Edição nº 629

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 22 de junho de 2015 a 28 de junho de 2015 – ANO 2015 – Nº 629

A literatura de autoajuda e as estratégias da ‘fisgada’

Livro derivado de tese desenvolvida na FE analisa obras sobre casamento, namoro e relações amorosas

imagem de um manequim que ilustra a capa do livroSiga os três mandamentos listados a seguir para se casar com o homem ou a mulher dos seus sonhos: 1º) transforme-se no melhor que puder!; 2º) deixe-o assumir o comando, se for mulher; se for homem, assuma o comando você!; e 3º) siga as regras e, casando com seu amor, viverá feliz para sempre!

Estes três exemplos fictícios, embora verossímeis, perpassam os livros de autoajuda sobre casamento, namoro e relações amorosas: a individualidade enquanto estratégia de conquista, a conjugalidade como norma, e as distinções de gênero. Algumas dessas obras constituíram o objeto de estudo da psicoterapeuta e pesquisadora da Unicamp Vera Lucia Pereira Alves, que acaba de lançar o livro Receitas para a conjugalidade: uma análise da literatura de autoajuda (Editora Anna blume, 270 páginas).

O livro de Vera Alves é resultado de sua pesquisa de doutorado defendida em 2005 junto à Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. A pesquisa foi orientada pela professora Isaura Rocha Figueiredo Guimaraes, da FE, e coorientada pela docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Adriana Gracia Piscitelli, que atua como pesquisadora do Núcleo de Estudos do Gênero Pagu. O estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e a edição da obra, custeada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Conforme Vera Alves, o leitor que busca neste tipo de literatura receitas para encontrar um parceiro, depara-se, antes de mais nada, com a orientação para que realmente se case, pois o casamento é prescrito como benéfico e salutar ao desenvolvimento emocional. Estar solteiro, ao contrário, não apresenta, de acordo com os livros de autoajuda analisados, os mesmos benefícios da conjugalidade.

“Os autores que estudei estabelecem a conjugalidade como norma de ordem do emocional. É como se a pessoa que ainda não encontrou um parceiro errasse em algum momento, portanto, ‘vamos apagar tudo que sabe e vamos aprender algo novo para você ser feliz’. O casamento não é a única forma de se manter ativo e viver em uma sociedade sendo feliz. Esta preconização fica aquém daquilo que temos vivido atualmente. Muitas pessoas na nossa sociedade que não estão casadas por opção e, nem por isso, vivem infelizes”, observa a autora.

Ela explica que, embora a conjugalidade seja a meta, a individualização é o caminho. De acordo com ela, as prescrições para o leitor são no sentido de que conquistar um parceiro não depende daquele que se quer conquistar ou do que se faz para isso, mas somente da capacidade daquele que tem essa intenção.

“No geral, em nenhum momento os autores destes livros apontam para que o leitor esteja em relação. É sempre no sentido de que a pessoa precisa se aprimorar individualmente. Por exemplo: uma frase muito comum na nossa cultura é a de que se você não se ama, você não será capaz de amar o outro. É um pouco em cima deste clichê”, compara.

“Observa-se nesta literatura uma primazia do individual. E isso corrobora toda a sociedade mais individualista e impede ou dificulta uma vida em relação. Eles falam muito que a pessoa só pode se relacionar quando estiver bem, feliz. Mas nos tornamos seres melhores em relação. Não se pode ter este ponto de vista linear porque estas coisas são interligadas. E o que eles fazem é uma prescrição muito linear”, critica Vera Alves.

Sobre as marcas de gênero a autora afirma que a literatura de autoajuda não apenas reifica distinções, como prescreve sobre aquelas mais marcadas e operantes. Em sua opinião, as obras analisadas representam e estimulam as desigualdades entre homens e mulheres.

“São livros muito focados no comportamento da mulher. Em muitos, há orientação para que a mulher tenha um determinado comportamento sexual, por exemplo. Ela não pode ser inexperiente sexualmente, mas, ao mesmo tempo, é ‘desejável’ que não tenha transado com muitos homens. Os autores pregam, por exemplo, que o marido deve ser o provedor da casa, quando hoje existe uma igualdade de condições.”

LIVROS ANALISADOS

A estudiosa da Unicamp analisou 12 livros escritos por autores brasileiros e estrangeiros, empregando a Análise de Conteúdo (AC) como principal recurso metodológico. Ela dividiu a bibliografia estudada em obras, direcionadas às mulheres, que ensinam a conquistar um parceiro; livros com a mesma temática, direcionados a homens; obras que não fazem distinção entre sexo, e autores que não diferenciam as fases da relação.

Entre as obras dirigidas às mulheres estão: Como conquistar um marido negro (Monique Jellerette de Jongh e Cassandra Marshall, Editora Summus); Como fisgar um solteiro (Ana Luisa Carvalho, Editora Gente); Como casar com o homem dos seus sonhos (Margaret Kent, Editora Rocco); Os homens são de morte e as mulheres não ficam por menos: Tudo que nós homens achamos que uma mulher deveria discutir com seu homem (Eduardo Nunes, Editora Novo Século). 

Por ser um segmento pouco explorado por este tipo de literatura, Vera Alves analisou apenas um livro direcionado aos homens: Como conseguir uma namorada e envolver pessoas (Luiz Moreira e Marcelo Queiroz, Editora Madras). Entre os que não diferenciam sexo, estão: Guia prático da conquista (Sérgio Savian, Editora Gente); Amar é preciso: os caminhos para uma vida a dois (Maria Helena Matarazzo, Editora Gente); O novo casal: as dez novas leis do amor (Maurice Taylor, Seana McGee, Editora Campus); Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? Uma visão científica (e bem humorada) de nossas diferenças (Allan e Barbara Pease, Editora Sextante).

Já aqueles que não diferem as fases da relação são: Mistérios do Coração (Roberto Shinyashiki, Gente) e Tudo o que você sabe sobre amor e sexo está errado. Um guia descomplicado para você alcançar a felicidade e realização na sua vida íntima (Pepper Schwartz, Editora Ediouro).

OBRIGAÇÃO

Sobre a escolha deste tema para a pesquisa e, consequentemente, das obras analisadas, Vera Alves lembrou que muitos pacientes atendidos por ela questionavam sobre o sentimento de amor em relação ao parceiro. Confrontavam, por exemplo, essa dúvida sobre o amor ao parceiro com as novelas, filmes e romances de literatura.

A psicoterapeuta Vera Lucia Pereira Alves, autora do livro: “Os livros deixam o amor na condição do obrigatório”“Perguntavam-me: ‘você acha que isso é amor?’ A partir dessa vivência profissional houve o interesse em fazer um estudo sobre essa cultura amorosa. E na minha análise, resgatando um pouco isso, eu identifico que, para a literatura de autoajuda, as relações conjugais são quase sinônimos de amor. E, ao colocar esta perspectiva, estes livros deixam o amor na condição do obrigatório”, aponta.

A obra é prefaciada pela professora Mariza Correa, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). A docente, também pesquisadora do PAGU, escreve que, ao contrastar, por exemplo, a pedagogia explicitada nos livros de autoajuda com a prática psicoterapeuta, Vera Alves “mostra como uma conduz os indivíduos a encontrarem por si mesmo seus caminhos, ao passo que na literatura aqui analisada, a ênfase é num procedimento prescritivo, isto é, sobre o que deve ou não fazer para se atingir a meta analisada.”

No capítulo final do livro, a autora de Receitas para a conjugalidade pondera que o objetivo do estudo não foi apontar uma resposta sobre a suposta eficácia de tal literatura. “Como uma pessoa pode aprender a conquistar um parceiro, a tornar-se ela própria um bom cônjuge e assim fazer de sua conjugalidade uma relação duradoura? As respostas que a literatura de autoajuda oferece podem ser encontradas, esmiuçadas nas obras analisadas neste estudo. Se serão eficazes, se funcionarão, isto já é outra questão. Mas, se a pergunta final é qual o significado dos conselhos oferecidos, considero que este estudo pode iluminar algumas respostas (...)”, antecipa.

Vera Alves desenvolve, atualmente, pós-doutorado junto ao Laboratório de Pesquisa Clínico-Qualitativa do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.  Em seu estudo ela está analisando como pacientes portadoras de câncer de mama vivenciam a reconstrução mamária imediata.

 

Publicações


D ALVES, V. L. P. . Configurações de Gênero e Sexualidade na Literatura de Auto-ajuda. Omertaa (Kessel-Lo), v. 2007/2, p. 01-15, 2007.


Tese: “Receitas para a conjugalidade: uma análise da literatura de autoajuda”

Autora: Vera Lucia Pereira Alves

Orientadora: Isaura Rocha Figueiredo Guimarães

Coorientadora: Adriana Gracia Piscitelli

Unidade: Faculdade de Educação (FE)

Financiamento: Capes e Fapesp

 

capa do livro "receitas para a conjugalidade"

 

 Serviço

Título: Receitas para a conjugalidade: uma análise da literatura de autoajuda

Editora: Annablume

Páginas: 270