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Baixar versão em PDF Campinas, 22 de setembro de 2014 a 28 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 607Pesquisa identifica deficiência de vitamina A em gestantes adolescentes
Estudo mostra que 52% das mulheres apresentaram baixas concentrações do micronutriente no final da gravidezEstudo desenvolvido para a tese de doutorado da nutricionista Geânia de Sousa Paz Lima, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, identificou uma alta frequência de deficiência de vitamina A em um grupo constituído por 126 gestantes adolescentes do Estado do Piauí. De acordo com os dados da investigação, no final da gravidez 52% apresentaram baixas concentrações desse micronutriente no sangue, na forma de retinol sérico. A deficiência de vitamina A (DVA) no organismo da gestante pode comprometer o resultado do processo gravídico, contribuindo para o aborto espontâneo, prematuridade, baixo peso ao nascer, anemia, infecções, Síndrome Hipertensiva da Gravidez, sepse puerperal, estresse oxidativo, bem como pode concorrer para maior mortalidade materna e dos lactentes nos primeiros seis meses de vida. O trabalho foi orientado pela professora Sílvia de Barros Mazon.
A pesquisa desenvolvida por Geânia foi executada no contexto de um projeto denominado Doutorado Interinstitucional (Dinter), estabelecido entre a Universidade Federal do Piauí (UFPI), onde ela é docente, e o Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da FCM, com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação. De acordo com a professora Sílvia Mazon, este estudo, que avalia a frequência de DVA exclusivamente em gestantes adolescentes, é pioneiro no Brasil. “Existe uma carência de pesquisas envolvendo esse segmento da população, especialmente no que se refere à ingestão da vitamina A”, acrescenta Geânia.
A autora da tese explica que utilizou três métodos diferentes para diagnosticar o risco de DVA nas gestantes adolescentes. O primeiro deles foi avaliar o consumo alimentar, por meio de três inquéritos recordatórios de 24 horas, aplicados em cada trimestre gestacional. Foi constatado que 64% das gestantes adolescentes tinham baixa ingestão desse nutriente. O segundo método foi investigar a presença de cegueira noturna, no início e final da gestação, utilizando entrevista padronizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A cegueira noturna é caracterizada pela dificuldade da pessoa em enxergar objetos, distinguir pessoas ou se locomover em ambientes com pouca iluminação.
“O que nós apuramos foi que 13% das gestantes adolescentes apresentavam sintomas de cegueira noturna tanto no início quanto no final da gravidez. Apesar de os percentuais terem sido iguais, nós observamos que, das mulheres que iniciaram a pesquisa com cegueira noturna, somente 37% continuaram com esse tipo de queixa até o final da gravidez. Por outro lado, outras que não reclamaram do problema inicialmente, passaram a fazê-lo no final da gravidez. Ou seja, se uma parte significativa superou o problema, outra passou a apresentá-lo, o que explica a repetição do percentual”, detalha a nutricionista. O resultado é preocupante, conforme Geânia, porque os índices de cegueira noturna em outros estudos ao redor do mundo são inferiores aos encontrados - variam de 3,5% a 9,8%.
O terceiro e último método empregado na pesquisa foi a quantificação das concentrações de retinol no sangue da mãe e no cordão umbilical. As coletas de sangue foram realizadas no início e no final da gestação, mas as análises bioquímicas só foram realizadas ao término das coletas de sangue de todas as gestantes participantes, para evitar viés metodológico. As análises bioquímicas foram realizadas no Laboratório de Lípides da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), por intermédio da professora Eliana Cotta de Faria, coorientadora do estudo.
Os resultados apontaram que a taxa de gestantes com deficiência de vitamina A subiu de 35% no início para 52% no final da gravidez. “Esses dados comprovam que essa população realmente apresenta riscos de desenvolver problemas relacionados com a carência de vitamina A no organismo”, sustenta Geânia. No trabalho, a nutricionista verificou também as concentrações de retinol no sangue de cordão umbilical, para inferir as concentrações desse nutriente nos recém-nascidos. “Nós constatamos que 95% dos bebês mostraram concentrações de retinol na faixa compatível com a deficiência de vitamina A, com indicação da existência de uma correlação entre as concentrações desse micronutriente nos organismos da mãe e da criança”, diz Geânia.
Segundo a professora Sílvia Mazon, os resultados do estudo apontam para a necessidade da adoção de políticas públicas que favoreçam o diagnóstico precoce dessa deficiência nutricional, especialmente nesse grupo populacional. “Feito o diagnóstico precoce, o próprio sistema de atenção básica às gestantes adolescentes poderia adotar medidas corretivas, como a oferta de uma suplementação nutricional”, pondera. Conforme a autora da tese, esse tipo de cuidado já ocorre em relação à deficiência de ferro e ácido fólico ao longo da gravidez.
Entretanto, ação semelhante ainda não foi adotada no que tange à deficiência de vitamina A. “Atualmente, o Ministério da Saúde mantém um programa de suplementação desse micronutriente somente após o parto, que prevê a administração de uma dose de 200 mil unidades internacionais para todas as parturientes. Todavia, penso que intervenção semelhante a esta, em casos onde a DVA é endêmica, poderia ser feita ainda durante a gravidez, o que traria benefícios tanto para a mãe quanto para a criança. Não podemos esquecer que o Brasil é considerado um país cuja população apresenta risco para DVA”, considera a nutricionista.
Nesse ponto, a autora da tese faz um adendo importante. De acordo com ela, se a carência de vitamina A faz mal à saúde, o excesso também faz. Por isso é importante que tanto o diagnóstico da deficiência quanto a indicação da suplementação nutricional sejam feitos de forma precisa. Igualmente importante, prossegue Geânia, é empreender esforços para que a população adote hábitos alimentares mais saudáveis. Ela lembra que especialmente os adolescentes têm comportamentos bastante irregulares quanto à alimentação. Eles costumam pular refeições, trocar refeições por lanches, além de consumir muitas frituras, refrigerantes e produtos industrializados. “Essas questões precisam ser tratadas desde cedo, ainda na pré-escola. Precisamos incentivar nossas crianças a terem uma dieta equilibrada e saudável”, defende Geânia.
No entanto, apenas orientar não é suficiente. De acordo com a autora da tese, a teoria precisa vir acompanhada da prática, para que os objetivos possam ser alcançados. “Não adianta falar para a criança que ela precisa comer frutas, legumes, verduras e carnes magras, se no horário do lanche ela vai encontrar salgados e refrigerantes na cantina da sua escola”. Geânia completa a análise reforçando que a melhor alternativa para superar eventuais deficiências nutricionais da população está mesmo na mudança dos hábitos alimentares, algo que ela reconhece ser complexo e que leva tempo para ser efetivado.
A nutricionista diz que a adoção de uma dieta mais equilibrada e nutritiva pode começar a ser praticada a partir da observação da chamada pirâmide alimentar, que está dividida em três grupos básicos de alimentos: energéticos (cerais, farinhas, massas, açúcar), construtores (leite e derivados, ovos, carnes) e reguladores (legumes, frutas e verduras). “Dito de maneira simplificada, é importante que as pessoas tenham em seu prato, nas três refeições diárias principais [desjejum, almoço e jantar], pelo menos um representante de cada um desses grupos. Também vale aquela dica simples de que quanto mais colorido for o prato, mais saudável ele será”, diz Geânia.
Voltando ao tema específico da deficiência da vitamina A na população, a professora Silvia Mazon chama a atenção para um ponto relevante, ligado à absorção desse micronutriente pelo organismo. Geânia complementa informando que a vitamina A fornecida por fontes de origem animal é bem absorvida pelo organismo, a taxas que variam de 70% a 90%. Entretanto, o nível de absorção das fontes de origem vegetal é bem menor, oscilando entre 20% e 50%. “Existem nutrientes que melhoram a absorção e utilização da vitamina A no organismo, como óleos, proteínas e zinco. Por isso, não basta somente diversificar os alimentos. É preciso também saber promover o equilíbrio entre eles, de modo a aproveitar o máximo que podem proporcionar ao nosso organismo”, finaliza a autora da tese.
Publicação
Tese: “Prevalência da deficiência de Vitamina A em gestantes adolescentes e seus recém-nascidos”
Autora: Geânia de Sousa Paz Lima
Orientadora: Sílvia de Barros Mazon
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Capes