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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 24 de agosto de 2015 a 30 de agosto de 2015 – ANO 2015 – Nº 634Metais contaminam canteiros de 3 rodovias, revela pesquisa
Dom Pedro I, Anhanguera e Bandeirantes têm concentrações acima do que estabelece a legislaçãoTrês das principais rodovias do Estado de São Paulo que dão acesso a Campinas têm o solo contaminado por elementos potencialmente tóxicos, apontou pesquisa inédita desenvolvida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Em algumas amostras, elementos como o cromo (Cr) e o chumbo (Pb), definidos como metais pesados, estão presentes em elevadas concentrações nos canteiros centrais das rodovias Anhanguera (SP 330), Bandeirantes (SP 348) e Dom Pedro I (SP-65).
O estudo também identificou a presença de elementos como vanádio (V), níquel (Ni), cobre (Cu), zinco (Zn) e arsênio (As), em concentrações menores, que não indicam propriamente uma contaminação, mas servem como alerta. Neste caso, também foram detectadas concentrações na rodovia Professor Zeferino Vaz (SP-332), que liga Campinas a Cosmópolis, passando por Paulínia.
Para o autor da pesquisa, o tecnólogo em saneamento ambiental Felippe Benavente Canteras, os resultados do estudo são preocupantes do ponto de vista ambiental, com riscos potenciais à saúde da população, à fauna e flora. Ele esclarece que os elementos presentes nestas rodovias podem ser dispersos pela ação da chuva e do vento, atingindo o lençol freático e plantações próximas às margens das rodovias. Felippe Canteras alerta também que trabalhadores das rodovias e mesmo os motoristas que trafegam por elas podem sofrer com a presença destes metais.
“As partículas presentes nos solos destas rodovias não são inertes. É engano considerar que não apresentam riscos à população, à fauna e flora. Estes elementos tóxicos, presentes na forma de material particulado, são suspensos pela ação vento, carregados por distâncias muito longas ou podem até mesmo alcançar o trato respiratório da população que passa por ali. E, com a chuva, isso pode contaminar o lençol freático também.”
O tecnólogo ambiental formado pela Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp atenta para o fato de alguns destes elementos identificados em seu estudo serem cumulativos. Por isso, ele afirma que sua pesquisa fornece dados importantes para a tomada de decisão dos órgãos de fiscalização no sentido de identificarem as fontes poluidoras e estabelecerem intervenções de modo a não haver aumento nas concentrações dos metais pesados.
“De modo geral, os resultados servem como alerta, na medida em que a ação do homem, possivelmente, a poluição de automóveis e de indústrias do entorno interferem naquele ambiente. Portanto, um trabalho que deveria ser feito pelos órgãos competentes, a partir dos apontamentos da pesquisa, é a identificação das fontes dessa poluição. É fato que existe uma poluição atingindo o solo e os próprios elementos em maior concentração revelam isso”, sugere o pesquisador.
As presenças do zinco e chumbo no solo denunciam um tipo de contaminação característica do tráfego de veículos, revela. “O zinco está muito ligado à queima do etanol. É um elemento presente nos tanques de armazenamento. A questão do controle veicular se limita muito aos gases, mas o carro não emite só aquilo que é volátil e vai para a atmosfera. Obviamente há o desgaste de peças. Outro caso é o do chumbo, que deixou de ser usado como aditivo de gasolina, mas ainda está presente no diesel assim como o enxofre. Temos também o enxofre, presente no diesel brasileiro. Portanto, outros estudos devem ser feitos a fim de precisar com detalhes os indicativos do meu trabalho”, salienta.
Felippe Canteras informa que a concentração dos elementos foi comparada com a legislação sobre qualidade dos solos estabelecida pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) do Estado de São Paulo. De acordo com ele, a legislação estabelece três faixas de valores máximos orientadores da qualidade do solo: valores de referência de qualidade; valores de prevenção; e valores de intervenção, que já apontam uma contaminação.
Com base na legislação da Cetesb, os resultados dão conta que as concentrações de cromo na rodovia Anhanguera ultrapassaram os valores de intervenção. Na Rodovia dos Bandeirantes e na Dom Pedro I as concentrações de cromo também excederam o valor de intervenção. Quanto ao chumbo, na rodovia Dom Pedro I foram observados valores acima dos de intervenção. Além disso, apenas o vanádio, na Rodovia dos Bandeirantes, não apresentou concentrações acima do valor de qualidade. Todos os outros elementos tiveram, ao menos, uma amostra com resultados acima dos valores de referência de qualidade.
“Fizemos cinco coletas entre os anos de 2012 e 2013. Em cada local foram realizadas vinte perfurações para que aquela amostragem garantisse uma representatividade. O objetivo destas amostras foi avaliar o perfil superior do solo, a sua primeira camada. Nestas determinações conseguimos detectar os principais elementos de composição do solo e alguns elementos de interesse ambiental, característicos de contaminação. Separamos os elementos de interesse ambiental e fizemos uma avaliação mais aprofundada”, relata o pesquisador.
Os elementos potencialmente tóxicos foram identificados por meio de duas técnicas de Fluorescência de Raios X, que se complementaram no estudo: Dispersão de Energia (ED-XRF) e Reflexão Total com Excitação por Radiação Síncrotron (SR-TXRF). A pesquisa, apresentada como tese de doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da FEC, foi orientada pela professora Silvana Moreira, que atua no Departamento de Saneamento e Ambiente da Unidade.
Silvana Moreira coordena há mais de 10 anos projetos de pesquisas sobre o tema. Ela explica que a transferência de poluentes atmosféricos para o solo, principalmente material particulado, ocorre por meio de deposição seca e úmida. “A deposição seca ocorre quando os poluentes se sedimentam no solo. Dessa forma, o vento e os processos de difusão gasosa são os responsáveis pelo transporte desse material para a superfície terrestre. A deposição úmida, por sua vez, ocorre na presença de chuva, que arrasta esse material para o solo.”
TÉCNICAS
Para fazer a identificação por meio das técnicas de Fluorescência de Raios X, o pesquisador da Unicamp contou com a colaboração do professor José Laércio Favarin, do Departamento de Produção Vegetal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP); e do físico Carlos Alberto Pérez, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), vinculado ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Na Esalq, foram viabilizadas as medidas por Dispersão de Energia; e no Laboratório Síncrotron, as medidas de Reflexão Total com excitação por Radiação Síncrotron.
A orientadora Silvana Moreira destaca, dentre as duas técnicas, que o uso da radiação Síncrotron permite a detecção de vários elementos em uma única medida. Outra vantagem é que se pode obter uma sensibilidade analítica alta, permitindo quantificar elementos em níveis bastante reduzidos. Já a técnica por Dispersão de Energia, mais convencional, apresenta limite de detecção de elementos, mas, por outro lado, possui simplicidade operacional, exigindo preparação prévia mínima para as amostras.
A Fluorescência de Raios X (FRX) é baseada na irradiação de uma amostra por um feixe primário de raios X. Os átomos da amostra, excitados por esse feixe primário, emitem raios X secundários, que podem ser detectados e gravados como espectros. Este tipo de metodologia destaca-se pelo fato de ser multielementar e não destrutiva. Há ainda a possibilidade de aplicação em diversos tipos de amostras, como sólidas, líquidas e pós. O estudo contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Publicação
Tese: “Determinação de elementos potencialmente tóxicos em solos superficiais localizados nos canteiros centrais das principais rodovias de acesso da cidade de Campinas (SP), empregando Fluorescência de Raios X: Dispersão por Energia e Reflexão Total”
Autor: Felippe Benavente Canteras
Orientadora: Silvana Moreira
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
Financiamento: Capes e CNPq