Edição nº 545

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 05 de novembro de 2012 a 11 de novembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 545

No topo da
edição universitária


 

O professor, ensaísta e escritor Paulo Franchetti analisa, na entrevista que segue, o papel da edição universitária, mensura o impacto das novas mídias no segmento e faz um balanço das ações que colocaram, em sua gestão, a Editora da Unicamp no seleto grupo das melhores do país. “Acho que o reconhecimento é consequência do trabalho criterioso do conselho editorial e da equipe da Editora, que não só produz livros de alta qualidade editorial, mas ainda os difunde e distribui de modo eficaz.”

Jornal da Unicamp – Que análise o sr. faz do papel das editoras universitárias no mercado nacional?
Paulo Franchetti – Creio que as editoras universitárias de primeira linha têm ocupado um lugar importante no mercado editorial. Têm posto em circulação obras de grande relevância acadêmica e promovido a difusão do livro de uma forma que as demais editoras não fazem sistemática ou prioritariamente. Basta ver, nesse sentido, as políticas de desconto que editoras como as da USP, da UFMG e da Unicamp mantêm para professores de todos os graus de ensino, bem como as feiras que promovem nos seus campi. O mais importante, no que diz respeito à relação entre editoras universitárias e mercado, dessa forma, não é o lugar que ocupam nele, e sim o lugar que elas ocupam e o mercado não ocupa: o de formar catálogos especializados, de retorno financeiro baixo ou de longo prazo, mas de relevante impacto científico e educacional.

JU – Observa-se no país a proliferação de pequenas editoras e, na outra ponta, a maior parte do mercado nas mãos de grandes conglomerados detentores da produção e, em última instância, também da distribuição. O que as editoras universitárias devem fazer para enfrentar essa realidade?
Paulo Franchetti – As editoras universitárias não são um conjunto homogêneo. Há vários tipos, com objetivos e funções diferentes. Há, em primeiro lugar, as editoras pertencentes às grandes universidades públicas. Essas têm um trunfo inestimável, que é a aferição rigorosa da qualidade do que publicam. Num mundo de produtos abundantes, de crescimento enorme na oferta de títulos, essas editoras funcionam como filtros: como têm, as melhores, conselhos editoriais deliberativos compostos por especialistas, que se apoiam, por sua vez, em pareceres de mérito emitidos pelos melhores especialistas, tudo o que publicam e chega às prateleiras das livrarias vêm com a marca da excelência acadêmica. É fácil hoje, com verbas de origem vária, pagar a publicação de uma tese ou de uma coletânea de artigos numa editora qualquer. E algumas editoras de fato se especializaram em recolher essas verbas, publicando livros que não circulam e não passaram ou não passariam pelo crivo de especialistas. Mas numa editora como as que referi, o fato de o autor possuir recursos para publicar um livro não quer dizer nada: o  decisivo é a avaliação criteriosa pelos pares.
Há, porém, vários outros tipos de editoras universitárias (isto é, ligadas a universidades), que têm objetivos mais modestos, tais como dar vazão à produção local, que não encontraria guarida fora do seu âmbito, ou mesmo servir de ferramenta de divulgação e propaganda da marca, como é o caso de algumas editoras ligadas a universidades privadas. De modo que não creio ser possível falar em editoras universitárias como um conjunto. Foi essa constatação, aliás, que originou a criação de uma nova associação de editoras, a LEU (Liga de Editoras Universitárias), como alternativa à já existente ABEU (Associação Brasileira de Editoras Universitárias).
No caso da ABEU, para ser associado basta ser editora e estar vinculada, de alguma forma, a uma universidade. É indiferente que a editora ou a universidade sejam públicas ou privadas, bem como são indiferentes a importância do catálogo e as políticas de difusão do livro. A LEU, por sua vez, só admite editoras mantidas pelo poder público, possuidoras de catálogo relevante e que implementem políticas definidas de incentivo à circulação, produção e difusão do livro universitário. A LEU, eu creio, mostra o caminho de afirmação da singularidade e da relevância das editoras universitárias públicas: sua participação em feiras nacionais e internacionais não visa à venda de livros. Visa à divulgação do que é produzido no Brasil e, sobretudo, à divulgação da cultura brasileira, levando para os eventos, além dos livros, autores, professores e profissionais do livro, que realizam palestras, minicursos e debates.
Ou seja, o diferencial da editora universitária de primeira linha é não buscar a inserção indiferenciada no mercado, mas sim pautar discussões e desenvolver ações que só a universidade pode conduzir. Por isso, os movimentos puramente corporativos e comerciais não ocupam lugar muito relevante nas minhas preocupações como editor.

JU – Dá para afirmar que houve uma guinada na produção de livros no segmento?
Paulo Franchetti – Depende do arco temporal. Há grandes momentos na história da edição universitária no Brasil. Posso referir um deles, que me é especialmente caro, pois inspirou o meu próprio trabalho ao longo destes 10 anos: aquele em que a Editora da Universidade de São Paulo deixou de ser apenas coeditora, isto é, financiadora de publicações de interesse da universidade, e passou a ser propriamente editora, criando não apenas uma nova política de difusão do livro universitário, mas ainda um elevado padrão editorial. Se eu tivesse de destacar um momento central na história da edição universitária no Brasil seria esse: o projeto editorial implementado por Plínio Martins Filho, sob a presidência de João Alexandre Barbosa, a partir de 1989.

JU – O Brasil vem experimentando um crescimento nos indicadores de produção científica, em nível internacional. Esse círculo virtuoso do ensino e da pesquisa vem se refletindo nas publicações das editoras universitárias?
Paulo Franchetti – Creio que sim, mas não há uma relação direta. A maior parte da produção científica brasileira avaliada internacionalmente não tem, como canal de difusão, o livro. Sua forma de publicação preferencial (ou exclusiva) é a revista especializada, normalmente escrita em inglês. Essa produção tem um ciclo de vida muito rápido: o artigo inovador de hoje é a base do artigo inovador de amanhã. Por isso, raramente se originam livros que registram o real movimento do progresso do conhecimento no campo da tecnologia e das ciências da natureza. Nesse domínio, o livro tem quase sempre escopo didático ou de divulgação científica. E tanto para o primeiro, quanto para o segundo tipo, as grandes editoras especializadas em geral oferecem melhores condições para os autores, tanto no que se refere à remuneração, quanto à promoção.
Do ponto de vista do incremento das publicações das editoras universitárias, o diferencial é a multiplicação dos cursos de pós-graduação – especialmente no campo das humanidades.

JU – A Editora da Unicamp já vem, há algum tempo, apostando em coleções temáticas e/ou por áreas do conhecimento. O sr. poderia detalhar as razões dessa opção?
Paulo Franchetti – Quando assumi a direção da Editora, em 2002, ela não possuía um regimento interno. Ao redigi-lo, pareceu interessante incluir um artigo que desse respaldo à ampliação do número de pesquisadores envolvidos na tarefa de construção de um catálogo de ponta. Esse dispositivo permitiu a criação de comissões especiais, integradas por especialistas da Unicamp e de fora dela, às quais o conselho editorial delega a escolha de livros numa determinada linha de pesquisa ou interesse, com vistas à publicação de textos de referência nas várias áreas do conhecimento.
Isso propiciou (sem prejuízo da qualidade, nem concessões a interesses individuais) não apenas maior agilidade, pois a escolha e contratação de um livro relevante não precisa aguardar a pauta das reuniões do conselho, mas também grande envolvimento dos integrantes dessas comissões. Afinal, não se tratava mais de sugerir a um autor que procurasse a editora ou ao conselho que publicasse um determinado livro: tratava-se de poder escolher e implementar.
Está claro que é ao conselho que cabe não só aprovar os projetos de coleções temáticas, mas ainda verificar os passos de seleção dos livros no interior delas. Mas a ideia é simples: quem sabe quais as deficiências da bibliografia de uma determinada área são os que nela trabalham e se destacam.
Os resultados foram muito bons, do ponto de vista acadêmico, e as coleções temáticas são hoje parte importante do catálogo. E, algumas delas, sucesso de vendas.

JU – Ao mesmo tempo, percebe-se que, em algumas áreas, como é o caso da literatura, a Editora da Unicamp aposta no heterogêneo. Como tem sido a resposta?
Paulo Franchetti – O princípio básico que define o catálogo da Editora da Unicamp é: nós publicamos livros que são referência em seu campo de conhecimento e livros que são usados em sala de aula. Ou seja, livros clássicos tanto no sentido da permanência ao longo do tempo quanto no sentido do seu uso em classe. No domínio da literatura, por exemplo, o conselho aprovou a coedição de uma coleção de clássicos traduzidos. Nela têm sido publicados textos de fato variados, mas todos importantes para os cursos de graduação e pós-graduação. E, quando possível, busca-se acrescentar um diferencial em relação às edições correntes, como foi o caso da recém-lançada edição de A Divina Comédia, com desenhos de Botticelli. Publicamos também muitas traduções de poesia, destacando-se, nesse particular, os textos clássicos gregos e latinos.
A resposta é muito boa, em todos os níveis. A publicação dessa edição da Comédia, por exemplo, além de ser um relevante serviço acadêmico, pois foi a primeira vez que os desenhos foram reunidos segundo o projeto gráfico do artista, foi um sucesso de vendas, gerando recursos para a publicação de várias outras obras relevantes e sem o mesmo apelo de público.

JU – Nesse contexto, a Editora da Unicamp vem amealhando prêmios importantes, entre os quais o Jabuti. A que o sr. atribui esse reconhecimento?
Paulo Franchetti – Acho que o reconhecimento é consequência do trabalho criterioso do conselho editorial e da equipe da Editora, que não só produz livros de alta qualidade editorial, mas ainda os difunde e distribui de modo eficaz.

JU – Em sua opinião, qual é o impacto das novas mídias, especialmente as eletrônicas com seus hiperlinks e conteúdos interativos, no mercado editorial e no universo acadêmico? 
Paulo Franchetti – Ainda é difícil avaliar. Penso que há dois aspectos que merecem consideração, no que diz respeito às novas mídias e, especialmente, o livro eletrônico. O primeiro é que a oferta tende a aumentar exponencialmente, dado o baixo custo da publicação. Nesse caso, à editora universitária caberá um papel relevante: de filtro, de afirmação e garantia de qualidade. O segundo é que o livro universitário exige cuidados de produção que um best-seller não exige: tradução por especialista – se for o caso –, revisão técnica, produção criteriosa. Ora, isso tem um custo alto. Por outro lado, o livro universitário não vende como um romance. Assim, a relação entre custo/retorno, no caso do livro eletrônico, será muito diferente no caso de uma editora universitária e de uma editora de livros de tiragem ampla. Mas, como disse, ainda é difícil avaliar. A Editora da Unicamp tem estudado com cuidado e prudência essa questão para não dar um passo no escuro, pois, embora a pressão para colocarmos nossos livros on-line seja grande, não queremos tomar nenhuma atitude sem a segurança de que compreendemos minimamente as implicações de médio prazo.

JU – O livro tradicional, em papel, sobreviverá?
Paulo Franchetti – Creio que sim. É a forma mais confiável de preservação da informação e a que tem maior portabilidade. Mas, sobretudo, a que tem mais prestígio, já que implica inversão maior de recursos.
No campo específico da literatura – mas não só –, a ideia de que uma obra só terá existência em forma eletrônica é apavorante: a falência de uma editora ou um portal significaria o apagamento do texto, enquanto que milhares de obras do passado, publicadas em pergaminho, papiro ou papel, continuam disponíveis em sebos e bibliotecas e museus. Isso para não falar, como tanto se falava nos anos da Guerra Fria, na possibilidade de uma hecatombe nuclear que eliminasse a sede do Google ou o iCloud ou tornasse inacessível a internet...

 

Seminário reúne

editores na USP

 

A Edusp promove, de 5 a 8 de novembro, o Seminário Internacional Livros e Universidades. O evento, gratuito, ocorrerá no auditório da Biblioteca Mindlin, na Universidade de São Paulo (USP). Reunirá editores, formadores e pesquisadores do livro. O seminário integra o quadro de celebrações dos 50 Anos da Edusp.
Segundo a professora Marisa Midori Deaecto, curadora do Seminário, o evento “tem por objeto a edição universitária no Brasil e no Mundo, ou seja, apresenta-se como um Fórum de debates e trocas de experiências entre profissionais do livro, em particular editores universitários das principais instituições internacionais e brasileiras”.
Está confirmada a presença de editores das universidades de Cambridge, Oxford, Harvard, Yale, Chicago e Califórnia, e das universidades brasileiras USP, Unicamp, UERJ, UFMG, UFSC e UFPA. Presidentes das associações de imprensas universitárias do Brasil, dos Estados Unidos, da Europa, da América Latina e do Caribe também estarão presentes.
A programação completa pode ser conferida em www.edusp.com.br

 

Depoimentos

"Este ano, as principais editoras universitárias públicas do Estado de São Paulo estão comemorando datas importantes e mostrando a que vieram (Edusp, 50 anos; Editora da Unicamp, 30 anos; e Editora Unesp, 25 anos).
Sob a direção do professor, crítico e poeta Paulo Franchetti, a Editora da Unicamp firmou-se como um instrumento fundamental para a efetivação dos valores acadêmicos, promovendo e difundindo o trabalho de seus pesquisadores, sem jamais cair na tentação fácil do mercado. Franchetti sabe que o trabalho de uma editora universitária é a continuação daquilo a que a Universidade normalmente se dedica; assim, o juízo favorável ou desfavorável sobre um título ou uma coleção recai principalmente sobre a instituição que a editora representa. Portanto, dedicar-se apenas à edição de livros de apelo comercial não é uma solução válida para uma editora pública. As condições de mercado não podem determinar as atividades de uma editora universitária. E é esse o caminho que a Editora da Unicamp vem trilhando nos últimos anos."

Plinio Martins Filho, diretor-presidente da Edusp

 

"A Editora da Unicamp é hoje uma das mais importantes editoras do país, em razão do alto nível do seu catálogo, da criteriosa escolha de títulos, do apuro gráfico e do empenho de toda sua equipe. Nos últimos anos, Paulo Franchetti conjugou de maneira muito especial contemporaneidade e tradição, o que resultou em publicações que são referência em diversas áreas de conhecimento."

 Wander Melo Miranda, diretor da Editora UFMG