Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 05 de novembro de 2012 a 11 de novembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 545Zé e suas ‘fábricas’
de sabão e de sonhos
José Roberto dos Santos reaproveitaresíduos na Faculdade de Engenharia de Alimentos
Da fabricação de sabão, poucas crianças conhecem. E tampouco da pecuária. A não ser que se infiltrem por curiosidade ou visita escolar. No caso de José Roberto dos Santos, o Zé, essa coisa de fazer sabão é parte da cultura familiar. Dos braços laboriosos da avó, que se movimentavam pacientemente em círculos sob o vapor que se erguia do tacho, se obtinha o produto para lavar roupa, fazer a limpeza da casa e eliminar dos pratos o restinho de gordura da carne. E a matéria-prima para o sabão? Vinha da carne, ou mais especificamente, do excesso de óleo dela. Mas de onde vinha a carne, então? Da criação de porcos dos avós, numa chácara localizada no tradicional bairro Bonfim, em Campinas. Esta cena, numa Campinas onde rural e urbano ainda se mesclavam, na década de 1970, contribuiu para que Zé nunca mandasse o óleo para o ralo e, por consequência, à rede de esgoto. A vivência também serviu para que se tornasse um açougueiro, um técnico em química, um tecnólogo em alimentos de nível superior e transformasse óleo em sabão.
Tanta gordura para descartar, mas onde? Por que não reaproveitar? Assim começou a “fábrica de sabão” do Zé, no Laboratório de Carnes e Processos da Faculdade de Engenharia de Alimentos. Inconformado com o que sobrava de gordura depois das aulas e das pesquisas nas quais auxilia como tecnólogo, viu a oportunidade de se guiar no exemplo da avó, mas sem movimentar tanto os braços e sem tanto calor. O tacho da avó foi substituído pela tecnologia de um homogeneizador a frio (semelhante a uma batedeira de bolo), e o calor do fogo foi trocado por hidróxido de sódio comercial (conhecido como soda cáustica), que, agitado, também se aquece. Depois é esperar virar pedra e, se desejar, transformar a pedra em pó. Tudo manuseado com muito cuidado, pois a soda, assim como os resíduos de ácido usados para reduzir o pH, é nociva. O pH deve ser reduzido para evitar danos à pele e a tecidos.
A iniciativa tão tímida quanto seu autor, realizada em vagas de tempo entre uma aula e outra, uma pesquisa e outra, com fins ambientais, acabou indo parar nos ouvidos de alguns colegas e, para alegria do tecnólogo, sempre pronto a ajudar, a “fábrica de sabão” passou a ter novos beneficiários: o pessoal da manutenção da FEA. Para manter o maquinário funcionando, esses funcionários terminam o dia com mãos e braços cobertos de graxa e, para eliminá-la com eficácia, encontraram um forte e indispensável aliado: o sabão do Zé. “Eles saem com as mãos e os braços limpinhos”, contenta-se.
Suas atitudes ganharam os ouvidos e a atenção de amigos, como a bióloga Alessandra Silva Coelho. “Achei de uma grandeza incrível da parte dele e me senti uma ‘formiguinha’ diante da sua visão de cima. Talvez as pessoas não enxerguem, mas existem nos bastidores excelentes funcionários, dotados de uma grande capacidade de convencimento do que é ser realmente proativo”, diz a bióloga. Mesmo dedicando-se à confecção de sabões apenas nos raros momentos de calmaria entre uma aula e outra, Zé consegue atender um amigo ou outro que precise de sabão em pedra ou pó.
Um disseminador de ideias, Zé sonha em ver os problemas do descarte do óleo na pia da cozinha solucionados também pelas pessoas que cuidam de suas casas. Muitas delas acumulam o que sobra de frituras para despejar de uma só vez no ralo. “Não têm noção do mal que causam a si próprias”, argumenta.
O tecnólogo nunca esteve alheio à necessidade de reflexões diante de cenários que o convidavam a uma observação aprofundada. Inquieto diante de qualquer necessidade de mudança, sempre, apesar da timidez, procurou sacudir a imaginação e a inventividade das pessoas. Ainda no ensino técnico, formou um grupo de estudos para se prepararem para o vestibular, já que não tinham condições de frequentar curso pré-vestibular. Um olhar sempre circular para a sociedade o fez enxergar que outros jovens poderiam ter a mesma oportunidade. E lá foi Zé realizar palestras em escolas públicas sobre a importância de uma formação técnica.
Em sua opinião, muitas vezes é do salário ganho no trabalho que o técnico consegue manter um curso universitário. “É uma oportunidade de emprego, além de ser fonte de conhecimento”, avalia Zé, que acrescenta: “Infelizmente, na minha época os cursos técnicos não eram muito difundidos pelos professores nas escolas públicas. Decidimos então fazer isso por conta própria.”
Zé foi aprovado no vestibular da Unicamp para o curso de química, mas queria se graduar em tecnologia de alimentos, indo pleitear uma vaga na Universidade de Araras, Uniararas. O bom desempenho no vestibular lhe garantiu bolsa integral em sua formação. Mas, mais uma vez, desejou ver outros jovens recebendo a mesma oportunidade e, como amigo Luis Romão, da Faculdade de Educação da Unicamp, montou uma espécie de curso pré-vestibular para jovens sem condições de pagar pela preparação para os exames. As aulas eram ministradas em uma biblioteca montada na casa de Romão. A empreitada durou quatro anos e inseriu alguns alunos em cursos de graduação de Campinas e outras cidades do Estado de São Paulo. “Nosso desejo era ampliar o número de jovens de escola pública na universidade”.
A experiência pessoal ajudou Roberto na preparação de vestibulandos no Afrodata, um projeto destinado a jovens afrodescendentes e carentes, responsável pela inserção de muitos alunos em universidades de iniciativa privada e pública. “Queria que esses jovens tivessem a mesma oportunidade que tive”, declara. Na casa de Romão, eles contavam com a ajuda de muitos alunos da Unicamp, empenhados em transmitir conhecimentos de física, química e outras áreas aos vestibulandos. Durante os encontros, os alunos mostravam provas de vestibulares da Unicamp, de anos anteriores, para mostrar que a Universidade não era um sonho impossível. “Para mim, foi uma satisfação pessoal ajudar esses jovens.”
No dia a dia, como tecnólogo, Roberto auxilia alunos de graduação e pós em aulas e pesquisas. O comprometimento dele com esses futuros e atuais profissionais da área começa com o roteiro de aulas e na preparação do laboratório. O envolvimento com pesquisas desde sua entrada na Universidade, em 1991, rendeu publicação de trabalho em veículo especializado em coautoria com professores e alunos da FEA.
Seria melhor respeitar o silêncio de Zé sobre seus feitos e deixá-los adormecidos lá no laboratório. Como a maioria dos “perfilados”, antecipa-se e pede para ser conduzido durante a conversa. Não pelo sorriso que se sobressai aos olhos, quase sempre baixos, mas pela falta de necessidade de mostrar o que fez e ainda tenta fazer pelas pessoas, pelo ambiente, pela sociedade, enfim. Mas a decisão da amiga Alessandra de denunciar sua obra fez com que o próprio Zé percebesse a importância de compartilhar tamanho conhecimento e de propagar em alto som muitas coisas ainda a ser vistas (ou revistas) pela sociedade.
Em gestos silenciosos e despretensiosos, ao lado do amigo Luiz Romão, consegue incluir na lista de 1% dos privilegiados pela graduação jovens que talvez nem tivessem sua mesma perspectiva. E ainda inicia entre colegas e donas de casa, sem querer, um movimento para que o planeta respire um pouquinho melhor a partir de uma iniciativa simples, apreendida com a observação do vaivém dos braços insistentes da avó: sua “fábrica de sabão”. Aliás, um excelente sabão.
Receita básica de sabão
Ingredientes
613 ml Óleo
125g Soda cáustica = Hidróxido de sódio
200ml Água
10g Sabão em pó (opcional)
10g Açúcar
20ml Cândida
13ml Vinagre
6ml Aroma (opcional)
3ml Corante (opcional)
Passo a passo
1 -Filtrar o óleo em papel toalha
2 - Dilua a cândida em 20ml de água
3 - Dilua o sabão em 10ml de água
4 - Dilua o açúcar em 10ml de água
5 - Dilua a soda cáustica aos poucos, cuidadosamente, em local aberto em 160ml de água
6 - Despeje a mistura cândida + água no óleo e agite por 2 minutos na batedeira de bolo
7 - Despeje a solução de soda cáustica aos poucos, cuidadosamente no óleo com a cândida e água e continue agitando
8 - Com agitação constante misture o restante dos ingredientes na seguinte ordem: vinagre, açúcar, sabão em pó, aroma e o corante.
9 - Continue agitando por uns 20 minutos ou até formar uma pasta
10 - Despeje a pasta em formas abertas e deixe descansar por 24 horas
11 - Cortar os pedaços e deixar maturar por, no mínimo, uma semana
Rende aproximadamente 4 pedras de sabão de ± 250g
Comentários
comentario
A sabedoria popular sempre foi fonte de produção de conhecimento coletivo. Parabéns a este reconhecimento nesta matéria.
Zé e suas ‘fábricas’ de sabão e de sonhos
Parabéns zé e Romão!
Zé e suas fábricas
Parabéns Zé por sua iniciativa e pro-atividade na busca de suas conquistas. Que muitos outros Zés nasção a partir desse brilhante exemplo. Que Deus continue te abençoando e guiando em suas idéias e conquistas!
Elogios
Parabéns Zé! Obrigada por existir! Que possamos ampliar os seus exemplos de humildade, é o que todos nós precisamos.
Parabéns ao Zé Roberto, por
Parabéns ao Zé Roberto, por sua história, dedicação, sonhos e conquistas!
Zé e suas ‘fábricas’ de sabão e de sonhos
Inovar, reinventar e ousar sempre! Parabéns pela sua iniciativa.
Parabéns por essa obra..
Que grande conquista!! Isso acontece apenas para aqueles que buscam.. Me orgulho de uma grande pessoa que teve e tem esse conhecimento. Parabéns José Roberto!
Fabrica de sabão
Parabéns Zé Roberto!!!!!
Agradeço a Deus por me dar a oportunidade de conhecer e conviver com uma pessoa como você, tão especial e essencial pro mundo.
Parabéns Zé!!!
Parabéns Zé!!!
Que sua iniciativa sirva de exemplo para todos nós que podemos sim contribuir de uma forma, mesmo muito pequena, e fazer uma grande diferença para os outros!!!
Sucesso!!!
o que é cândida
olá zé, eu fiz a sua receita, gostei muito e ficou bom,mas teve só um problema é sobre a cândida.eu não sei o que é e pra que serve, vc poderia me dizer o que é e pra que serve a cândida? e zé quando agente corta o sabão ele fica meio farelento isso é normal?
obrigada aguardo resposta