Edição nº 621

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de março de 2015 a 12 de abril de 2015 – ANO 2015 – Nº 621

Físicos produzem ‘tijolo’ de prata
e magnetita em escala nanométrica

Material desenvolvido no IFGW tem potencial para aplicações biomédicas

Imã atrai partículas nanométricas colocadas em tubo de ensaio, em laboratório do IFGWPesquisadores do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp, conseguiram um feito inédito de nanotecnologia, produzindo minúsculos “tijolos” de prata revestidos de magnetita, um óxido de ferro notável por suas propriedades magnéticas. Antes do processo desenvolvido na Universidade, tentativas de unir prata e magnetita em escala nanométrica haviam produzido apenas dímeros – partículas formadas pela justaposição dos dois metais, unidos por uma superfície de contato – e estruturas chamadas pelos pesquisadores de “flower” (“flor”, em inglês) com um miolo de prata cercado por “pétalas” de óxido de ferro. Vídeo

A configuração produzida na Unicamp tem um bom potencial para aplicações biomédicas, além de suscitar diversas questões de ciência fundamental que precisam ser melhor investigadas, disse o pesquisador Kleber Roberto Pirota, um dos autores do artigo que descreve a inovação, publicado no periódico Scientific Reports, do grupo Nature.

“Um caroço de prata revestido com óxido de ferro, e não somente eles grudados por uma superfície comum, tem várias vantagens”, explicou Pirota.  “Uma delas é que a prata não é um material biocompatível, então ela estar revestida de óxido de ferro deve facilitar a utilização em aplicações biomédicas”.

O artigo publicado na Scientific Reports sugere uma possível aplicação em terapias baseadas em hipertermia, onde campos magnéticos seriam usados para guiar as partículas até o local de um tumor, por exemplo, e depois para aquecê-las, de modo a destruir as células malignas. As partículas produzidas pelo grupo de Pirota têm um núcleo de prata de apenas 4 nanômetros, ou bilionésimos de metro – são menores que vírus.

Uma nota publicada em 2013 pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos mencionava a hipertermia magnética como uma abordagem promissora para o tratamento de tumores de próstata e do cérebro, e mais recentemente pesquisadores americanos publicaram um artigo no periódico Nanomedicine descrevendo experimentos sobre o efeito da hipertermia no tratamento de tumores em camundongos, com resultados positivos.

 

Propriedades

O efeito de hipertermia, no entanto, pode ser obtido apenas com o óxido de ferro, já que a prata não é um metal magnético. Mas a combinação dos dois metais oferece vantagens, disse o pesquisador argentino Diego Muraca, que participa dos estudos sobre nanotecnologia da Unicamp.

“A gente procura criar materiais que sejam bifuncionais”, explicou ele. “Não só para a aplicação médica de hipertermia, mas também para aplicação como marcadores ópticos: a prata tem propriedades ópticas que permitem localizá-la dentro do organismo”. Conjugando os dois metais numa estrutura tipo “core-shell”, ou “núcleo-casca”, então, deve ser possível não só combinar a sensibilidade magnética da magnetita à visibilidade da prata, como ainda isolar o organismo dos efeitos negativos que a prata “nua” poderia vir a ter.

“Então, isso também pode ser útil para o transporte de fármacos”, disse. “Se uma pessoa tem uma infecção aguda localizada, vamos supor, administra-se o fármaco no organismo e o fármaco começa a circular pelo sangue, o antibiótico, o anti-inflamatório, até chegar à área afetada. Agora, se você coloca esse fármaco numa partícula magnética, e você coloca um ímã para puxar isso para a área afetada, a concentração de fármaco no lugar que você quer tratar vai ser muito mais eficiente. E se, além disso, você colocar uma partícula de prata tornada biocompatível, você pode ver para onde estão indo essas partículas”.

A prata também tem propriedades bactericidas, e há estudos em andamento para o uso de nanopartículas do metal na purificação da água. O combate à poluição representaria mais um caso, dizem os pesquisadores, em que o uso de nanopartículas magnéticas pode fazer diferença. “Há grupos de pesquisa que pegam a partícula de magnetita e fazem o que chamam de funcionalização na superfície, para que ali grude o que você quiser. Então, se você tem água poluída, poderíamos funcionalizar as partículas especificamente para retirar essa poluição da água, depois, usando um ímã, separando-a magneticamente”, disse Muraca.

Kleber Roberto Pirota, Maria Eugênia Brollo e Diego Muraca: artigo publicdo no periódico "Scientific Reports"

Fabricação

O método de fabricação que deu origem aos nanotijolos de prata revestida também é inovador, pois envolve uma só etapa, e não duas, como o processo usual que produz os dímeros. “Ele é mais rápido. O outro processo levava dois dias para ser concluído, e este leva um dia só”, disse Maria Eugênia Brollo, que também é coautora do artigo.

“Tem um detalhe importante, até agora ninguém tinha conseguido fazer estruturas assim. Era muito comum o pessoal conseguir essa estrutura tipo dímero, e era um desafio científico obter uma estrutura tipo core-shell”, complementou Muraca. “Muitos outros grupos de pesquisa consideravam impossível”.

As partículas de prata que entram na formação das estruturas núcleo-casca também são menores que as dos dímeros, que podem chegar a 10 nanômetros. “Aparentemente, o tamanho da prata é determinante para se obter o core-shell”, disse o pesquisador argentino.

“A eficiência é um fator importante, mas esse tipo de síntese em uma etapa também possibilitou a própria fabricação: com o outro método que vinha sendo feito, não saía esse tipo de material com núcleo e casca”, disse Pirota.

 

Questões básicas

O grupo do IFGW está articulando parecerias para investigar mais a fundo o potencial biomédico dessas nanopartículas, mas Pirota lembra que os focos no Instituto de Física estão no controle cada vez mais refinado do processo de fabricação e, também, na busca de soluções para questões de ciência fundamental que essas partículas trazem. “Queremos conseguir fazer o material de modo reprodutível, e como a gente desejar”, disse. “Por exemplo, talvez queiramos aumentar a partícula de prata, ou diminuir seu tamanho de forma controlada, ou criar um outro tipo de estrutura, esférica ou cúbica”.

O pesquisador lembra também que, embora a prata não seja um metal magnético, na configuração em que se vê envolvida pela magnetita ela acaba influenciando as propriedades magnéticas do conjunto. “O contato da prata com esse material magnético pode alterar as propriedades magnéticas. Então, isso tem um interesse do ponto de vista fundamental, porque a presença dela influencia no magnetismo”.

Ainda há várias questões do ponto de vista fundamental a responder, acrescentou ele. “Existem algumas propriedades que aparecem nessa integração da prata com a magnetita e ainda não estão completamente esclarecidas, então a gente tem bastante caminho pela frente antes de entender bem esses materiais”.

 

Robôs

Para a maioria das pessoas, falar em nanotecnologia ainda evoca a imagem de robôs minúsculos, capazes de realizar tarefas em nível molecular. Em uma palestra proferida em 1959, intitulada “Há muito espaço lá embaixo” e que geralmente é considerada um dos marcos fundadores da nanotecnologia, o físico americano Richard Feynman (1918-1988) fala em máquinas capazes de manipular átomos individuais e levanta a possibilidade de “engolir cirurgião”: “Você põe o cirurgião mecânico dentro de um vaso sanguíneo e ele vai até o coração (...) descobre qual a válvula defeituosa, pega uma faca pequenina e corta-a fora”. No entanto, a maior parte da pesquisa publicada na área, hoje em dia, trata de novos materiais microscópicos, não de novas máquinas minúsculas.

“A gente ainda quer chegar ao motorzinho”, disse Pirota, a respeito dessa mudança de rumo do campo, nas últimas décadas. “Mas aí você percebe o seguinte: para chegar ao robozinho, você vai usar materiais pequenininhos, e esses materiais pequenininhos não funcionam como o material grande. Então, você tem que mudar o paradigma do que é um robozinho nano”.

Na escala nanométrica, explicou ele, várias propriedades dos materiais, incluindo propriedades mecânicas e elétricas, mudam drasticamente. “Eu digo para os meus alunos que esse é o maior interesse de se estudar nanociência ou nanotecnologia: quando você vai reduzindo o tamanho das coisas, não há apenas efeito somente de escala. Não é só miniaturizar e fazer um nano-robô. Isso já seria muito interessante, mas acontece que as propriedades do seu nano-robô vão ser completamente diferentes de um robô grande”.

“As propriedades do material na escala nano podem não ter nada a ver com as propriedades do mesmo material em escala volumétrica”, disse Muraca.

“O objetivo final ainda pode ser o nano-robô”, completou Pirota. “Mas no caminho até ele as possibilidades que se abriram foram tantas, mas tantas, do ponto de vista da ciência fundamental, que ainda dá muito pano pra manga entender os materiais e sintetizar novos materiais nessa escala. Então, acho que não foi o foco da nanotecnologia que mudou: é que surgiram coisas que ninguém esperava, apareceram muitas surpresas no caminho”.