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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 22 de setembro de 2014 a 28 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 607Caism salvou vidas e reduziu abortos provocados, diz artigo
Pesquisa destaca efeitos do planejamento familiar e evolução da mulher brasileiraArtigo publicado em agosto no periódico inglês Human Reproduction apresenta vários aspectos da evolução da mulher brasileira nos últimos 30 anos e mostra como o trabalho desenvolvido no Ambulatório de Planejamento Familiar do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) tem ajudado a salvar vidas maternas e infantis e contribuído para a redução de abortos provocados. A pesquisa, coordenada pelo médico Luis Bahamondes, professor titular do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, recebeu apoio da Fapesp e contou com a participação de três bolsistas de iniciação científica do curso de medicina, uma pesquisadora, uma estatística, uma enfermeira e dois docentes.
O coordenador do projeto lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um indicador denominado Disability-adjusted life years (DALY) que mede os benefícios, em termos de saúde, incorporados à sociedade durante certo tempo, pela adoção de iniciativas de caráter coletivo. Seria o caso, por exemplo, de determinar a contribuição social da vacina da poliomielite. A instituição inglesa Marie Stopes Internacional adotou esse indicador para avaliar a contribuição da provisão de contraceptivos em uma determinada sociedade.
O planejamento familiar (PF) evita a gravidez não planejada e consequentemente o aborto provocado que, sendo ilegal no Brasil, pode causar sofrimentos, infertilidade futura e até morte, em decorrência de procedimentos empregados e condições em que são realizados. Também contribui para a diminuição de mortes maternas, que apresentam grandes variações no Brasil, dependendo de regiões e Estados, sendo menor no Sul/Sudeste e maior no Norte/Nordeste, mas sempre superiores ao esperado pela OMS. A provisão de anticoncepcionais espaça os nascimentos e contribui também para a diminuição do índice de mortes infantis.
Na pesquisa foram levantadas informações de 50 mil fichas disponíveis no Ambulatório de PF, que abarcam o período de primeiro de janeiro de 1980 a 31 de dezembro de 2012, perfazendo dados acumulados em 32 anos. Esse banco foi empregado para avaliar a eficácia contraceptiva, mas para o emprego no DALY foram selecionados apenas os dados dos últimos 10 anos, que corresponde ao intervalo para o qual o programa da instituição inglesa está preparado.
Para o estudo foram consideradas apenas as mulheres que utilizaram quatro métodos anticonceptivos de altíssima eficácia: o dispositivo intrauterino (DIU, TCu380A), com efeito de 10 anos; o sistema intrauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG), que dispõe de um cilindro liberador de hormônio, com duração de cinco anos; o implante subdérmico, aplicado sob a pele, trocado a cada três anos; e o injetável trimestral acetato de medroxiprogesterona de deposito (AMPD).
Os três primeiros são considerados métodos de longa duração (Long Acting Reversible Contraceptives) e dispensam a preocupação diária com a pílula ou com a troca periódica do adesivo ou do anel vaginal. Já o injetável trimestral, de altíssima eficácia, oferece a vantagem de uma sobrevida depois de vencidos os 90 dias, além de exigir o consumo de apenas quatro ampolas anuais.
Esses métodos foram escolhidos, explica Bahamondes, pela alta eficácia e por permitirem a utilização do modelo computacional para chegar a resultados mais confiáveis. O trabalho possibilitou, através de um modelo matemático, estimar quantos abortos, mortes de mulheres e infantis puderem ser evitados em um intervalo de 10 anos. Isso é possível porque quando acionado para o Brasil o programa incorpora automaticamente uma série de informações disponibilizadas pela OMS, pelo Ministério da Saúde e por censos demográficos, entre outros. A essas informações foram incorporadas então os levantamentos dos arquivos do Caism referentes ao número de mulheres e ao tempo que utilizaram cada um dos métodos anticonceptivos selecionados.
Dos resultados obtidos no processamento o docente destaca: “Estimamos que em apenas 10 anos foram evitadas entre 60 e 37 mortes maternas, variação explicada pela queda progressiva desse tipo de óbito no país; entre 424 a 315 mortes infantis, igualmente em decréscimo; entre 853 e 634 mortes combinadas maternas e infantis; e entre 1.412 a 1.056 abortos provocados, em um universo de 20.800 mulheres”. Para ele, os dados comprovam que um programa barato como o do PF é capaz de poupar mortes e sofrimentos, de contribuir para a diminuição de abortos provocados que, por não serem legais, são realizados muitas vezes precariamente.
Diante disso, ele se confessa “profundamente orgulhoso pelo trabalho da equipe que, através de um serviço universitário que funciona há mais de 30 anos, possibilita que mulheres recebam um atendimento de qualidade, gratuito e de inegável alcance social”.
Além disso, o pesquisador enfatiza que o artigo “Estimated disability-adjusted life years averted by long-term provision of long acting contraceptive methods in a Brazilian clinic” mostra também a mobilidade da mulher na sociedade brasileira ao longo de 30 anos. Assim é que as mulheres que procuravam o Caism nos anos 80 eram mais jovens das que o fazem atualmente, porque estas dispõem de anticoncepcionais na rede pública. Antes 52% delas tinham de 1 a 4 anos de escolaridade, que em 2010 passou a ser de 9 a 12 anos para 55% delas. Se antes 89% das mulheres que procuravam o Centro tinham entre 1 a 4 filhos, hoje 62% das que chegam possuem de 1 a 2 filhos. Os dados comprovam que as mulheres procuram os serviços de anticoncepção com maior idade, possuem melhor escolaridade e estão tendo menos filhos. Para o professor, “embora os diversos governos creditem a mobilidade social aos períodos de suas administrações, ela vem ocorrendo naturalmente ao longo do tempo”.
Críticas
O Ambulatório de PF do Caism recebe cerca de 70 mulheres todas as manhãs, das quais cerca de 10 o procuram pela primeira vez e o restante para controles periódicos ou anuais. Por que tanta procura? Porque, segundo o docente, essas mulheres, embora disponham muitas vezes de postos de saúde próximos de casa, não encontram na rede pública esse tipo de atendimento. Para ele, esse quadro decorre da falta de interesse dos governos federal, estaduais e municipais que, embora enalteçam o PF, não cumprem seus papeis. Ele defende o programa pelos benefícios sociais que traz a baixo custo, pois o preço de um DIU com cobre não é maior de R$10,00 e oferece proteção por 10 anos. O implante e o SIU-LNG, que são caros, devem custar em torno de R$500,00 a R$600,00, oferecem proteção por três a cinco anos, respectivamente, que corresponde a um valor mensal muito pequeno. Bastaria que os administradores públicos investissem em capacitação de pessoal, bom atendimento e os serviços oferecessem esses anticonceptivos.
Entretanto, segundo o pesquisador, os governantes estão acomodados porque as estatísticas mostram que 82% das mulheres brasileiras entre 15 e 49 anos, casadas ou com alguma união, utilizam anticonceptivos, comprados em farmácias ou obtidos em postos de saúde, em que pese pouco práticos e de menor eficácia, caso da pílula, que apresenta índice de falhas de 8% a 12%, enquanto os anticonceptivos de alta eficácia podem falhar em uma entre 10 mil mulheres.
Em vista disso, ele se pergunta: por que então não investirem em métodos de longa duração, que oferecem alto desempenho anticonceptivo, altas taxas de continuação, reversibilidade, uso por muitos anos e custos relativamente baixos? E responde: “Os governos não se movem porque as mulheres usam pílulas ou recorrem à laqueadura. Mas muitas delas ao optarem por esse recurso são levadas a enfrentar uma nova gravidez para poderem fazer uma cesariana que lhes permite receber uma laqueadura encoberta. O poder público acaba pagando por uma cesariana que não devia ser feita, a mulher tem uma criança que não fazia parte do plano familiar e ocorre ainda que uma porcentagem delas acaba optando pela reversão da laqueadura”.
Repercussões
A respeito da repercussão que o estudo possa ter no país o professor Behamondes se pergunta com ceticismo: “Alguma autoridade vai se interessar em conhecer o nosso trabalho?”. E responde: “Acho que não. Alguém do Ministério da Saúde, das secretarias de saúde estaduais e municipais ou do grupo de formuladores de programas dos candidatos a presidente vai lê-lo? Provavelmente não, porque é pequeno o interesse por parte das autoridades em implantar programas efetivos de PF”.
Ele diz que continua realizando pesquisas e divulgando os resultados porque gosta, acredita nas contribuições que de alguma forma possam trazer e porque as publicações constituem um dos imperativos da vida acadêmica e são importantes para todos os seus participantes. Apesar da importância em nível nacional e internacional que atribui aos resultados recém-divulgados, ele não espera maiores impactos no Brasil, mas intui que a publicação atrairá a atenção de outros pesquisadores e acredita na sua repercussão em contexto mundial. Para ele, dentro de pouco tempo surgirão artigos mostrando estudos sobre o tema realizados em países em desenvolvimento.
Mesmo diante desta visão crítica, diferentemente do que se possa inicialmente imaginar, o docente alinhava suas constatações com muita tranquilidade, acrescentando: “O Brasil tem 200 milhões de habitantes, cerca de 100 milhões de mulheres, aproximadamente 50 milhões delas em idade fértil e mais ou menos três milhões de grávidas. Sobram 47 milhões em condições de fertilidade, e nesse universo 40% encontram-se laqueadas. Então, próximo a 30 milhões de mulheres precisam usar anticoncepcionais reversíveis. Entretanto vendem-se no país, anualmente, 80 mil SIU-LNG e cinco mil implantes. Os dados mostram que o governo envida poucos esforços para adquirir métodos anticoncepcionais de alta eficácia. A questão é resolvida com pílulas e injetáveis”.