Edição nº 545

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 05 de novembro de 2012 a 11 de novembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 545

Pesquisa premiada analisa
as conexões entre instituições
e dinâmica econômica

Economista aponta inconsistências da abordagem de Variedades de Capitalismo

 

Nos últimos anos tem crescido o debate em torno do papel das instituições no desempenho econômico dos países, sendo que uma das vertentes que analisam este papel é a chamada abordagem de Variedades de Capitalismo (VoC). Desenvolvida a partir de um livro homônimo escrito em 2001 por Peter Hall e David Soskice, a abordagem de VoC apresenta-se como uma resposta específica do campo de estudos em economia política comparada aos fenômenos recentes da globalização, em que os movimentos de liberalização comercial e financeira reduziram o grau de autonomia dos Estados nacionais na formulação de políticas públicas em geral, e da política econômica em particular.

É com esta explicação que Cláudio Roberto Amitrano nos introduz ao tema de sua tese de doutorado, uma das cinco vencedoras do Prêmio Capes 2011 pela Unicamp, na área de Economia. O estudo intitulado “Instituições e desenvolvimento: críticas e alternativas à abordagem de Variedades de Capitalismo” teve a orientação do professor Antonio Carlos Macedo e Silva. “A ideia foi trabalhar num campo recente mas muito promissor do conhecimento em economia, com objetivo de estabelecer a conexão entre o papel das instituições e a dinâmica econômica. Já temos um Nobel, o professor Douglass North, e outros economistas que produziram trabalhos relevantes para este debate”, diz Cláudio Amitrano, que atualmente é diretor-adjunto de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Na tese, o autor também explica que a abordagem de VoC é frontalmente contrária a interpretações disseminadas a partir do Consenso de Washington, como a de que em algum momento chegaremos a um único tipo de política econômica para todos os países; e que suas estruturas institucionais em termos de regulação do trabalho, dos sistemas financeiros e de governança corporativa, assim como os modelos de treinamento, o sistema educacional e a dinâmica de incentivo às inovações convergiriam para um único padrão. Esta convergência, segundo aquela visão, seria decorrência dos mecanismos em operação nos mercados financeiros e de bens e serviços internacionais.

“Soskice e Hall atentam que, contrariando o que advoga boa parte do saber econômico convencional, existem diversos modelos de desenvolvimento econômico (as variedades de capitalismo); e que as instituições são diferentes para cada tipo de modelo, fazendo com que as trajetórias das economias, ao longo do tempo, sejam variadas”, observa Cláudio Amitrano, que se refere a instituições como as normas escritas, formais ou informais, de caráter regulatório. “No primeiro capítulo procuro mostrar a tese central desta abordagem, que vem conquistando mentes e corações na economia (sobretudo no caso europeu) e também na sociologia e ciência política (curiosamente, no caso americano). Soskice é um economista da Duke University, e Peter Hall, um sociólogo de Harvard.”

O mérito maior da tese de Amitrano está nas críticas que faz à abordagem de Variedades de Capitalismo, apontando suas inconsistências e culminando com a proposição de uma abordagem específica para caracterizar a performance das economias. “Em meu trabalho, reconheço as virtudes desta abordagem, compartilhando a ideia de que as economias têm estruturas institucionais e trajetórias econômicas diferentes. No entanto, em minha opinião, ela padece de alguns vícios que limitam a compreensão do que é o fenômeno do desenvolvimento econômico, como por exemplo, de se nutrir fundamentalmente do conhecimento ortodoxo em economia.” 

As críticas

A primeira crítica é que a abordagem de VoC estabelece uma dualidade entre economias: aquela que Soskice e Hall chamam de economia liberal de mercado (ELM), caracterizada pelo modelo americano, e outra, a economia de mercado controlada (EMC), representada pelo modelo alemão; em cada uma delas, as instituições são diferentes em vários domínios da vida social e econômica. “Vou dar o exemplo do mercado de trabalho. Na Alemanha, esse mercado é bastante regulado e as centrais sindicais têm grande protagonismo na determinação dos salários e das condições de trabalho, influenciando inclusive na política econômica. Já na economia americana, os sindicatos são bastante frágeis, com pouca capacidade de influir nessas decisões.”

Na hipótese defendida por Soskice e Hall, comenta o autor da tese, as diferenças entre o caso alemão e o caso americano se manterão no tempo, em função de uma série de aspectos, como a dependência da trajetória institucional. “Ocorre que, embora os autores não acreditem que as economias do mundo convergirão para um único modelo, defendem que algumas caminharão para algo próximo do alemão e, outras, para algo próximo do americano. Não haveria meio termo. As economias de meio termo, dizem, seriam caracterizadas como instáveis – e, como a instabilidade é insustentável no longo prazo, também estas acabariam convergindo para um ou outro modelo.”

Amitrano questiona outro pressuposto da abordagem, referente ao impacto das instituições sobre o comportamento dos agentes. “Soskice e Hall afirmam que as instituições são muito importantes para entender o comportamento dos agentes, mas por outro lado colocam as preferências dos agentes como sendo exógenas às instituições. É como se os agentes formassem suas preferências independentemente do contexto institucional, em função dos seus desejos. Tal pressuposto significa limitar enormemente o papel que as instituições podem exercer sobre o comportamento dos agentes. Para um papel proeminente das instituições, as preferências dos indivíduos precisam ser endógenas. Esta é uma crítica veemente que faço à abordagem.”

Na macroeconomia

Quando trata do impacto das instituições sobre a macroeconomia, o autor da tese toma o exemplo da interação entre barganha salarial e banco central. “Este tema é muito caro nas economias europeias, que possuem sistemas de barganha salarial bastante efetivos e bancos centrais igualmente muito ativos. Temos então uma interação entre duas instituições que é muito importante na determinação da inflação e do nível de emprego”, avalia. “Um elemento central da VoC é que os diversos domínios institucionais – as instituições que regulam o mercado de trabalho, a concorrência entre empresas, a política econômica – são vistas como dotadas de uma forte complementaridade. E esta complementaridade é que caracterizaria cada um dos modelos de capitalismo”.

Cláudio Amitrano considera que a barganha salarial alemã, no caso, não é importante por si só, mas também por estar conectada a uma estrutura de concorrência bastante centralizada e que opera de forma muito específica e articulada com a dinâmica econômica. “Outra instituição relevante seria o sistema de inovações, que na Alemanha está voltado ao desenvolvimento de tecnologias ou processos produtivos mais maduros. Existe, portanto, uma série de complementaridades entre os diversos domínios institucionais que caracterizariam essas variedades de capitalismo. E é exatamente essa complementaridade que criaria alguma rigidez do ponto de vista institucional, o que leva os criadores da VoC a apostarem na pouca probabilidade de que as instituições mudem para convergir ao modelo, por exemplo, liberal de capitalismo.”

O pesquisador leva esta aposta em consideração, mas ressalva que o desenvolvimento econômico é um fenômeno que se caracteriza pela mudança – e pela mudança institucional. “Por isso, vejo certa tensão entre caracterizar economias com complementaridade e rigidez institucional de um lado, e de outro, tentar analisar a trajetória dessas sociedades que contemplam a mudança institucional o tempo todo, ao menos no longo prazo. Como compatibilizar esses dois aspectos controversos? Esta é uma limitação da abordagem, que eu procurei não só explicitar, mas também propor uma solução para isso.”

Modificações

Amitrano propõe modificações sob outra perspectiva teórica, em que utiliza um conceito de instituição e de racionalidade diferente, as instituições são apresentadas como recursos, as institucionais informais têm papel significativo e os agentes são movidos pelo auto-interesse e por certa noção de reciprocidade. “Isso vai permitir que determinadas instituições exerçam um papel fundamental sobre as preferências dos agentes, ou seja, elas vão ser endógenas e não exógenas. Com isso, apesar de termos um número limitado de variedades de capitalismo, eles não convergirão necessariamente para dois. E, até por conta desta conclusão, modelos que não se enquadrem no modelo liberal nem no modelo coordenado, poderão ser estáveis ao longo do tempo.”

Na última parte da tese, o autor apresenta sua abordagem específica para caracterizar a performance das economias, procurando mostrar que é possível, a partir de uma teoria alternativa, derivar modelos diferentes de desenvolvimento. “Utilizei um instrumental pós-keynesiano para tratar de dois fenômenos vinculados ao desempenho das economias, que são a inflação e o crescimento. Criei primeiro um modelo de inflação e conflito distributivo, mostrando os possíveis impactos de instituições como o banco central e a barganha salarial na determinação da taxa de inflação. A partir desse modelo é possível derivar modelos de capitalismo diferentes do caso alemão e do caso americano e, ainda, que essas outras variedades sejam estáveis.”

Para avaliar o crescimento, o segundo elemento de desempenho econômico, Cláudio Amitrano desenvolveu um modelo também pós-keynesiano, com três elementos centrais: nele, é a demanda que comanda o crescimento (e não a oferta, como nos modelos ortodoxos); a distribuição funcional da renda (entre salários, lucros e juros) tem papel central na dinâmica do crescimento; e a inovação também exerce influência importante. “O último capítulo conecta bem a ideia de desempenho econômico com modalidades diferentes de instituições e, portanto, de capitalismo. Cheguei a um modelo cujas soluções, dependendo dos parâmetros e equações, podem gerar modelos tanto instáveis como estáveis de capitalismo, e em número maior que dois.”

 

Publicação

Tese: “Instituições e desenvolvimento: críticas e alternativas à abordagem de Variedades de Capitalismo”
Autor: Cláudio Roberto Amitrano
Orientador: Antonio Carlos Macedo e Silva
Unidade: Instituto de Economia (IE)