Edição nº 540

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de outubro de 2012 a 07 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 540

Sinais que
incluem e iluminam

A trajetória de Andrea Rosa,
tradutora do Cepre e funcionária da Unicamp desde 1984

 

Andrea Rosa trabalhou e estudou dobrado para se tornar pedagoga e tradutora de língua de sinais. Deu início às traduções, como ela mesma diz, “fazendo por gosto”, como voluntária. Durante muito tempo, mesclou as tarefas da área de Serviço Social do Hospital de Clínicas (HC) com as traduções de Libras em eventos da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, estas em horário contrário ao de trabalho. Hoje mestre em educação, pedagoga e tradutora no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Dr. Gabriel Porto” (Cepre), o gosto virou missão, mas o sabor continua o mesmo. Exibe um largo sorriso ao falar da responsabilidade de poder integrar à sociedade alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), surdos que não participaram do início do processo de inclusão escolar no Brasil, no final da década de 1990.

No Cepre, centro de referência nacional, esses estudantes têm a oportunidade de aprender não apenas a se comunicar em Língua Brasileira de Sinais (Libras), ler e escrever, mas exercem o direito de conhecer a língua portuguesa. “Os alunos da EJA formam meu maior público porque muitos profissionais ainda se sentem mais preparados para promover a inclusão da criança”, reflete Andrea, que também se orgulha de inserir a língua de sinais na vida de muitas crianças que atende no Cepre.

A sociedade paga uma dívida com essas pessoas que, sem ter acesso à língua portuguesa, tinham como forma de comunicação apenas gestos caseiros, o que os colocava à margem da sociedade. “Como centro de pesquisa de referência nacional, damos essa devolutiva para a sociedade”, diz Andrea. Ela ressalta que as pessoas pensam em inclusão hoje como se todos os excluídos tivessem as mesmas oportunidades, mas é preciso pensar que este processo é recente no Brasil. Ela reflete que, quando esses alunos do EJA eram crianças, qualquer diretora tinha o direito de dizer aos pais que o filho com deficiência não ficaria na escola, mas hoje há intervenção do Ministério Público. “E eles vêm com muita disposição porque têm consciência de que não sabem e querem aprender. Chegam de diferentes regiões do País.”

O atendimento, extensivo à família, muda a relação do adulto em casa, pois a partir da língua de sinais eles podem se comunicar, segundo Andrea. Ao ser alfabetizados, esses adultos passam a ter noção do que acontece a sua volta, no jornal, na televisão. “Não ficam mais tentando imaginar o que estaria acontecendo”, diz Andrea.

A vida sempre surpreende. Mas quem disse que ela teria de ser fácil? O crescimento na maioria das vezes emana dos desafios e foi diante das surpresas que Andrea Rosa se negou a retroagir. Entrar na Unicamp aos 15 anos, em 1984, com toda responsabilidade pertinente ao mundo do trabalho foi ao mesmo tempo sofrido e divertido, como diz a pedagoga e tradutora.  Se de um lado havia o encontro diário com os colegas adolescentes e o contato com a rotina da pesquisa no Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia, do outro, havia uma infinidade de exigências a forçarem seu amadurecimento. Mas quem conheceu Andrea naqueles idos anos 1980 sabe que responsabilidade e determinação eram palavras comuns a seu vocabulário, construído a partir de sua história de vida e da educação provida pelos pais, Alcides e Elisa Rosa, que também deixaram saudades no IB. “Desistir de meu projeto de vida com a morte de meus pais seria abrir mão do projeto deles para mim. Eu teria de continuar, por eles.” Até porque se viu sozinha com dois irmãos, de 15 e 16 anos.

Hoje Andréa saboreia a realização de muitos dos sonhos que em 1986, quando ingressou no curso de Pedagogia da PUC-Campinas, já começavam a florescer. A convivência com pesquisadores como Humberto de Araújo Rangel, Antônio Fernando Pestana de Castro e Silvia Gatti estimulava o gosto por pesquisa. Na graduação, já sabia que se especializaria em educação de surdos e manifestou o desejo de atuar no Cepre, na época instalado na Cruzada, no centro de Campinas.

Depois de quase 30 anos na Universidade, em fase de pesquisa de doutorado, é exemplo de que ninguém deve desistir de seus objetivos sem antes lutar por eles. Quando ingressou no curso de pedagogia, tinha apenas 17 anos. Mesmo sabendo que a transferência para outra área seria difícil, nunca desistiu de fazer o que gosta dentro da própria Universidade. Buscou aperfeiçoamento dentro e fora da Unicamp, atuando voluntariamente até surgir a oportunidade, em 2001, de se tornar funcionária efetiva do Cepre.

Valia tudo para aprimorar sua formação. Até mesmo conciliar períodos de férias com datas de congressos. E foi em um desses eventos que Andrea foi descoberta pela FE, mais precisamente pela professora da faculdade Regina Souza, que se tornou sua orientadora no mestrado. “Nesse processo de inclusão, a universidade começava a fazer encontros e convidar surdos para participarem das discussões na Unicamp. Como eu era funcionária da área, era chamada para traduzir as comunicações. Nisso, me tornei visível para o Cepre porque aqui também tinha curso de especialização e eles convidavam algumas pessoas surdas para dar palestra”, relata.

Somente um aspecto de sua busca não fora avaliado enquanto se multiplicava: a projeção. De tanto fazer pela causa – tanto do usuário quanto do profissional –, acabou virando referência na fase adulta. Sua dissertação de mestrado, que virou e-book pela Editora Arara Azul, seria a responsável pela visibilidade da Andrea pesquisadora. Autora do primeiro trabalho em que o próprio intérprete de língua de sinais reflete sua prática, é convidada a participar de congressos de tradução. “Quando o Brasil iniciou o processo de inclusão educacional, começaram a convocar intérpretes para trabalhar em sala de aula e havia muita confusão entre o trabalho do intérprete e do professor. Isso me trouxe uma inquietação: professor ou tradutor? Mas concluo que devemos ser enquadrados no campo da tradução, já que, em sala de aula, fazemos a tradução na comunicação entre o professor ouvinte e o aluno falante de língua de sinais”, acrescenta Andréa. O resultado da dissertação abriu portas para que o Cepre participasse de eventos de tradução. “Nos congressos dou conta de que sou conhecida pela leitura da dissertação. Nunca pensei em visibilidade porque não tive tempo de pensar em divulgação enquanto pesquisava. Eu trabalhava e estudava”, responde.

Ética

Em 2006, a Justiça de Campinas e região pediu à Unicamp que indicasse um nome para a interpretação de réus surdos durante julgamento, e o nome de Andrea foi encaminhado. Esta atividade instigou a tradutora a abordar a ética na tradução de línguas de sinais em seu doutorado, partindo de sua experiência com a interpretação de réus. “Essa questão da Justiça é séria, pois interpreto surdos que são réus ou vítimas. A responsabilidade é muito grande. Como tradutora, posso condenar um inocente e absolver um culpado, pois o que eu interpretar o juiz tomará como certo. Quando ele imprime o depoimento, eu e o réu assinamos. Por isso deve ser indicado um tradutor de muita confiança. O Juiz confiou na Unicamp e ela, em mim”, diz Andrea.

A partir de 2004, outra incumbência de grande responsabilidade: a interpretação de vestibulares da Unicamp em provas de candidatos surdos. “A coordenadora do Comvest ligou solicitando alguém que tivesse vínculo com a Universidade, e mais uma vez o Cepre me indicou”, recorda.

Pela solicitude e pela competência, Andrea assume uma agenda carregada de atividades. Atuou como intérprete em congressos de leitura (Coles) da Associação de Leitura do Brasil (ALB) e em muitas edições do Simpósio de Profissionais da Unicamp (Simtec), com o objetivo de levar aos servidores da Universidade também a importância de falar a língua de sinais.

Na Universidade Paulista (Unip), onde lecionou durante seis anos no período noturno, ela tornou-se coordenadora nacional da disciplina de língua de sinais, respondendo por esta área em todos os cursos da instituição, tanto na educação a distância quanto em aulas presenciais. “Quando o MEC visitava a unidade de Manaus, por exemplo, eu tinha de saber quem era a professora de libras de lá. Se houvesse questionamento, eu tinha de responder.” Andrea também foi responsável pela criação do curso de especialização em Tradução e Interpretação da Língua de Sinais na modalidade EAD. Para ela, tudo o que colhe é reflexo de seu trabalho na Unicamp, onde deu seus primeiros passos sem exigir remuneração e sem prejudicar a dinâmica do trabalho.

Andrea é grata ao reconhecimento do Cepre, principalmente por confiar a ela o trabalho com crianças e adultos e a escolha para representar um centro e uma Universidade de referência internacional em eventos e projetos importantes, como a autoria do capítulo “Presença do intérprete de língua de sinais na mediação social entre surdos e ouvintes” do livro Cidadania, Surdez e Linguagem, organizado pelos professores Ivani Rodrigues Silva, Zilda Maria Gesueli e Samira Kaushue.  A obra é muito utilizada em cursos de graduação e formação de intérpretes de língua de sinais. “Fiquei honrada em saber que os cursos usam meu texto”, comemora Andrea.

Se não teve oportunidade de estudar em colégios renomados e caros, Andréa teve o privilégio de ter até seus 22 anos o casal Alcides e Elisa por perto, incentivando, apesar do pouco estudo, a prática da leitura e a importância de um projeto de vida, ainda que esta nem sempre lhe servisse o melhor dos pratos. Estudou numa escola pública de boa qualidade, garante a pedagoga. “Meus pais  acreditavam em mim e diziam que eu era capaz, mas que para chegar onde desejava teria de fazer por merecer, pois teria um caminho a percorrer. Minha mãe, principalmente, sempre trabalhou a autoestima de forma a não elevá-lar nem despencar e não admitia diferença entre os filhos. Quando percebia que eu ‘viajava’, me trazia de volta ao chão”, brinca. A própria Elisa, depois de passar em um concurso na Unicamp e ter um emprego estável, decidiu estudar. Isso fez com que a dedicação aos estudos fosse um processo natural em sua casa, conforme Andrea. Quando [morreu de amor], um ano depois de o marido também partir, Andréa passou a ser espelho para os irmãos mais novos, assumindo um papel de irmã e mãe ao mesmo tempo. “Não poderia abrir mão deles. Tinha de conduzi-los, assim como meus pais fizeram conosco. Para mim, era natural seguir em frente. Não teria outro jeito.” Hoje fala com orgulho da família na qual nasceu, viu nascer e terminou de criar.

Comentários

Comentário: 

Quero parabenizá-los pela reportagem. Conheço a Andréa Rosa, tive o privilégio de tê-la na minha equipe de Pós-graduação, e posso dizer em nome dos meus alunos - quem tem contato com esta profissional fica marcado pelo estigma da competência - "Simply the best".

edna.diogo@hotmail.com

Comentário: 

Andréa Rosa - ótima intérprete, precisamos de mais profissionais como você! Parabéns!

librascampinas@gmail.com

Comentário: 

Sinto orgulho de dizer que conheci uma pessoa excepcional como a Andrea,tive o previlegio de fazer o curso de LIBRAS pela Unicamp,e posso dizer que o carisma desta pessoa é muito grande.Parabéns pelas conquistas.

silvana_zoia@hotmail.com

Comentário: 

Estudei com a Andréa Rosa na PUC-Campinas, Curso de Pedagogia. Entre as colegas, era chamada de "Arraso" e hoje, faz juz a esse adjetivo. Parabéns e felicidades em sua carreira.

carmen@reitoria.unicamp.br

Comentário: 

Parabéns pela oportuna reportagem. Ter a Andrea como professora de lingua de sinais ou simplesmente como amiga é um privilégio que tenho tido este ano.
É um exemplo de vida e de inclusão.

silvia@grupodimarzio.com.br

Comentário: 

Parabéns amiga! Conheço o seu trabalho e competência! Sucesso!

fmendes@fcm.unicamp.br

Comentário: 

Que bom conhcê-la e tê-la como professora! Que orgulho!

selma.marqui@yahoo.com.br

Comentário: 

Parabens Querida Andrea pela Reportagem.
Conheço sua competência e sua trajetória pessoal e acadêmica. Podemos afirmar que é uma mulher valorosa e vitoriosa.
Que Deus continue te abençoando!

maolive@unicamp.br

Comentário: 

Que exemplo de pessoa! Voce é como um farol que tem iluminado minha decisão de me tornar uma intérprete,
quiçá, com no mínimo a sua honestidade.

edias1@itelefonica.com.br

Comentário: 

Andréa, parabéns pelo trabalho sério e competente e pela pessoa incrível que você é... Beijão

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