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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 07 de setembro de 2015 a 13 de setembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 636Sob a tutela do Estado
Segundo estudo do IE, desenvolvimento da China éimpulsionado pelos investimentos público e privado no âmbito interno
Ao contrário do que sustentam alguns analistas, a economia da China não é puxada pelas exportações. Embora esse setor tenha relevância dentro do processo de desenvolvimento do país, a locomotiva da economia chinesa é impulsionada pelo investimento público e privado, coordenado direta ou indiretamente pelo Estado. A conclusão é da tese de doutorado do economista Alberto Teixeira Protti, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Fernando Sarti.
De acordo com Protti, o interesse por pesquisar a economia da China surgiu ao final do seu mestrado, também desenvolvido no IE-Unicamp. “O interesse pode ser explicado por dois fatores. Primeiro, pelo fato de a China ter se transformado na segunda maior potência econômica do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo, pela grande influência que o país exerce sobre o crescimento econômico mundial, uma vez que ele é um grande importador de matéria-prima, energia e insumos de alta complexidade tecnológica. É possível que estejamos diante de uma nação que terá a mesma importância que a Inglaterra teve no século 19 e que os Estados Unidos tiveram no século 20”, justifica.
Durante o estudo, o autor do trabalho diz ter constatado que, ainda que parte da literatura especializada confira às exportações o papel de carro-chefe da economia da China, a venda de produtos chineses no mercado internacional não é o principal alavancador do desenvolvimento do país. “De acordo com os dados que obtivemos, as contribuições ajustadas das exportações para o crescimento do PIB entre 1997 e 2013 variaram de aproximadamente 23% a 31%. Ou seja, embora sejam importantes, as exportações não podem ser consideradas o motor da economia do país, uma vez que a demanda doméstica contribui com mais de 70% do crescimento econômico chinês”, sustenta.
O autor da tese observa que apesar de o mercado doméstico chinês ser expressivo, dado o tamanho da população [1,3 bilhão de pessoas], este segmento também não é o que imprime vigor à economia do país. O padrão de consumo das famílias chinesas, diz, é historicamente baixo. “São os investimentos públicos e privados, coordenados direta ou indiretamente pelo Estado, que cumprem esse papel. O regime chinês atua fortemente na economia, concedendo todos os tipos de subsídios, notadamente para o setor industrial. Aliás, se olharmos em retrospectiva, vamos perceber uma obsessão do governo em dotar a China de uma estrutura industrial integrada e independente do resto do mundo”, contextualiza Protti.
No decorrer da história recente, continua o economista, a China tem feito opções de investimentos em setores considerados estratégicos pelo país. Nos anos 1970 e 1980, por exemplo, a escolha recaiu sobre a indústria do aço. Atualmente, o foco são as indústrias das áreas de telecomunicação, alta tecnologia e automobilística, entre outras. “Estas recebem um sem número de estímulos e subsídios, como forma de manter a economia fortalecida”, reforça o pesquisador.
Dentro desse contexto, segundo Protti, o setor exportador tem a missão de impedir o surgimento de restrições no balanço de pagamentos, o que poderia representar um entrave ao processo de desenvolvimento. O economista explica melhor esse aspecto. De acordo com ele, como qualquer outro país em processo de desenvolvimento, a China precisa importar uma grande quantidade de insumos, máquinas e equipamentos para garantir a atividade do setor industrial. Além disso, à medida que o nível de renda de parte da população cresce, aumenta também o volume de importações de bens de consumo. “Assim, o país precisa manter as exportações num patamar elevado, com o intuito de evitar que uma eventual restrição no balanço de pagamentos comprometa o processo de desenvolvimento”, pormenoriza.
Essa política de investimentos do Estado, observa o autor da tese, remonta aos anos 1950, formulada na esteira da Revolução Comunista, liderada por Mao Tsé Tung. “Em 1954, o primeiro Plano Quinquenal do Partido Comunista Chinês previa que o país se tornaria a principal potência econômica mundial nos anos 2000. A previsão chegou perto da realidade. Diferentemente do Brasil, que registra períodos e idas e vindas, a China manteve uma política de desenvolvimento praticamente inalterada ao longo dos últimos 60 anos. Nesse aspecto, não há dúvida de que se trata de um caso de incontestável sucesso”, analisa Protti.
O economista reconhece, no entanto, que o país enfrenta sérios problemas a despeito do seu destacado desempenho econômico. A desigualdade social vem se aprofundando ao longo das últimas décadas. Atualmente, existe um fosso que separa, por exemplo, os trabalhadores urbanos daqueles que atuam no campo. Ademais, é muito provável que a China tenha que rever nos próximos anos a política do filho único. Existem prognósticos que apontam que, por causa do progressivo envelhecimento da sociedade chinesa, daqui a 20 anos a população economicamente ativa do país sofrerá uma importante redução.
GIGANTISMO
Mas o que explica, afinal, o fato de parte dos analistas considerar as exportações como a principal causa do desenvolvimento da China? Protti tem uma hipótese. De acordo com ele, como o país apresenta uma economia muito complexa, os pesquisadores normalmente concentram sua análise em apenas um dos elementos que concorrem para o desenvolvimento da nação. “Quando você confere ênfase a um componente, fica a impressão de que ele é o mais relevante, em virtude da robustez da economia chinesa. De fato, a primeira vista, é difícil acreditar que um país que detém quase 12% do mercado mundial de produtos manufaturados não tenha nas exportações o seu principal motor de desenvolvimento”.
Paralelamente à forte atuação do Estado na economia da China, prossegue Protti, alguns condicionantes externos também contribuíram para que o país alcançasse índices de crescimento do PIB bem acima da média mundial – por volta de 7% no último ano. Um deles foi a reaproximação com os Estados Unidos, nos anos 1970, o que fez com que os produtos chineses encontrassem um novo e importante mercado. A retomada das relações bilaterais foi uma estratégia usada por Washington para conter o avanço da então União Soviética.
Além disso, outro fator que ajudou a China a ocupar o segundo lugar entre as potências econômicas mundiais foi a decisão tomada pelas grandes empresas do capitalismo contemporâneo de realocar a sua produção para outros mercados. Pressionadas pela concorrência, essas corporações passaram a instalar unidades em países que ofereciam diversos incentivos à produção e mão de obra barata. Assim, a China assumiu a condição de destino “natural” para muitas dessas companhias. “Esses condicionantes foram fundamentais para a China se tornar o que ela é hoje”, atesta o autor da tese.
Mesmo a China tendo um regime relativamente fechado, Protti diz não ter tido dificuldade para obter os dados necessários à sua pesquisa. Segundo ele, organismos como o Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC) e instituições chinesas de estatística dispõem de muitas informações sistematizadas. “Obviamente, cheguei a uma massa de dados gigantesca, o que exigiu um longo trabalho de garimpagem e análise”, finaliza o economista.
Publicação
Tese: “China: uma análise do papel das exportações e do investimento doméstico para o modelo de desenvolvimento econômico no período recente”
Autor: Alberto Teixeira Protti
Orientador: Fernando Sarti
Unidade: Instituto de Economia (IE)