciente nesses casos depende do potencial dos neurônios regenerarem o axônio, que precisa atingir novamente o músculo. Nesses casos, a droga efetivamente facilitou esse processo, provocando uma regeneração mais rápida do neurônio afetado pela lesão.

Em decorrência do trabalho, os pesquisadores vaticinam que drogas com características semelhantes também venham a ser testadas experimentalmente com o objetivo de preservar o sistema nervoso e, conjuntamente com outras drogas já utilizadas, possam de alguma forma conseguir amenizar os efeitos da doença. Com base nessa expectativa, eles se propõem dar sequência às pesquisas testando outras drogas que obedecem o mesmo mecanismo de atuação, que se revelam menos agressivas, com menos efeitos colaterais e que possam ser usadas de forma crônica em fases mais precoces da DMD.

 

Publicações

“Granulocyte-colony stimulating factor improves MDX mouse response to peripheral nerve injury”, PlosOne

Synaptic chenger at the spinal cord level peripheral nerve regeneration during the course of muscular dystrophy in MDX mice, capítulo do livro Muscular Dystrophy

Comentários

Comentário: 

Li todo o artigo , não entendo nada que refere à pesquisa , mas entendo que já é um grande passo na ciencia para a humanidade ( que é um grande número de vítimas com esse problema ) e para mim só tenho que agradecer e louvar a Deus por ter me dado esse meu filho ( Gustavo ) que que já é vencedor....lá vai a minha dica , tudo isso é começo , parabéns e sucesso meu filho e prá você também professor Alexandre.
Att// Edmo Simões

edmosimoes@yahoo.com.br