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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 25 de maio de 2015 a 07 de junho de 2015 – ANO 2015 – Nº 626Para que a memória não se perca
Pesquisador desenvolve proposta de modelo conceitual para a preservação de documentos digitaisA gestão e a preservação inadequada dos documentos arquivísticos digitais - em geral sob responsabilidade dos administradores e profissionais das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) sem a participação dos profissionais de arquivo - colocam em risco esses documentos e, consequentemente, a memória social de parte da história da humanidade. Partindo desse pressuposto, o pesquisador Humberto Celeste Innarelli desenvolveu tese em que propõe um modelo conceitual de gestão da preservação desses documentos, aplicável a qualquer instituição, independentemente do seu porte e do volume de recursos disponíveis.
Embora a tese tenha sido apresentada na USP, junto ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Escola de Comunicações e Artes (ECA), e orientada pela professora Johanna Wilhelmina Smit, parte do tema desenvolvido baseou-se em um projeto estrangeiro – que aborda a preservação digital em seus mais variados aspectos – chamado InterPares, do qual a Unicamp participou ativamente sob a coordenação do Arquivo Nacional (AN) e do Sistema de Arquivos da Unicamp (Siarq).
O trabalho busca analisar a problemática da preservação de documentos arquivísticos digitais, face às teorias e práticas correlatas e às TICs, para identificar as variáveis que impactam diretamente as políticas de preservação desses documentos. Pretende ainda apoiar as bases conceituais da preservação digital no Brasil e instrumentalizar as instituições com vistas à implementação da preservação digital de seus documentos arquivísticos.
Entende-se por documento arquivístico toda a informação registrada, independentemente da forma ou do suporte, produzida ou recebida no decorrer da atividade de uma pessoa ou instituição e que possui conteúdo, contexto e estrutura suficientes para servir de testemunho dessa atividade. O documento arquivístico digital tem, por sua vez, como base o hardware, o software e o suporte, mídia digital onde a informação está registrada na forma de dígitos binários.
Innarelli é diretor técnico do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL-IFCH-Unicamp), que é um Centro de Pesquisa e Documentação Social que, desde 1974, atende à demanda acadêmica e preserva registros históricos na Universidade. Esse órgão, que pertencente ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, preserva documentos históricos - nos mais variados suportes e formatos - como livros, folhetos, manuscritos, revistas, jornais, registros fotográficos, postais, cartazes, áudios, vídeos, etc.. O pesquisador também é professor do curso de Segurança da Informação na Faculdade de Tecnologia de Americana, do Centro Paula Souza (Fatec-AM/CEETEPS).
Constituíram embrião da tese dois livros e diversos artigos publicados pelo pesquisador. O primeiro livro, “Arquivística: temas contemporâneos”, foi produzido em coautoria com Vanderlei Batista dos Santos e Renato Tarciso Barbosa de Souza. A obra, lançada em 2007 pela Editora Senac e em vias da quarta edição, pretende, através de uma linguagem acessível, suscitar reflexões e debates entre os profissionais das áreas de documentação, da informação e do conhecimento. Nela são abordados três temas específicos cabendo a Innarelli o capítulo que trata da “Preservação digital e seus fundamentos”, em que ele alinhava o que considera os dez mandamentos que devem orientar a elaboração de uma política de preservação digital. O segundo livro, publicado, em 2012, pela Associação de Arquivistas de São Paulo e por ela comercializado, tem caráter mais técnico e se assenta em textos elaborados em 2005/2006 voltados para as práticas arquivísticas. Nele é abordada a forma de preservar documentos digitais, são apresentadas as variáveis que os afetam e mostradas as formas de preservá-los.
O percurso profissional de Humberto Innarelli revela empenho e dedicação. Aos 17 anos ele chegou ao Centro para Manutenção de Equipamentos (Cemeq-Unicamp) como estagiário e lá permaneceu como técnico. Concluído o curso em tecnologia em processamento de dados ingressou no Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp (AC/Siarq), em 1999, quando começou a atuar na área de documentação de arquivos propriamente ditos como analista de sistemas. Em 2009 foi para o AEL onde atuou como profissional de tecnologia de informação e comunicação. Logo em seguida assumiu a seção de processos técnicos e atendimento de onde foi guindado a diretor técnico. Durante esse tempo fez mestrado, com foco na preservação digital, na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, concluído em 2006, estudando a confiabilidade das mídias de CDs e DVDs.
MOTIVAÇÕES E OBJETIVOS
O pesquisador conta que no Siarq foi levado a perceber que o Sistema de Arquivos da Unicamp, além da documentação em papel, lidava também com documentos digitalizados e digitais, o que o fez pensar na gestão e preservação desses documentos. A propósito lembra: “Foi quando comecei a entender a problemática da documentação digital. Nessa época, no Rio de Janeiro, a Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do Conselho Nacional de Arquivos, vinculado ao Arquivo Nacional, passava por uma reformulação e realizava uma série de eventos ligados à documentação digital no Brasil. Comecei a participar desses eventos e me interessei particularmente pela preservação digital, mesmo porque, um dos grandes desafios apresentados era a preservação desses documentos ao longo do tempo. A partir daí me envolvi nesse trabalho no Siarq, o que me motivou ao mestrado”.
Ele considera fundamental em seu percurso a experiência prática, adquirida desde 1999, e os estudos realizados, amadurecimento que o levou aos livros publicados, aos artigos e à tese. Ao fundamentar a parte teórica deste estudo, envolvendo a problemática, a arquivística e a gestão da preservação de documentos arquivísticos digitais, o autor considera os problemas suscitados pela tecnologia referentes à documentação arquivística digital, abordando, principalmente, a obsolescência tecnológica, a fragilidade das mídias digitais, o lixo digital. Atém-se, também, na análise da organização dessa documentação nas instituições, no papel dos técnicos em TICs e dos arquivistas e discute a necessidade de políticas de preservação digital dentro das instituições. No estudo ele se apoiou no projeto InterPares - Pesquisa Internacional sobre Documentos Arquivísticos Autênticos Permanentes em Sistemas Eletrônicos, desenvolvido na Universidade de British Columbia, do Canadá, considerado um dos principais projetos internacionais relativos à preservação digital. Utilizou-o para fundamentar e comparar o desenvolvimento e a análise do modelo conceitual que propõe.
Para o pesquisador, esses tipos de projetos são muito complexos, extensos e de difícil assimilação, o que os torna de uso inviável por parte das pessoas restritas a determinadas áreas ou mesmo a pequenos grupos, pois exigem estruturas e equipes muito grandes. Esta constatação o levou à criação de um modelo que um grupo de pessoas, não tão especialistas, consiga desenvolver nas instituições com vistas à implementação de uma política de preservação digital que ele denomina de gestão da preservação.
Uma das principais motivações do estudo está relacionada a baixa produção, em língua portuguesa, de publicações que abordem a preservação da documentação digital. Para o autor, “o trabalho permite que os interessados possam a partir dele desenvolver políticas de preservação de documentos digitais. Uma de suas principais vantagens é a de poder atender às necessidades de instituições pequenas ou grandes, mesmo que disponham de poucos recursos. Ele abarca ainda questões pertinentes aos vários segmentos envolvidos nesses processos como profissionais de arquivo, profissionais da TICs, gestores e de todos que no dia-a-dia trabalham com a produção e uso de documentação”.
DESTAQUES
O trabalho se preocupa em entender as problemáticas da preservação dos documentos digitais que ao longo do tempo estão sendo perdidos por falta de uma política nas instituições que garanta sua preservação ao longo do tempo. A ausência dessas políticas e o fato desses documentos ficarem sob a responsabilidade de profissionais de TICs e dos próprios administradores e não dos arquivistas colocam em risco esse tipo de documentação. O que se defende hoje, diz o pesquisador, “é que os profissionais da área de arquivologia em conjunto com os administradores, gestores e com os profissionais de TICs aprendam a fazer e a criarem políticas de preservação digital para que os documentos não se percam e mantenham seu contexto e significado”.
Mas como a tecnologia se torna obsoleta rapidamente, a grande questão é a atualização tecnológica desses documentos para que eles não sejam colocados em situação de risco. O modelo conceitual desenvolvido na tese tem como foco exatamente isso: como lidar com o avanço tecnológico e com obsolescência tecnologia para manter esses documentos atualizados? Como migrar esses documentos de uma tecnologia para outra, quando necessário, de forma que esses documentos não se percam ao longo do tempo? O cerne do estudo é exatamente este: a proposta de um modelo conceitual que visa preservar os documentos digitais desde sua produção pelo tempo necessário, de forma organizada, de maneira a garantir sua migração de uma tecnologia para outra.
Para Innarelli, constitui um diferencial do modelo conceitual apresentado a proposta de que o documento arquivístico deve ser preservado desde a produção e durante todo o seu ciclo de vida. “A decisão sobre a sua preservação não pode ser decidida a posteriori, o que leva ao risco de perda de muitos deles. Por isso, é fundamental que a instituição estabeleça uma política de preservação que garanta esse processo”, afirma.
Em decorrência de todos esses fatores, o modelo criado fundamenta-se em migrações de uma tecnologia para outra, prevendo como levar o documento arquivístico digital sem perdas ao longo do tempo, e independentemente de quanto longo seja ele.
Publicação
Tese: “Gestão da preservação de documentos arquivísticos digitais: proposta de um modelo conceitual”
Autor: Humberto Celeste Innarelli
Orientadora: Johanna Wilhelmina Smit
Unidade: Escola de Comunicações e Artes (ECA), USP