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Baixar versão em PDF Campinas, 22 de setembro de 2014 a 28 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 607Aos pés da Cordilheira
Geógrafa analisa áreas verdes e ocupação territorial da capital chilenaA literatura científica traz um dado ideal para que a pessoa viva com um mínimo de qualidade ambiental: residir no raio máximo de 500 metros de uma área de vegetação (o índice de área verde por habitante). O dado foi lapidado pela geógrafa Mariana Ferreira Cisotto para sua tese de doutorado em análise ambiental e dinâmica territorial, “Cidade e natureza: o papel das áreas verdes na urbanização recente da província de Santiago do Chile”, orientada pelo professor Antonio Carlos Vitte e apresentada no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Antes, no mestrado, a autora já havia dirigido o mesmo foco para Campinas, relacionando a distribuição das áreas verdes e o processo de urbanização do município paulista.
Esta experiência acadêmica certamente contribuiu para que Mariana Cisotto, logo depois de defender o doutorado em março deste ano, fosse convidada para passar da teoria à prática, fazendo política pública na coordenação do setor de Áreas Verdes da Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. “A academia sempre dirige um olhar crítico sobre o planejamento urbano, mas como efetivar suas propostas? Uma preocupação que estou levando para dentro da Prefeitura de Campinas diz respeito à função social que as áreas verdes precisam exercer, pois em minhas pesquisas vejo quão desigual é a sua distribuição.”
Na pesquisa de mestrado sobre o município campineiro, a geógrafa fez um resgate histórico dos principais planos urbanísticos, além de vasto trabalho empírico, identificando um padrão de ocupação urbana caracterizada como difusa e espraiada: seguindo os principais eixos viários indutores da expansão urbana, observa-se que os fragmentos naturais estão sendo incorporados como áreas verdes em condomínios (loteamentos fechados) dispersos no município. “Para não promovermos este isolamento, há que se priorizar plantios de reflorestamento e proteger patrimônios naturais por tombamento, que devem ser espacializados de modo a garantir seu uso público.”
O acesso da população em geral a áreas de vegetação, ainda que mínimo e distante do ideal de 500 metros de raio da residência, é uma premissa que a estudiosa acadêmica tenta inserir nas metas de arborização da cidade. “Na APA de Campinas [área de proteção ambiental constituída na maior parte pelos distritos de Sousas e de Joaquim Egídio], por conta do relevo declivoso e das restrições à ocupação, temos suprido condições bastante adequadas. Mas em outras regiões que estão se urbanizando rápida e intensamente, como do rio Capivari e nas proximidades da expansão de Viracopos (ao sul), é preciso isolar algumas áreas de vegetação para garantir as condições naturais mínimas.”
Mariana Cisotto realizou sua pesquisa empírica em dois patrimônios tombados de Campinas, o Bosque dos Jequitibás e a Mata de Santa Genebra: o primeiro incorporado à malha urbana no passado higienista e o segundo em fase de incorporação e já alterando a dinâmica fundiária. “Prestes Maia, quando fez o plano de melhorias urbanas em 1930, valorizou o entorno dos Bosques dos Jequitibás, dos Italianos e dos Alemães: para a população, morar perto dessas áreas verdes tinha grande significado no pós-febre amarela, pois elas representavam a garantia de um espaço limpo, onde se podia andar e respirar, sustentando forte status de qualidade ambiental.”
Segundo a geógrafa, a diferença daquele processo de ocupação em relação ao período moderno, pós-revolução ambientalista, está no novo olhar para o meio ambiente, com a criação das unidades de conservação (UC). “Temos uma supervalorização da UC, com condomínios encravados na vegetação de Joaquim Egídio; e no entorno da Mata de Santa Genebra, que antes era uma fazenda, para onde se dirigiram moradores fugidos da valorização do Centro e que agora fogem novamente devido à valorização pela proximidade da UC. O fato é que as áreas verdes que restam em Campinas estão sendo incorporadas por novos loteamentos, como demonstrativo de qualidade de vida passível de ser comprada. Tendo enxergado quão crítica é a situação e qual é a tendência, como fazer para segurar esse tipo de urbanização? É a preocupação que carrego para o mundo do trabalho.”
O ‘foggy’ de Santiago
Para o doutorado, Mariana Cisotto procurou entender como se dava este processo de expansão urbana em outra realidade, inicialmente com um projeto ambicioso de uma grande comparação de Campinas com outras regiões metropolitanas da América Latina. As especificidades de Santiago, porém, levaram a pesquisadora a se ater mais profundamente à capital chilena. “As principais especificidades estão na poluição, na escassez hídrica e na incidência de terremotos. Em termos de planejamento urbano, há uma preocupação bem antiga de criar espaços livres para o plantio de árvores que mantenham a umidade do ar e filtrem a poluição atmosférica.”
A geógrafa explica que Santiago do Chile possui péssimos índices de qualidade do ar, isolada na bacia hidrográfica que fica entre a Cordilheira dos Andes e a Cordilheira Central. “A cidade está sob um ‘foggy’ de poluição [ou ‘smog’] que não dispersa e cujo filtro é a arborização. Outra preocupação é garantir espaços livres nos entremeios de prédios e residências para permitir a fuga dos moradores no caso de terremotos. Santiago possui muito mais espaços livres e parques do que Campinas, todos pensados historicamente.”
A autora da tese constatou naquela capital a mesma tendência de urbanização que vê atualmente nas grandes cidades latino-americanas, inclusive nas brasileiras: com o adensamento da área contígua do centro histórico, ocorre a expansão dos anéis concêntricos que formam a estrutura viária da metrópole e levam a um crescimento disperso, com bolsões populacionais em regiões distantes. “São pequenos policentros que possuem identidade própria. Nessa lógica, vemos áreas verdes distantes umas das outras e que não suprem a demanda do restante da população – há uma incorporação da natureza de forma privatizada.”
Adotando a série história de 2007 a 2011, Mariana Cisotto constatou um padrão de adensamento para o setor leste, onde está a Cordilheira dos Andes, que hoje é o principal atrativo para expansão urbana na região. “A Cordilheira ficou isolada durante muito tempo por causa do altíssimo custo de construção e da restrição a residências em cotas de maior altitude. Havia uma cota máxima que podia ser ocupada, mas a lei foi alterada, dando margem ao adensamento e permitindo construções inclusive nas cotas mais elevadas. O detalhe é que esses lotes, caríssimos, estão acima da linha do ‘foggy’ de poluição, permitindo uma mercantilização desta benesse da natureza, a qualidade do ar, além da presença do verde.”
Gated community
Chamou a atenção da geógrafa que o maior índice de áreas verdes estivesse justamente nessas cotas pré-andinas, quando a região onde se estabeleceu Santiago do Chile era constituída por uma vegetação bastante rarefeita, predominantemente por herbáceas. “Nas comunas como de Lo Barnechea, tudo é recriado com plantas exóticas adaptadas ao estresse hídrico e que remetem a paisagens frondosas; natural, apenas um capim dourado chamado ichu. Jardineiros são contratados para cuidar do paisagismo e não falta irrigação, até porque cada comuna recebe verba pública para esta manutenção, proporcional à sua importância política e econômica. Todas as casas têm acesso a uma área verde pública, onde as crianças correm soltas e em segurança, com uma guarita que impede o acesso de pessoas de fora.”
Mariana Cisotto soube que o marketing imobiliário criando este novo produto associado ao exclusivismo surgiu na comuna de Lo Barnechea faz apenas oito anos. O discurso é a preocupação com a segurança das gated communities, mas incorporando os elementos e a dinâmica da natureza – e mesmo a liberdade em relação à tragédia, no caso dos terremotos. “Os gated communities são uma tendência no mundo inteiro. Os folders divulgam os loteamentos nas comunas mais ricas relacionando o status de morar nas cotas da altitude para ter uma vista de toda a cidade, dentro da ideologia da segurança, do contato com a natureza e distância da poluição. Existem residências onde contei oito ou nove carros na garagem.”
No que se refere à expansão urbana em Santiago de forma geral, a pesquisadora identificou um padrão de condomínios horizontais de alto padrão, condomínios verticais de até três pavimentos (habitação popular) e prédios de apartamentos para classe média e alta. “As áreas verdes na área central foram urbanizadas ainda no planejamento higienista, num padrão de ocupação concêntrico e mononuclear, e hoje são revitalizadas com a substituição dos casarões coloniais por condomínios verticais no entorno. Nas comunas mais pobres ao sul da cidade, notamos que a urbanização dispersa e difusa impõe-se à malha urbana velha e precária, sem a presença de espaços de natureza.”
Mariana Cisotto observa que o padrão de distribuição de áreas verdes em Santiago não é de pequenos parques que permeiam toda a malha urbana, mas sim de grandes parques na área central, distante das comunas com baixo índice de vegetação, fazendo com que as mais periféricas careçam de espaços de natureza. E, embora a sua preocupação do momento seja Campinas, a autora da tese tem sua sugestão para a capital chilena. “A preocupação deve ser em incorporar os topos de morros, por exemplo, como novos parques públicos urbanos, a fim de suprir o restante da população de um mínimo de natureza, ao invés da incorporação como bolsões exclusivos para loteamentos residenciais.”
Publicação
Tese: “Cidade e natureza: o papel das áreas verdes na urbanização recente da província de Santiago do Chile”
Autora: Mariana Ferreira Cisotto
Orientador: Antonio Carlos Vitte
Unidade: Instituto de Geociências (IG)